Jonathan Littell - As Benevolentes

Literatura francesa
Jonathan Littell - As Benevolentes - Editora Objetiva - Selo Alfaguara - 905 páginas - Publicação 2007 - Tradução da edição francesa por André Telles.

Vencedor do prêmio Gouncort de 2006, este é um livro difícil de ler e ainda mais difícil de se resenhar. Jonathan Littel escreveu um romance histórico sobre a Segunda Guerra com foco na campanha alemã do leste europeu e o extermínio sistemático de judeus e outros grupos étnicos, utilizando como recurso ficcional as memórias do protagonista Maximilien Aue, oficial da SS nazista que participou dos eventos principais ocorridos na Polônia, Rússia, Hungria e a derrota final do exército alemão com a tomada de Berlim pelos aliados. A crítica especializada se dividiu entre a adoração irrestrita, comparando Littell a Tolstoi em um novo "Guerra e Paz" (crítica do jornal Le Monde) a acusações sobre excesso de violência e pornografia (ver resenhas da tradução para o inglês dos jornais Times, Guardian e The Independent).

Ao colocar o seu protagonista na pele do carrasco, Littell tenta nos fazer entender o absurdo da guerra e do destino que faz com que um homem inteligente e culto como Maximilien Aue se veja envolvido em ações de extermínio em massa como o massacre de Babi Yar no front do Cáucaso, a batalha sangrenta entre russos e alemães pela posse de Stalingrado e o funcionamento dos campos de concentração de Auschwitz e Birkenau. Surpreende neste romance o nível de pesquisa e detalhamento do autor que utilizou personagens históricos como Heinrich Himmler, Adolf Eichmann, Albert Speer, Rudolf Hess e Adolf Hitler, além de descrever todo o mecanismo burocrático do exército alemão. A seguinte declaração de Jonathan Littell explica a sua opção pelo protagonista nazista: "Eu jamais poderia avançar se ficasse no registro da recriação ficcional clássica, com o autor onisciente, como Tolstoi, que arbitra entre o bem e o mal. A única maneira era me colocar na pele do carrasco".


Ao longo da narrativa de 900 páginas, enquanto o mal é exercido em toda a sua plenitude pelos homens e os fatos históricos demonstram não haver esperança possível, Maximilien Aue é atormentado por seus próprios fantasmas, uma paixão impossível pela irmã gêmea que o faz assumir o homosexualismo como opção de vida e a participação no assassinato da mãe e do padrasto na França. O autor por vezes parece querer realmente nos chocar com detalhes das ações de extermínio praticadas pelos nazistas, mas não tenho dúvidas do valor literário do texto que tem passagens inesquecíveis nos monólogos de Maximilien Aue. A introdução do romance deixa claro o que vem pela frente:


"Irmãos humanos, permitam-me contar como tudo aconteceu. Não somos seus irmãos, vocês responderão, e não queremos saber. É bem verdade que se trata de uma história sombria, mas também edificante, um verdadeiro conto moral, garanto a vocês. Corre o risco de ser um pouco longa, afinal aconteceram muitas coisas, mas, se calhar de não estarem com muita pressa, com um pouco de sorte arranjarão tempo".


Fico imaginando por que Jonathan Littell escolheu um tema tão difícil e desagradável para escrever, ele próprio nascido em Nova York, numa família judia. O mal, sempre presente, é o maior protagonista do romance que, apesar de tudo, é brilhantemente escrito em todos os momentos. Literatura pura, apesar da dor que provoca.

Comentários

Rafael Rodrigues disse…
Bela resenha, meu caro, parabéns! Tenho o livro mas não tive a sorte de encontrar tempo ainda para lê-lo, infelizmente.
lis disse…
Bom vir aqui e ler suas resenhas porque fatalmente nao lerei o livro rsrs, por todos os motivos, principalmente por ser um romance longo.Gosto do tema, apesar de sabe-lo triste.
Anoto e quem sabe ? preciso de tempo rsrs
Bom domingo,abraços
Leila Silva disse…
Não conhecia este livro, obrigada pela dica, parece realmente bom.

