O Livro Negro - Orhan Pamuk
Orhan Pamuk - O Livro Negro - Editora Companhia das Letras - 523 páginas - Publicação 2008 - Tradução de Sergio Flaksman com base nas versões inglesa e francesa.
Um romance de estrutura complexa e ao mesmo tempo original no qual Orhan Pamuk utiliza temas da cultura oriental para, através de uma narrativa experimental, ultrapassar os limites da literatura contemporânea mundial. "O Livro Negro" foi lançado na Turquia em 1990, mas só foi traduzido para o inglês em 2006, após os sucessos de "Meu Nome é Vermelho" de 1998 e do romance político "Neve" de 2002 que levaram Pamuk a ser laureado com o Nobel de literatura de 2006. O próprio Orhan Pamuk, por ocasião da última Feira do Livro de Frankfurt, destacou em entrevista à Folha a importância deste livro na sua carreira: "Talvez não seja o mais popular, mas é o mais querido para mim. Na essência, o que eu faço em literatura nasce aí.".
O tema central do livro é baseado em uma trama que pode aparentar uma novela policial, pois trata da procura frenética do jovem advogado Galip pela sua esposa e prima Rüya (cujo nome em turco significa sonho) que desaparece repentinamente após deixar um bilhete de despedida inconclusivo. Ele tem motivos para acreditar que ela tenha um relacionamento amoroso com o famoso jornalista, Celâl Salik, meio-irmão de Rüya e também primo de Galip. Celâl, que se esconde há muitos anos, escrevendo crônicas que são verdadeiros contos, sobre política, estrelas de cinema e gângsteres turcos, histórias familiares, poetas sufis, passando por digressões sobre o hurufismo, uma seita do século XIV que acreditava ser possível encontrar o sentido de nossas vidas em letras codificadas escritas por Alá em nossos rostos.
Os capítulos do "Livro Negro" são intercalados entre a narrativa principal e as crônicas de Celâl Salik, criando uma sensação de labirinto originada por histórias que se desdobram em outras histórias, sempre com uma descrição pormenorizada dos bairros, ruas, mesquitas e lojas de uma Istambul melancólica, habitada por personagens reais ou imaginários, contemporâneos ou históricos. Na verdade, logo descobrimos que este romance não tem nada de literatura policial, mas sim a representação de um grande quebra-cabeças metafísico criado por Pamuk. Galip, ao longo de sua busca pela esposa, acaba desintegrando a sua própria personalidade e transformando-se no próprio Celâl Salik. Este processo lembra muito o conto "Cidade de Vidro" de Paul Auster em "Trilogia de Nova York".
Um dos argumentos mais importantes desenvolvidos por Pamuk e, constantemente citado ao longo do livro, é a dificuldade de sermos nós mesmos: "Existe algum modo de um homem ser apenas quem é?". O próprio Pamuk responde em outro trecho do livro: "(...) o único meio de transformar-se em si mesmo é primeiro ser um outro, ou então perder-se nas histórias contadas por um outro (...)".
"O senhor conhece a história do grande Mevlana sobre a chave? Ontem à noite, por sorte, me veio um sonho sobre o mesmo tema. Tudo à minha volta estava branco, branco como essa neve. E então, de repente, acordei sentindo uma dor terrível, fria, gelada, no meu peito. Parecia que eu tinha uma bola de neve apertando o coração - uma bola de gelo, ou uma bola de cristal -, mas não; era a chave de diamante do grande poeta Rumi Mevlana, pousada no meu peito, em cima do coração. Peguei a chave e levantei da cama, tentando usá-la para abrir a porta do meu quarto, e ela abriu; e me vi num outro quarto onde, na cama, dormia um homem igual a mim, mas que não era eu. Pegando a chave pousada sobre o peito do homem adormecido e deixando a minha em seu lugar, abri a porta do seu quarto: e o quarto seguinte era idêntico, e o outro também, e naquele em que entrei depois vi ainda que havia sombras nesses quartos: outros fantasmas sonâmbulos como eu, todos com uma chave nas mãos. E em cada quarto uma cama, e em cada cama um homem que sonhava como eu! Percebi então que estava no mercado do Paraíso. Mas ali nada era comprado ou vendido, não havia dinheiro nem selos - só rostos e formas humanas. Se você quisesse, podia transformar-se em outra pessoa . Bastava passar o rosto escolhido sobre a face, como uma máscara, para começar uma vida nova. Mas eu sabia que a pessoa em que eu queria me transformar era a que estava no último dos mil e um quartos, mas, quando enfiei a última chave naquela última fechadura, a porta não abriu. Foi então que compreendi: a única chave capaz de abrir aquela porta era a primeira de todas, a chave que eu tinha encontrado em cima do meu peito quando acordara da primeira vez e era fria como o gelo, mas eu não tinha meio de saber onde aquela chave estaria agora ou com quem, qual era o quarto, qual a cama em que eu a deixara e, tomado de um arrependimento terrível, descobri que estava condenado a vagar, como todos os outros infelizes, de quarto em quarto, de porta em porta, trocando uma chave por outra, examinando cuidadosamente cada rosto que encontro mergulhado no sono, para todo o sempre".
