Jacques Prévert - Retrato de Um Pássaro

PoesiaUm expoente do movimento surrealista parisiense, Jacques Prévert (1900-1977) talvez seja o poeta mais popular da França. Como destaca Silviano Santiago, Prévert é o autor de "poemas de execução simples e calculada, onde ressaltam as cores cinza do cotidiano, os meios-tons do humor e o colorido berrante do sarcasmo e até mesmo da piada". Ele ficou conhecido também como letrista de canções, sendo Yves Montand e Juliette Gréco alguns dos seus intérpretes mais famosos. Adicionalmente escreveu roteiros para o cinema francês dos anos 40 e 50.

Ainda segundo Silviano Santiago, "O lirismo para Prévert, como para alguns dos nossos poetas de 22, se escreve com a combinação certa de cotidiano e humor, fazendo ressaltar no poema uma visão em pequena escala do homem. Ressalta do poema o pequeno, mas não o comum do homem. Essa visão miniaturizada do homem, em oposição aos grandes painéis sociais e históricos pintados por Eliot em The Waste Land, ou Pound nos Cantos, condiz com a pequenez do ser humano diante de um século que o pulveriza com máquinas, motores, rotativas, engrenagens, guerras, violência e morte".

O poema abaixo (versão original e traduzida) é uma síntese perfeita do lirismo de Prévert, surrealista sim, mas ao mesmo tempo profundamente humano em sua busca por esperança.

Pour faire le portrait d'un oiseau
(Jacques Prévert)

Peindre d'abord une cage
avec une porte ouverte
peindre ensuite
quelque chose de joli
quelque chose de simple
quelque chose de beau
quelque chose d'utile
pour l'oiseau
placer ensuite la toile contre un arbre
dans un jardin
dans un bois
ou dans une forêt
se cacher derrière l'arbre
sans rien dire
sans bouger ...
Parfois l'oiseau arrive vite
mais il peut aussi bien mettre de longues années
avant de se décider
Ne pas se décourager
attendre
attendre s'il le faut pendant des années
la vitesse ou la lenteur de l'arrivée de l'oiseau
n'ayant aucun rapport
avec la réussite du tableau
Quand l'oiseau arrive
s'il arrive
observer le plus profond silence
attendre que l'oiseau entre dans la cage
et quand il est entré
fermer doucement la porte avec le pinceau
puis
effacer un à un tous les barreaux
en ayant soin de ne toucher aucune des plumes de l'oiseau
Faire ensuite le portrait de l'arbre
en choisissant la plus belle de ses branches
pour l'oiseau
peindre aussi le vert feuillage et la fraîcheur du vent
la poussière du soleil
et le bruit des bêtes de l'herbe dans la chaleur de l'été
et puis attendre que l'oiseau se décide à chanter
Si l'oiseau ne chante pas
c'est mauvais signe
signe que le tableau est mauvais
mais s'il chante c'est bon signe
signe que vous pouvez signer
Alors vous arrachez tout doucement
une des plumes de l'oiseau
et vous écrivez votre nom dans un coin du tableau.


Para pintar o retrato de um pássaro
(tradução de Silviano Santiago)

Primeiro pintar uma gaiola
com a porta aberta
pintar depois
algo de lindo
algo de simples
algo de belo
algo de útil
para o pássaro
depois dependurar a tela numa árvore
num jardim
num bosque
ou numa floresta
esconder-se atrás da árvore
sem nada dizer
sem se mexer...
Às vezes o pássaro chega logo
mas pode ser também que leve muitos anos
para se decidir
Não perder a esperança
esperar
esperar se preciso durante anos
a pressa ou a lentidão da chegada do pássaro
nada tendo a ver
com o sucesso do quadro
Quando o pássaro chegar
se chegar
guardar o mais profundo silêncio
esperar que o pássaro entre na gaiola
e quando já estiver lá dentro
fechar lentamente a porta com o pincel
depois
apagar uma a uma todas as grades
tendo o cuidado de não tocar numa única pena do pássaro
Fazer depois o desenho da árvore
escolhendo o mais belo galho
para o pássaro
pintar também a folhagem verde e a frescura do vento
a poeira do sol
e o barulho dos insetos pelo capim no calor do verão
e depois esperar que o pássaro queira cantar
Se o pássaro não cantar
mau sinal
sinal de que o quadro é ruim
mas se cantar bom sinal
sinal de que pode assiná-lo
Então você arranca delicadamente
uma das penas do pássaro
e escreve seu nome num canto do quadro.

