Felipe Franco Munhoz - Identidades
Felipe Franco Munhoz - Identidades - Editora Nós - 186 Páginas - Direção Editorial de Simone Paulino - Projeto gráfico: Bloco Gráfico - Lançamento: 23/05/2018.
Experimental é um termo insuficiente para definir o que propõe Felipe Franco Munhoz nesta obra que incorpora elementos de várias expressões artísticas como: prosa, poesia, dramaturgia, artes plásticas e música. Partindo de referências da mitologia grega e literatura como, por exemplo, a saga de Fausto e Mefistófeles, um tema recorrente em toda a cultura ocidental, o autor faz uma transposição de personagens clássicos para a nossa época de forma a destacar questões como a crise de identidade, mudanças de gênero e as relações afetivas. Assim, não é de causar surpresa que este novo Fausto seja na verdade uma mulher e encontre com Mefistófeles em plena Rua Augusta.
Não é tão simples acompanhar a velocidade com que o autor lança mão de referências e, até mesmo, mudanças repentinas de idioma para o inglês, alemão ou grego. Logo, é desejável — mas não obrigatório — que o leitor possua alguma bagagem cultural para perceber, por exemplo, as citações de autores na área de literatura (Sófocles, Goethe, Mann, Blake, Kafka, Dostoiévski, Cummings, Faulkner e Joyce), artes plásticas (Botticelli, Vincent van Gogh, Andy Warhol e Jackson Pollock) e cinema (Blow-Up de Antonioni e Francofonia de Aksandr Sokurov). De qualquer forma, o entendimento não é um requisito indispensável para o prazer da leitura; mais importante passa a ser a surpresa do que a compreensão. Prova disso é o poema Tigres que é lindo, independente das referências.
Tigres
Neste quarto, sou tigresa;
parte Borges, parte Blake
(somos tigres enjaulados):
sou a tua simetria.
Febre tátil. Cerra a fina cortina, pálpebras:
vê, então, que sou felina e qualquer metáfora.
Sou cabeça neste prato
feito São João Batista.
Sou cabeça, a qual carrego,
feito São Dinis, dizendo
pelas ruas, pelo mundo,
palco, tuas redondilhas.
Sou cabeça ou genitália?
Em detalhes, tua fêmea:
tanto a mais palpável carne,
quanto a tinta das pupilas.
Sou atriz; também almejo
ser o tema, deusa, diva:
tua musa dadaísta.
Letras. Laço. Disco. Estrelas.
Quero ser estátua grega ambulante, lépida,
quero expor-me, afora, em vivo museu do século.
Quero ser e estar um quadro:
arte à mostra em curto prazo.
Quero ser à luz de velas.
Quero ser a tua Creta;
ser o fio do sacrifício,
sem formar liames débeis.
Quero ser o elo intacto
(há Teseu e Minotauro;
há Jesus no ombro esquerdo,
contra a Besta, no direito).
Quero ser a fruta frágil:
ser, no cânon, tua santa;
mas, eleita a tua puta,
ser, na cama, o teu deleite.
Sou complexa algaravia, janela grávida,
pele prenhe do possível; porém, utópico.
Neste quarto, sou tigresa;
parte Borges, parte Blake
(somos tigres enjaulados):
sou a tua simetria.
Apesar da poesia ser um dos destaques do livro, talvez a estrutura predominante, se é que podemos falar assim, seja a dramaturgia, já que o autor segue as marcações de uma peça de teatro e o tempo das cenas está normalmente associado a uma trilha sonora que obviamente não tem uma identidade única, misturando música clássica e contemporânea em iguais proporções, inclusive com as indicações de tempo das obras de Beethoven, Miles Davis, Milton Nascimento, Kris Kristofferson, Gang of Four, Lou Reed, The Clash, John Cage, Bohuslav Martinů, Mahler, Leonard Cohen, Bob Dylan, Wynton Marsalis, Hermeto Pascoal, Bach, Mozart e Giuseppe Tartini.
