Sandra Abrano - Vestígios: mortes nem um pouco naturais

Literatura brasileira contemporânea
Sandra Abrano - Vestígios: mortes nem um pouco naturais - Editora Bandeirola - 224 Páginas - Projeto gráfico, capa e diagramação de Thaís de Bruyn Ferraz - Lançamento: 2018.

O romance de Sandra Abrano é um thriller político que tem como cenário a cidade de São Paulo no período de 1976 aos primeiros anos de 2000, utilizando na ficção alguns fatos marcantes da história recente brasileira, notadamente o submundo do serviço secreto durante os governos militares. Mário Aleixo de Alencar Teles é um protagonista nada confiável que participou como agente do Sistema de Informações e retorna depois de duas décadas ao bairro de Vila Maria onde estabelece uma empresa de segurança. Neste contexto, vários personagens irão se reencontrar para um acerto de contas dos excessos ocorridos durante a ditadura, tais como o desaparecimento de militantes políticos e o assassinato de agentes da repressão.

O ponto de partida da trama é um fato real ocorrido em 1976, a queda da Casa da Lapa ou Chacina da Lapa em São Paulo, como ficou conhecida a operação do exército brasileiro que surpreendeu uma reunião do Comitê Central do PCdoB, clandestino na época, resultando na morte de dois dirigentes do partido durante a incursão e na prisão de outros cinco. Mário participou como um dos agentes infiltrados no movimento estudantil da época, apoio que possibilitou o sucesso da ação. Nesta época tem início também um movimento lento e gradual de abertura política no país, contestado por alguns grupos de extrema direita que lançam mão de bombas plantadas e outros atos terroristas, culminando com o atentado no Riocentro.

"Agentes da ditadura, como agora são classificados os ligados à área de informações durante o governo militar. Um agente da ditadura, Mário ainda se admirava do sentido da expressão. Coisas da democracia, pensava. Na época em que estava no Centro de Informações do Exército, o CIE, os discursos diziam que eles eram os baluartes que impediam o avanço do comunismo, homens treinados e necessários para garantir a ordem. Estavam ali para a abnegação, para o heroísmo. Agentes disfarçados, agentes infiltrados, agentes de inteligência e de contrainteligência, lidando com informações classificadas como secretas, confidenciais, restritas. Uma época que durou mais do que devia, isso ele achava hoje. Passou do tempo, como um bolo esquecido no forno. Ninguém quer deixar  o poder. O poder dá asas. Quem quer parar de voar?" (p. 65)

Um dos elementos básicos do enredo desenvolvido no romance é que os grupos de extrema direita operavam com base em financiadores que apoiavam a "missão de limpar o país dos comunistas". O agente Mário, juntamente com o sargento Amaral, codinome Ivan, resolve tirar proveito da situação em uma arriscada tentativa de subtrair grandes quantidades de dinheiro "não oficial" de políticos corruptos, assim como obter valiosos documentos confidenciais, tudo isso em proveito próprio da dupla de vilões que não são os únicos, diga-se de passagem. Muito suspense e enigmas envolvem a narrativa veloz que surpreende o leitor todo o tempo com reviravoltas na trama.

Alternando a narrativa em terceira pessoa com trechos em primeira pessoa extraídos dos cadernos do protagonista-narrador Mário, a autora soube muito bem como costurar ficção e realidade, principalmente ao desenvolver o lado humano de outros personagens que enriquecem o livro; pessoas comuns, moradores do bairro de VIla Maria, afetados por uma época de insegurança e violência política. Um livro que agradará a todos os leitores e particularmente recomendado para os amantes da literatura policial que saberão apreciar o clima de suspense e enigmas que surpreendem todo o tempo, sendo difícil interromper a leitura.

"Mesmo em períodos de calmaria ou fora do trabalho, não nos chamávamos pelo nome de batismo. Sempre pelo nome de guerra ou algo como nego, branco, ligão, amigão e, quando queríamos brincar, dizíamos 'meu camarada'. Em alguns locais que já tínhamos atuado, escolhíamos um único nome para todos: Carlão, Heitor, Perseu, o que tívessemos combinado. [...] Lá fora, o couro comia. A comunidade de informações estava dividida. Uns apoiavam o presidente em sua lenta e gradual abertura política. Outros barbarizavam para impedir qualquer abertura. O resultado era serviço secreto contra serviço secreto, todo mundo de olho em todo mundo, um tentando anular a estratégia do outro. A situação não era brincadeira. Homens armados, com capacidade de fogo, incluindo habilidade em montar bombas e, o pior, explodi-las." - Registros do Agente Mário - Caderno de 1977 a 1981 (pp. 121 e126)

Sobre a autora: Sandra Abrano é editora, escritora e livreira, nascida na Vila Maria e estabelecida no Butantã, bairros da cidade de São Paulo. Cursou Ciências Sociais na Universidade de São Paulo. Trabalhou em grandes e pequenas editoras, exercendo diversas funções. Desse período, tem publicado em coautoria livros de apoio didático e HQs. Em 2015 teve A morte de cada um distinguido no Concurso de Contos Paulo Leminski (PR) e publicado na coletânea do prêmio. Também é autora de Fui para o Piauí (2016, relato de viagem). Em 2017, Vestígios foi um dos pré-selecionados do prêmio Sesc de Literatura - romance.

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