O vídeo abaixo, gravado em 2007 por ocasião das homenagens de 30 anos da morte do poeta, é um bom exercício para sentirmos a sonoridade e ritmo do poema em sua versão original.



Comentários

Maria Augusta disse…
Adoro este poema de Prévert, eu o considero um dos melhores poetas da língua francesa. Gostei de revê-lo aqui.
Um grande abraço.
nostodoslemos disse…
Kovacs,

Quando o pintor é bom, não há quem resista a uma gaiola. Lindo poema, parece pescaria.
Feliz páscoa!
Barros (RBA) disse…
Ao trazer este artigo sobre Jacques Prévert, fez evocar minhas memórias de quando ainda bem mais jovem, me embevecia com a cultura francesa. Embora tenha sido como você destacou um expoente do movimento surrealista, não tenho na minha frágil memória, a impressão do surreal em sua obra.
Muito bom que você tenha trazido isso tudo a tona!
Oh, mon Dieu! Ça c'est une grande âme, la votre.
Je vous te dire que je parle vraiment, bien sûr.

Gostei demais do teu espaço. É como se o mundo -ou melhor, uma parte dele - estivesse ficando cinza. Tu, tu vês um puco de cor onde antes não havia.

Prometo voltar mais vezes...

Et, se je oublier, je te demande que vous me souvenez.Je te lis avec beaucoup de plaisir.
Au revoir.
La Fleur du Sud.

Au revoir
Letícia Alves disse…
Gosto muito do Jacques Prévert, e o conheci através de um professor de francês que tive, que sabia muito bem passar por todas as fases da literatura francesa. Tenhoh pesar que os meus últimos professores só se "apegaram" à literatura contemporanêa francesa.
Se perde uma riqueza inestimável.
Bom ler mais um poema dele por aqui, esse não conhecia.
Conheces Cristian Bobin, escritor e poeta que também vale a pena conhecer!Dele eu li "Le Très-Bas", muito bom.
Beijos Tempestuosos!
Leila Silva disse…
Muito bom, Vou colocar um link lá no poema (o do meu blog).

Uma graça mesmo!

Abraço.
Merci!
Uma bela lembrança, que vale como um belo presente de Páscoa...
BJS!
Alexandre Kovacs disse…
Maria Augusta, a sua opinião é duplamente importante, por ser conhecedora da cultura francesa e também residente na França. Obrigado pela participação.
Alexandre Kovacs disse…
Lígia, Prévert sem dúvida pintou uma linda gaiola em nossa imaginação e depois apagou as grades! Obrigado pela visita.
Alexandre Kovacs disse…
Barros, fico feliz que tenha gostado e também acho que Prévert extrapola a simples classificação de poeta surrealista.
Alexandre Kovacs disse…
Flor do Sul, muito obrigado pelo comentário gentil e seja bem-vindo. Lembro que os comentários por aqui são por muitas vezes melhores que as postagens.
Alexandre Kovacs disse…
Tempestade, concordo que não devemos ignorar nenhuma fase da poesia francesa; de Baudelaire a Bobin são todos muito importantes, mas tenho que confessar que preciso conhecer melhor este último. Obrigado pela dica.
Alexandre Kovacs disse…
Leila Silva, um link no seu blog é uma honra para mim, muito obrigado mesmo.
Alexandre Kovacs disse…
Christina, fico contente que tenha gostado. Feliz final de Páscoa!
Unknown disse…
Meu caro amigo, como sempre, impecável sua narrativa, misto de crônica, resenha e biografia. Divulgar as letras, e principalmente as de qualidade como essas, é indispensável. Torna o mundo mais habitável, menos hostil. Tudo se reveste da leveza que a imagem do pássaro transmite.
Dou uma sugestão: Francis Ponge também é um grande poeta, com uma visão extraordinariamente diferente das coisas. Também simples e de uma beleza magnífica. Espero que não se aborreça com palpites. Um grande abraço e meus parabéns, uma vez mais.
Kovacs, confesso que conheco pouco dos franceses, mas meu amigo, essa eh uma das tuas postagens mais belas, pelas tuas palavras, pela citacao precisa do Santiago, pela foto do homem solitario com seu cao frente ao copo de vermout, e obviamente pelo poema que realmente nos faz viajar pelo quadro e pela ideia de liberdade. Posso ateh estar enganado, como sempre, ainda bem, mas o Prevert e o Quintana, tinham algo dessa simplicidade lirica em comum, nao?

