Lourenço Dutra - Diálogos em Estado Puro

Literatura brasileira contemporânea
Lourenço Dutra - Diálogos em Estado Puro - Editora Penalux - 146 Páginas - Capa: Edson Fogaça - Lançamento: 2018 (Leia aqui um trecho em pdf disponibilizado pela Editora).

Um conhecido conselho de Kurt Vonnegut (1922-2007) sobre escrita criativa é que "toda frase deve fazer uma de duas coisas – revelar o personagem ou avançar a ação", isso é exatamente o que ocorre em cada um dos 20 contos reunidos nesta antologia do brasiliense Lourenço Dutra, só que o autor vai ainda mais longe na sua procura pela essência narrativa, valendo-se quase que exclusivamente de diálogos, ou fragmentos de diálogos, para desenvolver a estrutura de seus textos. Uma técnica que utiliza poucas intervenções de um narrador onisciente e certamente agradará ao leitor que não tem paciência para longas descrições ou digressões.

Além da alta velocidade narrativa, o autor se vale também de personagens representativos do povo, flagrados em situações do cotidiano. O protagonista pode ser um taxista homofóbico que transforma o diálogo em monólogo, até descobrir que transporta um passageiro homossexual, uma dupla de meninos que se prepara para uma nova ação de bullying durante o recreio, uma mãe controladora que aconselha o filho a esquecer a mulher que o traiu, um imigrante sírio que tenta sobreviver com sua barraquinha de esfihas e tem problemas para vencer o preconceito dos vendedores locais, um autor que é surpreendido por um inconveniente amigo de infância na noite de autógrafos e muitas outras situações comuns em nossos grandes centros urbanos. Também os momentos de violência extrema, cada vez mais presentes em nossa sociedade, estão descritos sem filtros, refletindo uma realidade que não conseguimos mais evitar.

Trecho de "Cativeiro" - pp. 47 e 48:

Nervoso, aponta a arma para a testa do outro.
– Olha véi, na moral, se o teu coroa inventar de fazer alguma gracinha nós queima ele e você, entendeu?
Silêncio.
– Entendeu, caralho, fala!
– É, eu entendi.
– Se ele acenar para o segurança do banco ou se na volta resolver se engraçar em alguma blitz: bang! – e faz uma simulação de disparo com um movimento brusco das mãos – Já era! Entendeu ó burguesinho de merda? Tu tá ligado?
– Sim.
Vamu rapá tudo que vocês têm no banco! Tá ouvindo? Tá ouvindo? – e encosta a arma na cabeça do outro.
– Tô, tô ouvindo.
– E agora véi, vão ficar com menos na conta! Ouviu?
– Sim, ouvi.
– Bom, mesmo!
E anda de um lado para o outro. Vai até o filtro de cerâmica, pega o copo de latão e enche até a borda. Bebe de uma vez. Molha o rosto, a camisa, por fim passa a manga no rosto.
– Você poderia me dar um pouco de água?
– Água? Tu tá com sede ó playboy?
Silêncio.
– Fala caralho! Tu tá com sede?
– É, eu tô com sede!
Então tá com sede? Tá com a garganta, a boca, os beiço tudo seco?
Silêncio.
– Fala, porra!
– É, eu estou com muita sede!
– Ah, é? Então espera aí... e vai até o filtro, usa o mesmo copo sem lavar. Enche até o topo e ao final dá um sorriso e cospe dentro.
– Pronto playboy, toma a tua aguinha que já tá servida! – e se aproxima do rapaz amarrado.
[...]

Exceto em situações violentas, como no trecho acima, o bom humor está sempre presente nos textos de Lourenço Dutra, como na sua última antologia de contos "A Guerra dos Gêneros" (ler aqui resenha do Mundo de K), descrevendo situações que se revelam como deliciosas crônicas de costumes e das relações afetivas do nosso tempo. É o caso dos contos: Figurinhas, em que um grupo de "marmanjos" se reúne em torno de uma banca de jornais para trocar figurinhas da copa, ou Convívio, que transforma o leitor em ouvinte indiscreto de uma conversa por telefone entre um casal separado, mas que mantém uma estranha relação de intimidade.

Literatura brasileira contemporânea
Texto da orelha do livro: Lourenço Francisco Dutra Junior ou simples, diminutiva e artisticamente, Lourenço Dutra, nasceu em Brasília no dia 21 de dezembro de 1963, filho de pai madeireiro e de mãe professora. Publicou em 2007 o seu primeiro livro O olhar dos outros, contos, pela LGE editora, contemplado com a verba do Fundo de Arte e Cultura do Distrito Federal. Apesar de ainda ser pouco conhecido e, principalmente, muito pouco reconhecido, já lançou vários livros desde a publicação de sua primeira obra. Seus últimos romances foram: Os aliciadores, romance de produção independente, publicado pela Pulp Bsb Edições, e A guerra dos gêneros, coleção de contos, pela Penalux, sua nova casa literária. É professor graduado em História e Jornalismo pelo Uniceub e imagina... falta pouco para se aposentar, mas se o Estado, a "previdência" e a "providência" deixarem.

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