Ernesto Che Guevara
Reminiscences of the Cuban Revolutionary War - Ernesto Che Guevara - Editora Ocean Press - 314 páginas - Publicação 2006 - Prefácio de Aleida Guevara.
Neste ano em que a revolução cubana completa 50 anos de aniversário é impossível não lembrar do médico argentino Ernesto Guevara de la Serna, mais conhecido por Che Guevara. Para alguns apenas um assassino frio e, para outros, um herói visionário e símbolo da luta do povo latino-americano contra a opressão. Na opinião de Jean Paul Sartre "o ser humano mais completo de nossa época". Este livro é uma reprodução dos diários escritos por Che Guevara durante o período de guerrilha na Sierra Maestra de 1956 a 1959 e comprova a sua habilidade de escritor já anteriormente demonstrada no clássico "Diários de Motocicleta" que foi adaptado para o cinema por Walter Salles em 2004. Praticamente todos os relatos de ações de guerrilha dos rebeldes e sobrevivência na selva foram reproduzidos na monumental biografia escrita muitos anos depois pelo repórter americano Jon Lee Anderson.
Chama a atenção a ingênua declaração dos guerrilheiros no manifesto de 1957, onde é lançado o "slogan de uma grande frente cívica revolucionária compreendendo todos os partidos de oposição política, todas as instituições civis e todas as forças revolucionárias". O programa de governo contaria ainda com a proclamação da liberdade de todos os prisioneiros políticos, civis e militares e absoluta garantia de liberdade da imprensa e rádio, com todos os direitos individuais e políticos garantidos pela constituição. Cinquenta anos depois, podemos constatar como todos os itens acima foram esquecidos no governo de Fidel Castro e seus sucessores.
De qualquer forma, como este blog sempre aborda os temas do ponto de vista da arte, é importante notar como a verdadeira poesia pode extrapolar os limites convencionais da literatura e se confundir com a vida e o destino de seus autores. Nestes casos, podemos distinguir traços premonitórios assustadores, como no poema abaixo, impregnado de emoção e morte, do então jovem Che Guevara. Vamos ao poema:
Eu sei! Eu sei! Se sair daqui, o rio me engolirá... É o meu destino: hoje devo morrer! Mas não, a força de vontade pode superar tudo. Há obstáculos, eu reconheço. Não quero sair. Se tenho que morrer, será nesta caverna.
As balas, o que podem as balas fazer comigo se meu destino é morrer afogado? Mas vou vencer o destino. O destino pode ser conseguido pela força de vontade.
Morrer, sim, mas crivado de balas, destroçado pelas baionetas, se não, não. Afogado não... Uma recordação mais duradoura do que meu nome É lutar, morrer lutando.
(Che Guevara, uma Biografia - Jon Lee Anderson)
O primeiro ponto a destacar é que este poema foi escrito por Che aos 18 anos. Desta época não há qualquer registro de suas futuras inclinações políticas ou guerrilheiras. Era apenas um jovem rebelde comum, de família aristocrática decadente. Nos primeiros versos, podemos sentir claramente o contraste entre a segurança e o risco. Um dilema que iria perseguir o nosso autor por toda a vida, seguir a carreira de médico na Argentina ou se aventurar pelo mundo? A resignação por uma morte violenta (crivado de balas, destroçado pelas baionetas), no lugar da morte lenta pela asma (afogado, não).
A sombra da doença sempre acompanhou Che em todos os momentos, na forma de uma asma violenta que, durante as crises mais fortes, o impossibilitava até mesmo de andar. A força de vontade, o "morrer lutando", foram características marcantes da personalidade de Che. Segundo Lee Anderson "a fé inquebrantável de Che em suas convicções tornou-se ainda mais poderosa por sua invulgar combinação de paixão romântica com pensamento friamente analítico. Essa mistura paradoxal foi provavelmente o segredo da estatura quase mística que atingiu...". Em 1967, aos 36 anos, Che foi assassinado pelo exército boliviano e morreu realmente crivado de balas. Seu corpo ficaria "desaparecido" por 30 anos.
Comentários
Excelente post, como sempre!
Um abraço.
Muito boa, muito boa postagem, esperemos pelo filme do Soderbergh!
Gosto de ler e ouvir falar de Che Guevara, mas para mim não é simples,
Vivi esse tempo, tinha 35 anos, meu filho mais velho, 15, a Con
13 e o pequeno 3 anos.
A vida não era fácil, embora emergisse com força naquela hora a classe média brasileira, desastrada e bem por isso sem saber lidar com seus filhos.
Essa foi a geração chamada de “juventude transviada.