Abraço
Alexandre Kovacs disse…
Rafael, eu tinha perdido a pista do seu blog até achá-lo recentemente no facebook, já adicionei o link por aqui. Obrigado pela visita e comentário!
Alexandre Kovacs disse…
.Lis, realmente é preciso disposição para vencer as 900 páginas, mas posso garantir que vale a pena. Obrigado pela visita!
Alexandre Kovacs disse…
Leila, fico feliz de ter feito as apresentações. Acho que você vai gostar do romance, mas alerto para a extrema violência do tema e da forma como é tratado.
Kovacs, nesta roda viva há mto não deixo aqui um recadinho pra ti. A falta de tempo de ler me incomoda ainda mais que a falta de tempo de escrever, porque como escrever sem ler? Agora férias chegando e quero vir aqui com calma pegar algumas dicas, remexer posts antigos kikiki. Estou tão atrasada que nem sei como foram suas férias com seu pequeno. Imagino muito boas. O livro me deixou curiosa... gosto de temas assim. Quando fizer a lista do que vou ler nas férias te mostro. beijo meu, veroca
Susy Freitas disse…
esse livro parece ser intrigante, sua resenha me deixou bastante curiosa. acho muito expressivo que o narrador seja justamente o "vilão" da trama, pois nos faz refletir sobre a proximidade do mal, sobre a pontencialidade do homem para fazer coisas terríveis, coisa que jamais devemos esquecer para não esquecermos de nossa própria humanidade.
Estou - finalmente - começando a me atracar com o Proust, o que deve durar um boooooooom tempo, que certamente não será perdido... rsrsrs (que vergonhosa piadinha infame mas irresistível...).
Mas a dica é a cara de uma das coisas que meu marido gosta de ler: bons romances que falem da segunda guerra.
Você acabou de resolver o dilema do "o quê dar de Natal/fim-de-ano para o Paulo?"...
Bjs!
jugioli disse…
Vim conferir as novidades!!!
Esse parece ser um livro realmente difícil e instigante.
Lembrei de uma reportangem do Jorge Coli, quando voce diz sobre como pode existir maldade ou perversão em uma pessoa de cultura e inteligência. Acho muito pertinente essa questão, pois segundo a psicanálise, a dimensão humana esconde suas sombras insconscientes. E, o colunista Jorge Coli faz essa pergunta: " a cultura melhora o ser humano? " portanto, personagens inteligentes e cultos podem ser assassinos cruéis, escutarem Wagner nas sua "Cavalgada das Valquírias" e exterminarem os judeus.

E, esta diversidade da cultura está presente naqueles que sabem refletir, propiciarem refinamento, estudo, saber e crítica, daqueles que usam a cultura sem consciência, sem reflexão.
bjs.

bjs.
Alexandre Kovacs disse…
Veroca, a eterna falta de tempo é o desafio a ser vencido para avançarmos neste romance e em tantos outros que disputam a nossa atenção com os desafios do dia-a-dia. Obrigado pela atenção e por se interessar pela minha viagem que, por sinal, foi excelente, meu filho adorou!
Alexandre Kovacs disse…
fdots, uma das mensagens mais marcantes do livro é essa capacidade latente do homem de produzir o mal de forma sistemática, o bem nem sempre encontra tanto espaço...
Alexandre Kovacs disse…
Christina, pode ser uma boa dica para presentear o Paulo sim, mas alerto para a extrema violência do texto. Eu mesmo fiquei um pouco deprimido com certas passagens, mas mesmo assim não consegui parar de ler.
Alexandre Kovacs disse…
Ju, acho que você tocou em um dos pontos básicos do romance, ou seja, a cultura e inteligência não são suficientes para anular a maldade do espírito humano, caso contrário a história do século XX teria sido bem diferente. Jonathan Littell mostra bem essa incoerência ao fazer com que seu protagonista esteja sempre no centro dos acontecimentos mais selvagens e desumanos da Segunda Guerra e acabe se adaptando às distorções nazistas.
Eu pensava em ler esse livro, mas cpmfesso que agora estou com medo.
Alexandre Kovacs disse…
Sonia, é um livro barra pesada, mas você como uma escritora de romances históricos não pode passar sem essa experiência! Estou esperando a sua confirmação de amizade no facebook.
Olá, Kovacs. Não sabia de seu convite para sermos amigos no Facebook, do qual não faço parte. Do que gosto mesmo é do Multiply, que permite maior interação entre as pessoas e onde, em cinco anos, jpá criei laços de amizade que extrapolaram o virtual. Mas com tantos conhecidos no Facebook, estou até pensando em me inscrever, pelo menos para ver como é. Abração e Feliz Natal.
Alexandre Kovacs disse…
Oi Sonia, desculpe a confusão, mas como existe um perfil aberto com o seu nome no Facebook achei que poderia estar ativo. Ah sim o Ricardo Cabral (ele também no Facebook) que te conhece do "mundo real" deu uma força para que fizesse contato. O Ricardo, por sinal, parece ser uma outra pessoa muio legal!
Gerana Damulakis disse…
Então, valeu a pena a leitura. Vc praticamente diz que o mal é o personagem maior. Diz que é literatura pura e causa dor.
OK, vou adentrar as quase 1000 páginas, vc me convenceu.
Alexandre Kovacs disse…
Gerana, você certamente não será a mesma quando chegar ao final deste romance, alguma coisa vai ficar arranhada no seu interior, mas isto é que se chama literatura.
jefferson gomes disse…
Um grande amigo me emprestou esse livro, As Benevolentes. Levei uns três meses para concluir a leitura, muito mais pelas vezes que o joguei, tomado de nojo e revolta, do que por seu tamanho bíblico. Meu grande amigo ria de mim, tomado de um prazer sádico, e me mandava ler fotonovelas. Sim, é uma narrativa que perturba, que faz querer chorar de ódio do ser humano, o grande irracional, mas é também uma viagem histórica riquíssima através do olhar e das atitudes do Max, o fascinante e controverso protagonista.
Alexandre Kovacs disse…
Jefferson, também tive essa mesma sensação e vontade de abandonar o livro, mas isso foi impossível. Obrigado pela visita e comentário e seja muito bem-vindo por aqui.

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