Han Kang - A vegetariana

Literatura contemporânea sul-coreana
Han Kang - A vegetariana - Editora Todavia - 176 Páginas - Tradução de Jae Hyung Woo - Capa de Pedro Inoue - Lançamento no Brasil: 2018.

Narrado a partir de três vozes com perspectivas totalmente diferentes, o poderoso romance da sul-coreana Han Kang, vencedor do Man Booker International Prize de 2016, que chegou a ter o seu estilo definido como kafkiano por boa parte da crítica mundial, descreve a perturbadora transformação de uma mulher comum não apenas devido à sua rejeição ao consumo de carne, mas também a todos os padrões esperados de comportamento social e familiar. Os efeitos desta lenta inadaptação e consequente desumanização, afetam não somente a protagonista, mas também os integrantes da sua família, particularmente o marido, o cunhado e a irmã mais velha, desencadeando assim uma série de eventos que irão destruir as relações familiares.

Para reforçar o efeito de distanciamento e inadaptação, não é concedida pela autora uma voz narrativa para a própria protagonista, tudo o que sabemos dela, além do nome, Yeonghye,  tem como base o ponto de vista dos outros personagens nos três longos capítulos que compõem o livro: A vegetariana, A mancha mongólica e Árvores em chamasPor exemplo, a primeira parte é inteiramente narrado pelo marido – com exceção de trechos de sonhos de Yeonghye que originaram a sua decisão de não comer mais carne –, contando com naturalidade os detalhes de uma relação doentia e sem autoestima de ambas as partes: "Acabei me casando porque ela não tinha nenhum charme especial, e também por não ter notado defeitos muito gritantes."

"Nunca tinha me ocorrido que minha esposa era uma pessoa especial até ela adotar o estilo de vida vegetariano. Para ser bem franco, não me senti atraído por ela na primeira vez em que a vi. Estatura mediana. O cabelo não era nem comprido nem curto. Tinha a pele levemente amarelada, as maçãs do rosto um pouco pronunciadas. Vestia-se de forma neutra, como se tivesse algum tipo de receio de se destacar. Calçando um par de sapatos pretos bastante sem graça, ela se aproximou da mesa em que eu a esperava. Não andava nem rápido nem devagar, sem firmeza, mas também sem muita fragilidade. / Acabei me casando porque ela não tinha nenhum charme especial, e também por não ter notado defeitos muito gritantes. Uma personalidade dessas, sem frescor brilhantismo ou refinamento, me deixava confortável. Não sentia necessidade de bancar o inteligente para conquistá-la e não precisava correr tentando não chegar atrasado aos nossos encontros. Tampouco sentia complexo de inferioridade ao me comparar com os típicos galãs dos catálogos de moda. Ganhei uma barriguinha já na segunda metade dos meus vinte anos. Meu corpo não desenvolvia massa magra nem mesmo com meus repetidos esforços de me exercitar. Até mesmo meu pênis pequeno, que costumava me deixar um tanto apreensivo, parou de me incomodar quando estava com ela." (p. 9) - Trecho da primeira parte - A vegetariana

Na segunda parte, a condução da narrativa é feita em terceira pessoa, mas sob o ponto de vista do cunhado de Yeonghye, um artista plástico dedicado à videoarte que se torna obcecado sexualmente pela cunhada depois de saber que ela ainda mantém uma marca de nascença típica de bebês, normalmente chamada de mancha mongólica e, aproveitando-se da sua condição fragilizada após isolar-se da família, a convence a participar de uma performance totalmente nua e com o corpo pintado por ele com motivos florais; a conclusão da primeira parte da filmagem o motiva a avançar para a conclusão do trabalho com um homem e uma mulher copulando com os corpos pintados de flores. A situação obviamente acaba fugindo de controle. 

"Passaram-se dois verões desde que a cunhada cortara os pulsos na casa deles. Foi no almoço de aniversário da sogra, estavam todos reunidos, pouco depois de terem se mudado para um apartamento maior. A família de sua esposa sempre gostou muito de carne, mas a irmã mais nova tinha virado vegetariana de uma hora para outra e isso deixou todos desconfortáveis, a começar por seu sogro. Sua cunhada estava tão fraca que dava pena, por isso era compreensível que a família a criticasse. Mas o sogro, um ex-combatente na Guerra do Vietnã, esbofeteou a filha e ainda a fez comer carne à força. Foi uma cena tão absurda que era difícil acreditar que tinha mesmo acontecido. / O mais nítido e espantoso em sua memória, no entanto, era o grito que a cunhada soltou na ocasião. Depois de cuspir a carne, ela empunhou a faca de cortar frutas e lançou um olhar feroz a todos os membros da família. Seus olhos estavam esbugalhados e pareciam os de um animal encurralado." (pp. 66-7) - Trecho da segunda parte - A mancha mongólica

Na terceira e última parte, internada em uma clínica psiquiátrica sob os cuidados da irmã mais velha, apesar do escândalo devido aos vídeos gravados pelo seu marido, praticamente se completa a transformação de Yeonghye – e, talvez venha daí, a comparação dos críticos com Kafka –, de animal para um ser vegetal que não se alimenta nem se comunica com as outras pessoas. De fato, o vegetarianismo nesta obra vai muito além da conhecida prática de alimentação saudável, muito pelo contrário. Com a evolução do isolamento de Yeonghye e o gradativo abandono de qualquer alimento, ela persiste em um caminho sem volta de libertação.

"Agora ela visita a irmã todas as quartas-feiras para ver como ela evolui. Antes do desaparecimento de Yeonghye naquele dia chuvoso, ela fazia o trajeto uma vez por mês . Por aquele caminho , que ela percorria levando frutas, bolinhos de arroz, tofu recheado e coisas assim, raramente passavam pessoas ou carros, de modo que era muito silencioso. Quando enchia com comidas a mesa da sala de visitas, que ficava ao lado da seção administrativa, Yeonghye devorava tudo sem dizer nada, como se fosse uma criança fazendo a lição de casa. Passava a mão pelos cabelos da irmã pelos cabelos da irmã mais nova, colocando-os atrás da orelha, e Yeonghye levantava os olhos e chegava a esboçar um sorriso. Nesses momentos, até parecia estar curada. Será que não bastaria viver assim? Não seria possível que Yeonghye permanecesse ali, que falasse quando quisesse e não comesse carne , se não quisesse? Não seria suficiente que ela visitasse a irmã de vez em quando?" (p. 122) - Trecho da terceira parte - Árvores em chamas

Literatura contemporânea sul-coreana
Sobre a autora: Nascida na Coreia do Sul em 1970, Han Kang estudou literatura coreana na Universidade Yonsei. Tornou-se mundialmente conhecida após a publicação do seu romance "A vegetariana" em 2007, pelo qual, após sua tradução ao inglês, conquistou o Man Booker International Prize em 2016. Atualmente, Han Kang ensina escrita criativa no Universidade de Seul e escreve contos e novelas, além de realizar trabalhos de artes visuais.

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