Grande abraco, Chico
Kovacs, fui procurar algo do Prevert e... rapaz... alem de poeta, foi o roteirista do filme do Marcel Carne 'Les Enfants du Paradis,' sem duvida alguma, um dos meus 50 filmes preferidos na vida! Eh um filme muito dificil de encontrar. Somente consegui assisti-lo ha dois anos atras numa sala lotada com uma copia original e cheia de falhas. Enfim, fica o registro. Abraco, Chico.
Francisco disse…
Seus textos despertam uma curiosidade incrível.
O poema de Jacques Prévert, faz aflorar a sensibilidade e a paz interior em cada um de nós.
Obrigado!
Abraços.
Alexandre Kovacs disse…
Caro Djabal, grande lembrança de Francis Ponge, segue uma citação dele: "Às vezes, é pela forma como morre que um homem mostra que era digno de viver". Obrigado amigo, a sua visita sempre ilumina este espaço.
Alexandre Kovacs disse…
Caro Chico, a foto é do próprio Jacques Prévert, Paris 1955 de Robert Doisneu e realmente tem tudo a ver com o lirismo do poema. A sua comparação é precisa, Prévert tem TUDO a ver com Mario Quntana que é o poeta que mais adoro citar:

"Os verdadeiros poetas não lêem os outros poetas. Os verdadeiros poetas lêem os pequenos anúncios dos jornais" - Mario Quintana Sapato Florido (1948)

Com relação a cinema não me atrevo a comentar com um cinéfilo da sua categoria, obrigado pela informação. Obrigado pelo comentário!
Alexandre Kovacs disse…
Francisco, obrigado pelo comentário gentil e generoso, fico contente que tenha gostado do poema.
jugioli disse…
Um genial surrealista, gosto de Prévert.
Parabéns belo belíssimo post.
@dis-cursos
Alexandre Kovacs disse…
JUgioli, obrigado pelo comentário, fico feliz que tenha gostado.
Ricardo Duarte disse…
Kovacs,
Confesso que só conhecia Prévert de nome. Que beleza esse poema, hein!? Achei muito lúdica a maneira como as imagens vão se sucedendo.
yehuda disse…
Prévert, bien français,je l´aime et je le relis souvent

Sans me parler
Il a allumé
Une cigarette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis les cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s'est levé
Il a mis
Son chapeau sur sa tête

a bientôt mon ami
Alexandre Kovacs disse…
Ricardo, fico contente que tenha gostado, muito ao estilo de Mario Quintana conforme o Chico comentou acima.
Alexandre Kovacs disse…
Yehuda, muito ao estilo de um filme noir este poema, agradeço muito a participação.
Lady Cronopio disse…
Dizer mais o que, depois de tudo que está aí?
Sempre um prazer estar aqui, sempre um aprendizado, sempre um estímulo a mais buscas.
Amei este poema, a foto do Prévert, o video, o seu texto... enfim, tudo neste post.
Este Mundo cada dia mais bacana!
E muito grata estou por você seguir meu blog. Grata e honrada.
Beijos
Alexandre Kovacs disse…
Lady Cronópio, muito obrigado pelo comentário generoso. Já sigo seu blog há muito tempo!
K.,

Adorei o vídeo e o post. Fugindo um pouco do tema, mas ainda dentro do surrealismo, você conhece o escritor brasileiro chamado Campos de Carvalho? Se sim, já leu algo dele?

Fica o convite do lado de cá pra você conhecer também outro blog que escrevo, o www.cromossomop.blogspot.com que trata um pouco de Audiovisual em geral.

Adorei o post e adoro cada vez mais seu mundo! É sempre um prazer passar aqui.

Abraço!
Fer.
Alexandre Kovacs disse…
Fernando, obrigado pela visita e comentário. Sobre Campos de Carvalho, autor do "O púcaro búlgaro" acho que li alguma coisa na minha juventude, mas preciso reler.