Um romance de estrutura complexa e ao mesmo tempo original no qual Orhan Pamuk utiliza temas da cultura oriental para, através de uma narrativa experimental, ultrapassar os limites da literatura contemporânea mundial. "O Livro Negro" foi lançado na Turquia em 1990, mas só foi traduzido para o inglês em 2006, após os sucessos de "Meu Nome é Vermelho" de 1998 e do romance político "Neve" de 2002 que levaram Pamuk a ser laureado com o Nobel de literatura de 2006. O próprio Orhan Pamuk, por ocasião da última Feira do Livro de Frankfurt, destacou em entrevista à Folha a importância deste livro na sua carreira: "Talvez não seja o mais popular, mas é o mais querido para mim. Na essência, o que eu faço em literatura nasce aí.".
O tema central do livro é baseado em uma trama que pode aparentar uma novela policial, pois trata da procura frenética do jovem advogado Galip pela sua esposa e prima Rüya (cujo nome em turco significa sonho) que desaparece repentinamente após deixar um bilhete de despedida inconclusivo. Ele tem motivos para acreditar que ela tenha um relacionamento amoroso com o famoso jornalista, Celâl Salik, meio-irmão de Rüya e também primo de Galip. Celâl, que se esconde há muitos anos, escrevendo crônicas que são verdadeiros contos, sobre política, estrelas de cinema e gângsteres turcos, histórias familiares, poetas sufis, passando por digressões sobre o hurufismo, uma seita do século XIV que acreditava ser possível encontrar o sentido de nossas vidas em letras codificadas escritas por Alá em nossos rostos.
Os capítulos do "Livro Negro" são intercalados entre a narrativa principal e as crônicas de Celâl Salik, criando uma sensação de labirinto originada por histórias que se desdobram em outras histórias, sempre com uma descrição pormenorizada dos bairros, ruas, mesquitas e lojas de uma Istambul melancólica, habitada por personagens reais ou imaginários, contemporâneos ou históricos. Na verdade, logo descobrimos que este romance não tem nada de literatura policial, mas sim a representação de um grande quebra-cabeças metafísico criado por Pamuk. Galip, ao longo de sua busca pela esposa, acaba desintegrando a sua própria personalidade e transformando-se no próprio Celâl Salik. Este processo lembra muito o conto "Cidade de Vidro" de Paul Auster em "Trilogia de Nova York".
Um dos argumentos mais importantes desenvolvidos por Pamuk e, constantemente citado ao longo do livro, é a dificuldade de sermos nós mesmos: "Existe algum modo de um homem ser apenas quem é?". O próprio Pamuk responde em outro trecho do livro: "(...) o único meio de transformar-se em si mesmo é primeiro ser um outro, ou então perder-se nas histórias contadas por um outro (...)".
"O senhor conhece a história do grande Mevlana sobre a chave? Ontem à noite, por sorte, me veio um sonho sobre o mesmo tema. Tudo à minha volta estava branco, branco como essa neve. E então, de repente, acordei sentindo uma dor terrível, fria, gelada, no meu peito. Parecia que eu tinha uma bola de neve apertando o coração - uma bola de gelo, ou uma bola de cristal -, mas não; era a chave de diamante do grande poeta Rumi Mevlana, pousada no meu peito, em cima do coração. Peguei a chave e levantei da cama, tentando usá-la para abrir a porta do meu quarto, e ela abriu; e me vi num outro quarto onde, na cama, dormia um homem igual a mim, mas que não era eu. Pegando a chave pousada sobre o peito do homem adormecido e deixando a minha em seu lugar, abri a porta do seu quarto: e o quarto seguinte era idêntico, e o outro também, e naquele em que entrei depois vi ainda que havia sombras nesses quartos: outros fantasmas sonâmbulos como eu, todos com uma chave nas mãos. E em cada quarto uma cama, e em cada cama um homem que sonhava como eu! Percebi então que estava no mercado do Paraíso. Mas ali nada era comprado ou vendido, não havia dinheiro nem selos - só rostos e formas humanas. Se você quisesse, podia transformar-se em outra pessoa . Bastava passar o rosto escolhido sobre a face, como uma máscara, para começar uma vida nova. Mas eu sabia que a pessoa em que eu queria me transformar era a que estava no último dos mil e um quartos, mas, quando enfiei a última chave naquela última fechadura, a porta não abriu. Foi então que compreendi: a única chave capaz de abrir aquela porta era a primeira de todas, a chave que eu tinha encontrado em cima do meu peito quando acordara da primeira vez e era fria como o gelo, mas eu não tinha meio de saber onde aquela chave estaria agora ou com quem, qual era o quarto, qual a cama em que eu a deixara e, tomado de um arrependimento terrível, descobri que estava condenado a vagar, como todos os outros infelizes, de quarto em quarto, de porta em porta, trocando uma chave por outra, examinando cuidadosamente cada rosto que encontro mergulhado no sono, para todo o sempre".
Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar O Livro Negro de Orhan Pamuk
Comentários
Que texto!!!
Mexeu comigo, impressiona!
Amanhã vou ler outra vez.
Pela amostra parece que o livro dá bem o que pensar!
Deixo um beijinho pra vocês.
abraço,
clara lopez
O branco é uma cor que fascinou o Edgard A. Poe, o Melville, ambos fizeram fascinantes narrativas a respeito dessa cor.
Porém o trecho que você escolheu para nos mostrar, deu uma outra dimensão, a frieza da cor, com a impossibilidade presente nas histórias de Kafka. Uma espécie de fusão dos sentidos, uma completude. Ótima dica, obrigado. Abraços e parabéns como sempre.
Pamuk já estava na minha lista infindável de futuras leituras com Neve e Meu Nome é Vermelho (por sua causa). Depois dessa resenha incrível, sou obrigado a colocar O Livro Negro nela também. Vou à falência...
embora sua resenha, divulgação de O Livro Negro seja mais que perfeita peço licença para meter a lenha nos best sellers(?)de lingua não brasileira ,primeiro porque não acredito na tradução, pra traduzir do turco pro brasileiro tem que possuir a alma dos dois povos envolvidos,e pelo que vi trata-se de tradução de tradução, nada de bom pode surgir disso e em seguida acho que livros volumosos torram a paciência, pelo menos a minha,e pra concluir eu explodiria todas as editoras que nada cuidam de literatura e cultura, só editam pra encher o bolso com a grana gasta pela maioria "burra", desculpe mas eu sou um "grosso", temos escritores nacionais consagrados que só entram na lista dos mais vendidos pela mágica do esoterismo ou por serem luminares em outras paradas, não são escritores, são aproveitadores da fama, talvez haja alguma excessão, talvez,e você mesmo reconhece que temos bons escritores,pelo menos assim eu entendi ao ler seu post anterior, escrevi alguns livros,nada de obra proma, entanto um ou dois tem merecimento e pra concluir se eu fosse abonado eu compraria fácil - fácil a boa vontade mercenária de alguma editora e gastando mais grana a divulgação e distribuição seriam sucesso absoluto, e como tenho a felicidade de conhecer a fundo a lingua inglesa e francesa não leio nada traduzido, têm tantos imbecis metidos a tradutores, fora com eles e meu amigo K, me desculpe a ira incontida e um grande abraço pra você e mil obrigados pelos seus benevolentes comentários
Valdemir Reis
Também gostei que a historia acontece em Istambul, apesar de não conhecê-la acho esta cidade muito atraente, com todas as culturas que nela cohabitam.
O livro ja esta na minha listinha, obrigada por indica-lo.
Abraços e bom fim de semana.
P.S.: Não consegui acentuar as palavras meu teclado esta com problemas...
Perdão por não poder concordar com o seu enquadramento de Pamuk na categoria de "best seller", mas com relação à tradução estou totalmente de acordo. Toda tradução é uma violência com o texto e a cultura original do escritor. O que dizer então de uma tradução indireta, deveria ser uma prática proibida no mercado editorial.
Obrigado mais uma vez pela visita e comentário e parabéns pelos seus textos, pois estão cada vez melhores!
Um abraço.
Tudo certo?
Viu, gostei bastante do teu blog. Textos muito bons e sobre temas que eu aprecio muito.
Recebi dois prêmios da blogosfera e tive que correr atrás de pessoas para indicar a eles... e indiquei você. :)
Espero que não te importes. Se quiseres saber sobre o prêmio e seguir com ele - acho essas iniciativas legais -, podes visitar o meu blog na seção Extra-extra!
Um abraço e bom trabalho!
muito, muito excelente seu blogue. certamente, para aquele que tem sede de boas referências literárias, aqui, encontra um espaço fértil e de qualidade ímpar. a bem da verdade já o venho seguindo há dias, seguindo os passos do Iosif. e não pretendo parar.
um abraço.
Tive o prazer de ler o sagaz Neve e confesso q "O livro Negro", tão bem introduzido por vc, aguçou minha curiosidade! Acho q Pamuk sabe inquietar a alma humana... e confesso q gosto muito disso!
Interessantíssimo o questionamento de nosso "eu"... acho q na verdade é a busca q todos nós temos... como fazer parte de um todo, e absorver este todo como consequência inevitável disso, sem deixarmos de sermos um... sem deixarmos de "sermos eu"... em nossa mais pura essência!
Um abço gde
Bom, mais um para a pilha. Obrigado por mais essa e um grande abraco, Chico