Wilson Gorj - A inevitável fraqueza da carne

Literatura brasileira contemporânea
Wilson Gorj - A inevitável fraqueza da carne - Editora Penalux - 162 Páginas - Concepção de capa e preparação: Dáblio Jotta - Lançamento: 2023.

Winson Gorj faz a sua estreia no gênero romance após três livros dedicados à microficção ou minicontos e à poesia minimalista. O título é uma referência proposital à obra de Milan Kundera, A insustentável leveza do ser, contudo não há outras similaridades com a narrativa filosófica kunderiana, trata-se mais de uma referência bem-humorada à trama do próprio romance, escrito em um estilo despretensioso, caracterizado por diálogos breves e reviravoltas na trama. Logo, apesar de lidar com temas complexos como amadurecimento e infidelidade, A inevitável fraqueza da carne é um romance leve que prende a atenção do leitor do início ao final.

Carlos leva uma vida estabilizada como sócio de um escritório de contabilidade e mantém um casamento de quatro anos com Luísa, incluindo planos para filhos em breve. Porém, ele não sabe que tudo está para mudar radicalmente quando recebe uma inesperada herança do pai, com quem não se relacionava desde a infância. A chácara herdada é a primeira das mudanças na vida de Carlos que logo irá conhecer os motivos da separação litigiosa dos pais no passado e as consequências na sua personalidade atual, assim como as fragilidades da sua própria relação com Luísa, ameaçada quando ele se interessa por Maya, a filha do caseiro.

"Os cães do caseiro, na casa ao lado, latiam sem parar. No galinheiro, as aves também pareciam alvoroçadas. Ele apontou a lanterna naquela direção e teve um sobressalto: a luz devolveu dois olhos vermelhos olhando fixos para ele. O animal estava imóvel, como que suspenso no gesto de fuga. Os dois, homem e felino, ficaram se mirando por um tempo, até que o bicho saltou sobre um monte de telhas acumuladas ali perto, depois galgou o muro e dali ganhou a árvore robusta cujo galho invadia um pouco a propriedade. / Muito pequena para ser uma onça, ele pensou, embora o pelo amarelo salpicado de manchas negras reforçasse essa impressão. Se não fosse um filhote, provavelmente tratava-se de algum gato selvagem." (p. 29)

Sozinho na chácara, enquanto tenta vender a propriedade, Carlos se surpreende durante a noite com a inesperada visita de uma jaguatirica rondando o galinheiro e estabelece uma ligação com base na sua admiração pela força e liberdade do animal em oposição às limitações de sua rotina. Talvez o chamado selvagem das paixões não seja um sinal da fraqueza da carne como alertava a sua mãe religiosa, mas justamente o contrário.

"Desculpas, promessas e uma chácara. Eis tudo o que o doutor Pedro Hamilton havia legado ao filho. / O pai estava morto, mas o ressentimento por ter sido abandonado ainda permanecia bem vivo. Até desconfiava que a mãe tivesse alguma parcela de culpa nesse distanciamento paterno. Era bem provável. Mas, mesmo se fosse verdade, de nada valeria para atenuar a dívida de afeto que o pai tinha deixado para trás. Afinal, por que desistira tão rápido do próprio filho? Por que nunca o procurou, como prometia na carta? Simplesmente havia virado a página em que ele e a mãe estavam e decidiu começar vida nova, outra história, mas longe dele. / Fosse o que fosse, era tarde demais para cobrar do pai alguma explicação. Tarde demais também para dar o perdão que ele tanto pedira. / Duvidava mesmo se um dia seria capaz de perdoá-lo. A vida não é um final de novela, embora comporte outros clichês." (p. 42)

O autor inseriu uma mudança no foco da estrutura narrativa entre as duas partes do romance. Na parte inicial, toda a condução da trama é feita em terceira pessoa, enquanto na parte final ocorre a alteração para primeira pessoa, assumindo o ponto de vista confessional do protagonista, porém nem sempre confiável. Essa sutileza na mudança das vozes narrativas provoca um dinamismo que renova o interesse na leitura e possibilita explorar melhor os efeitos das inusitadas, ou até mesmo rocambolescas, revelações na vida dos personagens.

"Romildo me deixou a sós com aquela mulher desconhecida. Doutora Miriam, um mistério para mim. A última companheira do meu falecido pai. (Por que friso tanto ser ela a última companheira? Teria sido mesmo um grande mulherengo, o meu pai? Fosse isso verdade, não dava para negar que, com essa parceira, ele tinha encontrado alguma estabilidade, pois com ela convivera por duas décadas, a julgar pelo relato do próprio caseiro. Bem sei que uma relação duradoura não anula a possibilidade de ele também lhe ter sido um parceiro infiel. O fato é que não há como saber. E, falando francamente, isso não me interessa nem um pouco. O que importava é que ela estava ali, à minha frente, a tal doutora Miriam, viúva do meu pai, por certo com algum outro propósito que não fosse o de simplesmente me ver.)" (p. 117)


Sobre o autor: Wilson Gorj é natural de Aparecida, São Paulo. É escritor e fundador, ao lado do poeta Tonho França, da Penalux, casa editorial que já conta com aproximadamente 1.500 títulos publicados. Possui participações literárias em antologias, jornais, revistas e sites. Este romance de estreia é o seu quarto livro publicado, depois de Sem contos longos (2007), Prometo ser breve (2010) e Histórias para ninar dragões (2012).

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