O www.cromossomop.blogspot.com é um blog bem profissional mesmo, parabéns.
vera maria disse…
Essa foto é do meu queridíssimo Robert Doisneau, é uma das quase ícones desse mestre do retrato (belíssimos todos). Me lembro de Prévert da faculdade, quando era menina tinha guardado em meus cadernos um poema dele que falava em Liberté, muito longo e muito tocante, e esse tb eu lia com fervor:

DÉJEUNER DU MATIN

Il a mis le café
Dans la tasse
Il a mis le lait
Dans la tasse de café
Il a mis le sucre
Dans le café au lait
Avec le petit cuiller
Il a tourné
Il a bu le café au lait
Et il a resposé la tasse
Sans me parler
Il a alumé
Une cigarrette
Il a fait des ronds
Avec la fumée
Il a mis des cendres
Dans le cendrier
Sans me parler
Sans me regarder
Il s'est levé
Il a mis
Son chapeau sur la tête
Il a mis
Son manteau de pluie
Parce qu'il pleuvait
Il est parti
Sous la pluie
Sans une parole
Sans me regarder
E moi j'ai pris
Ma tête dans ma main
E j'ai pleuré

um abraço,
clara lopez
Alexandre Kovacs disse…
Cara Clara Lopez, muito obrigado pela participação. Tomo a liberdade de acrescentar a tradução de "DÉJEUNER DU MATIN" que já havia sido citado também parcialmente mais acima pelo Yehuda:

Café da manhã

Pôs café
na xícara
Pôs leite
na xícara com cáfé
Pôs açucar
no café com leite
Com a colherzinha
mexeu
Bebeu o café com leite
E pôs a xícara no pires
Sem me falar
acendeu
um cigarro
Fez círculos
com a fumaça
Pôs as cinzas
no cinzeiro
Sem me falar
Sem me olhar
Levantou-se
Pôs
o chapéu na cabeça
Vestiu
a capa de chuva
porque chovia
E saiu
debaixo de chuva
Sem uma palavra
Sem me olhar
Quanto a mim pus
a cabeça entre as mãos
E chorei
Ana R. disse…
Que lindo poema! E reforça meu desejo de abrir todas as gaiolas...Me identifico muito com a doçura de Prévert e cito aqui um dos meus favoritos...
Abraços,

"Quel jour sommes-nous
Nous sommes tous les jours
Mon amie
Nous sommes toute la vie
Mon amour
Nous nous aimons et nous vivons
Nous vivons et nous nous aimons
Et nous ne savons pas ce que c'est que la vie
Et nous ne savons pas ce que c'est que le jour
Et nous ne savons pas ce que c'est que l'amour." - Jacques Prévert
Alexandre Kovacs disse…
Ana R., Prévert é mesmo um grande poeta e parece que cada pessoa guarda um poema favorito. Obrigado pela participação sempre importante.
sonia a. mascaro disse…
Lindo poema!

A foto que ilustra este seu post me chamou a atenção porque é a foto da capa de um delicioso livro de Roger Grenier, Da dificuldade de ser cão, Companhia das Letras.

Você tem um ótimo blog! Parabéns!
Um abraço.

PS: Meu blog Leaves of Grass está de férias. Mas estou recebendo as visitas no meu outro blog, Leituras e Imagens, caso você queira conhecê-lo.
Alexandre Kovacs disse…
Sonia, eu tenho este livro que é uma maravilha para aquelas pessoas, como eu, que adoram os cães. Na verdade acredito na seguinte máxima: "o cão é uma evolução do ser humano".
sonia a. mascaro disse…
Não conhecia essa frase sobre o cão, mas gostei!

Acho que você vai achar interessante o post que fiz com uma seleção de livros, especialmente sobre cães. Tendo tempo, dê uma olhada em Books about animals and natural world.

Obrigada pela visita, também virei aqui muitas vezes!
Um abraço.
Alexandre Kovacs disse…
Sonia, segui o link para a sua postagem e fiquei impressionado com a qualidade de sua seleção. Também postei por aqui alguma coisa semelhante em: http://mundodek.blogspot.com/2007/09/ces-e-literatura.html mas não está tão completa quanto a sua. Parabéns pelo texto e, principalmente, pelo seu amor pelos cães!

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