Não é tão simples acompanhar a velocidade com que o autor lança mão de referências e, até mesmo, mudanças repentinas de idioma para o inglês, alemão ou grego. Logo, é desejável — mas não obrigatório — que o leitor possua alguma bagagem cultural para perceber, por exemplo, as citações de autores na área de literatura (Sófocles, Goethe, Mann, Blake, Kafka, Dostoiévski, Cummings, Faulkner e Joyce), artes plásticas (Botticelli, Vincent van Gogh, Andy Warhol e Jackson Pollock) e cinema (Blow-Up de Antonioni e Francofonia de Aksandr Sokurov). De qualquer forma, o entendimento não é um requisito indispensável para o prazer da leitura; mais importante passa a ser a surpresa do que a compreensão. Prova disso é o poema Tigres que é lindo, independente das referências.
Tigres
Neste quarto, sou tigresa;
parte Borges, parte Blake
(somos tigres enjaulados):
sou a tua simetria.
Febre tátil. Cerra a fina cortina, pálpebras:
vê, então, que sou felina e qualquer metáfora.
Sou cabeça neste prato
feito São João Batista.
Sou cabeça, a qual carrego,
feito São Dinis, dizendo
pelas ruas, pelo mundo,
palco, tuas redondilhas.
Sou cabeça ou genitália?
Em detalhes, tua fêmea:
tanto a mais palpável carne,
quanto a tinta das pupilas.
Sou atriz; também almejo
ser o tema, deusa, diva:
tua musa dadaísta.
Letras. Laço. Disco. Estrelas.
Quero ser estátua grega ambulante, lépida,
quero expor-me, afora, em vivo museu do século.
Quero ser e estar um quadro:
arte à mostra em curto prazo.
Quero ser à luz de velas.
Quero ser a tua Creta;
ser o fio do sacrifício,
sem formar liames débeis.
Quero ser o elo intacto
(há Teseu e Minotauro;
há Jesus no ombro esquerdo,
contra a Besta, no direito).
Quero ser a fruta frágil:
ser, no cânon, tua santa;
mas, eleita a tua puta,
ser, na cama, o teu deleite.
Sou complexa algaravia, janela grávida,
pele prenhe do possível; porém, utópico.
Neste quarto, sou tigresa;
parte Borges, parte Blake
(somos tigres enjaulados):
sou a tua simetria.
Apesar da poesia ser um dos destaques do livro, talvez a estrutura predominante, se é que podemos falar assim, seja a dramaturgia, já que o autor segue as marcações de uma peça de teatro e o tempo das cenas está normalmente associado a uma trilha sonora que obviamente não tem uma identidade única, misturando música clássica e contemporânea em iguais proporções, inclusive com as indicações de tempo das obras de Beethoven, Miles Davis, Milton Nascimento, Kris Kristofferson, Gang of Four, Lou Reed, The Clash, John Cage, Bohuslav Martinů, Mahler, Leonard Cohen, Bob Dylan, Wynton Marsalis, Hermeto Pascoal, Bach, Mozart e Giuseppe Tartini.
Após tanto tempo ainda procuramos nos decifrar, confusos e muitas vezes assumindo identidades que não são as verdadeiras ou, pelo menos, não aquelas que desejávamos. No final, sempre voltamos na mesma e simples pergunta: "Quem eu sou?". O jovem escritor Felipe Franco Munhoz possivelmente não tem a resposta, mas foi corajoso o bastante para perguntar de uma forma diferente.
Sobre o autor: Felipe Franco Munhoz nasceu em São Paulo, em 1990. É graduado em Comunicação Social pela Universidade Federal do Paraná. Em 2010, recebeu uma Bolsa Funarte de Criação Literária para escrever o romance Mentiras (Editora Nós, 2016), inspirado na obra de Philip Roth. Entre fevereiro e março de 2016, publicou – junto com Marcelino Freire e Carol Rodrigues – uma sequência de micronarrativas diárias no jornal Ponto Final, de Macau, China. É autor da peça Identidades 15 minutos, que estreou na Flup em 2017. Sua ficção já foi publicada em inglês, francês e chinês. Seus primeiros textos de ficção foram publicados em diversos veículos, como Gazeta do Povo, Rascunho, Cândido e The Huffington Post. É crítico da APCA na área de literatura.
Sinopse da Editora: Explorando diferentes transformações físicas e emocionais dos personagens – e diferentes formas de emprego da linguagem –, Identidades é uma espécie de Fausto do século XXI. Fausto, nesta narrativa, é mulher e está, em São Paulo, à procura de um Mefistófeles que realize seu desejo de trocar de sexo.
Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Identidades de Felipe Franco Munhoz
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