Anita Deak - No fundo do oceano, os animais invisíveis

Literatura brasileira contemporânea

Anita Deak - No fundo do oceano, os animais invisíveis - Editora Reformatório - 192 Páginas - Imagem da capa: óleo sobre tela de Alex Carrari, 2019 - 
Foto de Nino Andrés - Projeto gráfico de Thiago Lacaz - Lançamento: 2020.

O mais recente lançamento de Anita Deak é um  romance de formação no qual acompanhamos a trajetória do narrador-personagem Pedro Justiniano Coriolano Naves desde a infância, cercado pela natureza na fazenda da família, localizada na fictícia cidade de Ordem e Progreso, até a sua atuação na Guerrilha do Araguaia, entre abril de 1972 e o início de 1975, um movimento armado de resistência à ditadura militar na região amazônica até hoje envolto em silêncio. Contudo, este resumo é insuficiente para entender a aventura literária proposta pela autora que, em um exercício de lapidação da linguagem até o essencial e uma narrativa não linear, muito além dos saltos temporais entre passado e presente, surpreende o leitor com um estilo forte e original.

Para Anita Deak a forma de contar a sua história é tão ou mais importante do que o enredo e ela demonstra ser uma leitora voraz pela influência que percebemos dos grandes autores na construção do seu texto, seja na prosa poética e atemporal de Raduan Nassar, na busca incessante da palavra perfeita como faz Guimarães Rosa em busca da sonoridade, e um realismo fantástico que lembra o engajamento político de Mia Couto ao escrever sobre a brutalidade do mundo com tanto lirismo. Na verdade, a autora utiliza cada um desses estilos e, sem sem se fixar em nenhum deles, recria uma voz própria para este livro e seus personagens.

"Para meu pai, se eu entendesse a engorda dos bichos e imprimisse em meus passos a dureza de seu pai, do pai de seu pai, se impostasse minha voz, se pisasse na terra como se meus pés a precedessem, então eu seria um Naves. Se cimentasse em cada vértebra da coluna o que nos era de direito e andasse ereto, pois assim deve andar um homem, estaria cumprindo o que deve um filho: a sina da continuidade; meu pai poderia morrer e eu respiraria de onde havia parado, faria das minhas mãos as dele, é para isso que se faz um filho – para continuar-se obliquamente, para permanecer, depois de morto, disfarçado no mundo." (p. 20)

Apesar de não ser utilizada uma divisão formal em capítulos, percebe-se claramente três partes distintas ao longo da narrativa (infância na natureza, anos de formação e atuação política e guerrilha na floresta amazônica), cada uma delas com uma técnica e desenvolvimento próprios, incluindo um curioso tratamento do tempo que vai subvertendo aos poucos os conceitos de passado, presente e futuro. No epitáfio do avô do protagonista, a primeira citação: "O tempo é um susto, quando você viu já foi", ou ainda em outra passagem: "O tempo não é pra medida do homem, mas da natureza", até chegar à parte final em plena mata: "Essa narrativa cronológica que planta os costumes nas estações certas, os encantados desfazem quando querem, assim que se é para contar de novo, a semente brotou antes de ser plantada [...]".

"O tempo é uma criação humana, as palavras de meu avô ecoaram no pau a pique e voltaram ao barro. O homem criou o tempo para tentar se libertar do sol, pois antes os dias eram cortados somente pelo céu, em duas fatias, a do dia e a da noite, então o homem resolveu que precisava de outro jeito que parecesse mais, é sempre por mais que se apela, daí vieram os anos, os meses, os dias, as horas de cada dia, os minutos e os segundos das horas, artifício pra deixar a gente mais longe da morte ao menos na contagem. [...]" (p. 41)

Não se trata de um romance histórico, mas percebemos o trabalho de pesquisa da autora na parte intermediária e final do romance, quando Pedro Naves tem o seu aprendizado político e se transforma em Lucas, terrorista e guerrliheiro. Apesar da estrutura narrativa estar focada na primeira pessoa, existem transições de muita sutileza para um narrador onisciente que costura as intenções dos personagens, alternando realidade e imaginação. Anita Deak escreveu um romance complexo e desafiador ao utilizar como verdadeiros protagonistas a natureza e a passagem do tempo. Vale a pena conhecer essa experiência literária.

"A verdade é que não adianta, a beleza não permanece. De longe não é possível enxergá-la, de perto perde-se os detalhes. A distância perfeita é a imaginação, ou o amor, não, o amor não. Quem se acha capaz de amar alguma coisa está enganado, o amor não pertence aos homens, somos uma doença enraizada, procuramos aqui, ali, em qualquer lugar, sorrimos no caminho para uma ou outra pessoa, para qualquer um, sorrimos para o que há de nós dentro delas, ou para o que achamos que há de nós ali, mas para elas, ah, para elas é muito raro. Quem sempre sorriu para a própria sombra sabe do que estou falando." (p. 50)

Sobre a autora: Anita Deak é escritora, editora de livros e professora de escrita (ministrou aulas no Curso Livre de Preparação do Escritor, da Casa das Rosas, Casa Mário de Andrade, Sesc e tem curso online próprio). Nasceu em Belo Horizonte em 1983. Seu romance de estreia, Mate-me quando quiser, foi finalista do Prêmio Sesc de Literatura em 2014. É apresentadora do podcast Litterae, sobre Literatura, e colunista na revista literária Vício Velho.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar No fundo do oceano, os animais invisíveis de Anita Deak

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