Nessa altura, já tinha me dado conta da responsabilidade de criá-los e eu queria o melhor possível, assim me dediquei (sozinha) ao estudo de como faze-lo, Li muitos livros como Summerhll , do qual me lembro pouco, mas era a ordem da liberdade total.
Tinha pavor de política, por causa do papai, então, não me interessei por acompanhar de perto o que ocorria. Ouvia alguma coisa e sabia que o Che estava sendo literalmente caçado!
Agora sim, você vai ver a marota que sempre fui.
Meu marido, aquele descendente de italianos, ciumento de doer, lia tudo e eu queria apenas ver as fotos do Che e dizia com todas as letras: aquele homem lindo que venha pra cá, para nossa casa que eu o escondo debaixo da minha cama e ninguém vai pegá-lo!
Pois é, eu falava na frente de todo mundo que ele era o homem mais lindo que vi em toda minha vida!
Ninguém, ainda hoje o olha por esse prisma, mas continuei pela vida achando só isso mesmo.
Era alienada de todo!
Mas, a historia, através de gente como você, vai nos informando o que precisamos saber e o que realmente aconteceu.
A morte dele foi triste! Essa eu senti no coração, enquanto muita gente vibrou aliviada!
Na época a direita roxa e ignorante que caçava todos os comunistas, como meu pai, passava para o povão uma imagem dele completamente desvirtuada.
Contudo, ele hoje não deixa de ser reconhecidamente um herói, uma verdadeira personalidade que se distingue no cenário internacional do século XX e tem a simpatia da grande maioria socialista do mundo todo.
Só bem mais tarde, para mim, assassinaram esse herói, porque durante muito tempo eu só entendia (perdão de como vou dizer, que é como eu dizia) que perseguiram e impiedosamente assassinaram o espécime mais belo que a terra já viu.
Kovacs, ele também merece que isso seja reconhecido, se não por voces, ao menos por nós mulheres!
Beijo
Aidinha
Confesso que tenho um pé atrás com a mitificação, especialmente quando acontece no campo político. No caso em questão, algumas pessoas tendem a enxergar apenas o revolucionário Che e não o assassino Che - e ele foi os dois. Partindo daí, é possível quebrar a visão maniqueísta e olhar para um ser humano que, por suas crenças, lutou contra a opressão usando a violência. E eu me pergunto: até onde isso é válido?
Apegam-se a quem traz esperança, seja de que fonte for.
Feliz dia!
Muito interessante também a influência da fragilidade na construção do mito. Enfim, muita coisa para ser analisada em um blog!
Abraço
Perdão se me expressei mal: de forma alguma quis dizer que sua visão é idealizada - tanto não é, que o post já começa com a apresentação dos dois lados da moeda: herói/assassino.
Quanto ao governo de Fidel, era a isso que eu me referia: uma vez acionada, a violência - em todas as suas formas - não conhece limites. Temos muitos exemplos disso: Inquisição, colonização americana/africana/asiática, nazismo, fascismo, comunismo...
Peço licença ao Kovacs, para contra-argumentar a nobre opinião do nosso caro Ricardo.
Ricardo,
Há muitas formas de violência na vida, no mundo, e especialmente, no homem, pois não estão dissociadas da vida do mesmo (ser homem).
Por vezes, a passividade é uma forma de violência.
Bom debate.
O pior é que é verdade: mesmo a passividade é uma forma de violência.
Tive o desprazer de umas crises de asma ao longo da vida, o que me deixou solidária ao pavor dele em morrer afogado, do rio que nos engole no seco.
Assisti o filme Diários de Motocicleta e espero curiosa o do Soderbergh.
Abraços,
Iêda
Vc me conhece e sabe que a emoção e a razão andam lado lado na minha vida, e por isso não consigo separar a arte deste assassino frio, não por ele ser argentino, pq perdi toda a minha antipatia pelo povo porteño quando estive na bela Buenos Aires. Mas por não considerá-lo um ícone da América do Sul, bem também não saberia dizer quem seria, mas com certeza não é ele, muito menos o Fidel, onde o seu comentário exemplificou muito bem o que aconteceu com todos os povos latinos que passaram por "revoluções".
Abs e desculpe se eu nunca faço comentário pertinente a arte que vc apresenta.
Marco Tulio.
Nota: Já terminou de ler "Diários de Motocicleta"?
e pensar que estive tao perto dele...meu ultimo companheiro, era amigo dele,e viu ele pouco antes que o matassem....voltou para casa , chorando...nunca vou esquecer.
abraço
ja nao deu nenhuma olhada ao blog de meu irmao? nao tem tempo...entendo, desculpa se te pergunto...