Poemas de Paul Éluard
Movimento Surrealista, da esquerda para a direita: Tristan Tzara, Paul Éluard, André Breton, Hans Arp, Salvador Dalí, Yves Tanguy, Max Ernst, René Crevel e Man Ray. |
Esta foto de 1930, em Paris, bem poderia servir como argumento para muitos livros ou roteiros e dá uma ideia da concentração criativa do movimento surrealista, formado em torno desse bando de loucos nos campos da literatura, pintura e fotografia. Um movimento de rara intensidade na história da arte. Podemos citar mais alguns importantes expoentes do movimento, não presentes na imagem, tais como: Antonin Artaud no teatro, Luis Buñuel no cinema e René Magritte nas artes plásticas.
A obra poética de Paul Éluard (1895-1952), o segundo louco da esquerda para a direita, é extensa e apresenta não apenas inspiração de ordem intimista e lírica, mas também de engajamento político, principalmente quando atuou como membro do Partido Comunista francês e viveu na clandestinidade, participando na Resistência contra o nazismo. Na verdade, a obra de Éluard ultrapassou, em muito, os limites e exageros do movimento surrealista da época.
Os dois exemplos que selecionei abaixo fazem parte do livro "Poemas", seleção e tradução de José Paulo Paes, publicado pela editora Guanabara em 1988 e infelizmente já esgotado.
Seus olhos sempre puros
(Leurs Yeux Toujours Purs)
Dias de lentidão, dias de chuva,
Dias de espelhos quebrados e agulhas perdidas,
Dias de pálpebras fechadas ao horizonte dos mares,
De horas em tudo semelhantes, dias de cativeiro.
Meu espírito que brilhava ainda sobre as folhas
E as flores, meu espírito é desnudo feito o amor,
A aurora que ele esquece o faz baixar a cabeça
E contemplar seu próprio corpo obediente e vão.
Vi, no entanto, os olhos mais belos do mundo,
Deuses de prata que tinham safiras nas mãos,
Deuses verdadeiros, pássaros na terra
E na água, vi-os.
Suas asas são as minhas, nada mais existe
Senão o seu vôo a sacudir minha miséria.
Seu vôo de estrela e luz, Seu vôo de terra, seu vôo de pedra
Sobre as vagas de suas asas.
Meu pensamento sustido pela vida e pela morte.
Publicado originalmente em "Capitale de la douleur" (1926)
Coragem
(Courage)
Paris tem frio Paris tem fome
Paris já não come castanhas pelas ruas
Paris vestiu-se com velhas roupas de velha
Paris de pé sem ar dormindo no metrô
Desventura ainda maior é imposta aos pobres
E a sabedoria e a loucura
De Paris infeliz
É o ar puro é o fogo
A beleza a bondade enorme
De seus operários com fome
Paris não grites por socorro
Estás viva de uma vida sem igual
E por trás da nudez
De tua magra palidez
Tudo o que é humano se revela em teus olhos
Paris minha cidade
Fina como uma agulha forte como uma espada
Ingênua e sábia
Tu não suportas a injustiça
Para ti é a única desordem
Tu vais te libertar Paris
Paris tremeluzente como estrela
Nossa esperança sobrevive
Tu vais te libertar da fadiga e da lama
Coragem irmãos, coragem
Nós que não temos capacetes
Nem mosquetes nem tapetes nem banquetes
Eis que um raio se acende em nossas veias
A nossa luz nos volta
Os melhores de nós por nós morreram
E o seu sangue reencontra o nosso coração
E é manhã outra vez a manhã de Paris
Ponta de libertação
O espaço da primavera que nasce
A força idiota está por baixo
Estes escravos nossos inimigos
Se refletirem
Se forem capazes de refletir
Vão-se insurgir.
Publicado originalmente em "Au rendez-vous allemand" (1942-1945)
Já o poema abaixo foi incluído na antologia "Algumas das palavras", tradução de António Ramos Rosa e Luísa Neto Jorge, publicação da editora portuguesa Dom Quixote em 1977 (segunda edição bilingue).
A curva dos teus olhos
A curva dos teus olhos dá a volta ao meu peito
É uma dança de roda e de doçura.
Berço noturno e auréola do tempo,
Se já não sei tudo o que vivi
É que os teus olhos não me viram sempre.
Folhas do dia e musgos do orvalho,
Hastes de brisas, sorrisos de perfume,
Asas de luz cobrindo o mundo inteiro,
Barcos de céu e barcos do mar,
Caçadores dos sons e nascentes das cores.
Perfume esparso de um manancial de auroras
Abandonado sobre a palha dos astros,
Como o dia depende da inocência
O mundo inteiro depende dos teus olhos
E todo o meu sangue corre no teu olhar.
Publicado originalmente em "Capitale de la douleur" (1926)
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