Boris Vian - A Espuma dos Dias

Literatura francesaBoris Vian - A Espuma dos Dias - Editora Nova Fronteira - 207 páginas - Publicação 1984 - Tradução de Elina Motta, pósfacio de Jacques Bens (fora de catálogo).

A vida é uma caixinha de surpresas, principalmente neste "A Espuma dos Dias" do existencialista francês Boris Vian (1920-1959). Radicalmente oposto ao cinematográfico e violento noir "Vou Cuspir no Seu Túmulo" (ler aqui resenha do Mundo de K), este romance publicado originalmente em 1947 envolve seis personagens jovens e ingênuos em uma história de amor trágica, utilizando recursos que extrapolam os limites comuns da linguagem em um universo surrealista. Como destaca Jacques Bens no pósfacio, Boris Vian utiliza três tipos de abordagem em sua narrativa. O primeiro considera a palavra em seu sentido literal, exato como em: "uma escada se esconde sob os passos de quem a sobe", no segundo as palavras são alteradas como em "antiquitário" ou "sacristoche" e, no último tipo, o autor inventa livremente palavras e objetos novos, como em "pianococktail", o engraçado instrumento que prepara coktails enquanto é tocado. Estes jogos de palavras são um desafio adicional ao tradutor.

A pureza dos protagonistas que são "adultos com alma de adolescentes" nos emociona, principalmente na história de amor de Colin e Chloé que inicia em um tom francamente alegre e otimista para se transformar aos poucos em uma tragédia determinada pelo mal incurável que destrói Chloé. A amizade dos personagens permeia toda a história que parece querer resumir, através de criativas metáforas, o absurdo da vida adulta. Ficamos mesmo com a bela frase de Colin: "Ocupo meu tempo escurecendo meus momentos mais iluminados, porque a claridade me incomoda".

Chick é amigo de Colin e um "viciado" no filósofo Jean-Sol Partre (Jean Paul Sartre), obcecado em adquirir todo e qualquer documento publicado pelo autor, o que o levará finalmente à destruição, mais uma metáfora que alerta para a valorização da cultura artificial. Boris Vian foi um artista múltiplo: poeta, músico de jazz, cantor, dramaturgo, ator e engenheiro (!), um verdadeiro símbolo da rebeldia juvenil. Ainda segundo o crítico Jacques Bens "O mundo de Vian está fundamentado na linguagem, quer dizer: nasce dela e nela se justifica".

Comentários

Marco Tulio disse…
Caramba eu fui o primeiro desta vez!!! Acho pq estou embarcado! Mas para seguir a minha linha de comentários...eu vi que é possível ser rebelde mesmo fazendo engenharia!!! E quanto ao tradutor do livro em questão teve que ser mais criativo do que tecnico para conseguir traduzir palavras inventadas!!! E conheço várias pessoas que vivem exatamente como a frase descrita no livro: "Ocupo meu tempo escurecendo meus momentos mais iluminados, porque a claridade me incomoda", é uma pena!!! Nunca seremos assim meu amigo!!! Pai do Gustavo!!!
Abs.
Maria Augusta disse…
Kovacs, li este livro há muitos anos atrás, quando fazia um curso de francês em São Paulo. Me lembro da dificuldade para traduzi-lo, devido às palavras inventadas. Mas não o esqueci devido ao modo surrealista como ele trata as situações e as palavras. Tua análise dele esta perfeita!
Aproveito a oportunidade para desejar uma Boa Páscoa a você e a toda sua família.
Ricardo Duarte disse…
Kovacs,
Talvez, Colin tente escurecer seus momentos iluminados, por serem parecidos aos do protagonista de um conto do Pirandello, que diz:

“No fundo, tem sido sempre assim a vida para mim: aos clarões e aos tropeções. Não consegui ver mais nada. Às vezes, um clarão, mas para ver o quê? Um tropeção.”
Notícias do Mundo
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Como sei que muitas pessoas visitam seu blog, vou deixar uma dica aqui: o canal português RTP está produzindo uma série chamada Grandes Livros. O site do programa:

http://gsm.rtp.pt/icmblogs/rtp/grandeslivros/?k=Programa-Grandes-Livros.rtp&post=8120

O primeiro episódio, sobre Os Maias, já está disponível no YouTube. É só procurar pelo nome da série.

Ótimo feriado!
yehuda disse…
confesso, não li o livro e também não sei se tenho vontade de o ler, palavras inventadas me assustam (vide lARANJA MECÂNICA) embora eu abrace a filosofia de vida de Sartre e por coinciência também fui engenheiro e rebelde, exímio engenheiro péssimo rebelde, deixei a rebeldia pro fim da vida, um gesto sem peso e seu blog é uma maravilha cultural
abraço
Lília Abreu disse…
Bem,
Não li o livro. Mas fiquei com vontade de, pelo menos, dar uma vista de olhos.
Complicado traduzir, rtealmente.
Inventar, por inventar, o Mia couto ganha a vida com isso, rs

Um abraço e BOA PÁSCOA!
Lília

PS: às 4ªs, no arco-íris, temos o "clube dos desabafos" - falar de gafffes, coisas que nos estão a incomodar, apimentar outros comentários, visitando o respectivo blog e tentar animar o dia! 4ªFª : DIA DE RECICLAGE EMOCIONAL no ARCO!
Eliana BR disse…
Veja você, so conhecia o Boris Vian poeta! Vou procurar o livro por aqui. Gostei muito de sua resenha. Leva o leitor direto ao livro. Merci.
Bises,
Eliana
Alexandre Kovacs disse…
Caro Marco Tulio, pelo visto nem todos os engenheiros precisam seguir a cartilha da normalidade, ver o comentário abaixo do Yehuda. Desejo um embarque seguro e bom trabalho para você e todos os colegas que deverão passar a Páscoa em uma Plataforma.
Alexandre Kovacs disse…
Maria Augusta, obrigado pelo comentário, realmente Boris Vian é um verdadeiro desafio para os tradutores. Esta edição da Nova Fronteira está fora de catálogo e não tenho conhecimento de outra versão em português.
Alexandre Kovacs disse…
Ricardo, muito obrigado pela dica literária, vou lá checar agora mesmo. Ah sim, Pirandello é mesmo um gênio!
Alexandre Kovacs disse…
Yehuda, não conhecia este fato comum em nossas vidas, ambos somos engenheiros e também me considero um "exímio engenheiro e péssimo rebelde"! Obrigado pelo comentário gentil.
Alexandre Kovacs disse…
Lília, traduzir muitas vezes significa também inventar, não é mesmo uma tarefa fácil. Feliz Páscoa!
Alexandre Kovacs disse…
Eliana, é uma leitura fundamental para você que domina o idioma e mora na França. Depois me conta o que achou!
Francisco disse…
Há pouco tempo atrás, um amigo comentou sobre este livro de Boris Vian.
Com o seu post, meu interêsse por ele aumentou.
Obrigado pela visita. Seu blog já está na minha relação de preferidos.
Um abraço.
Anônimo disse…
Kovacs:
Obrigada pela dica. Mais um na minha longa lista.
Uma boa Páscoa!

Beijos.
Anny.
Faz taaanto tempo que li, quando meu irmão me trouxe da França, de presente. Lembro pouca coisa (é uma pena, mas li tanto livro que tudo vai se embaralhando na memória desta velha senhora). Só lembro mesmo da minha surpresa diante de algo tão novo. E creio que meu francês enferrujado hoje não seria suficiente para ler no original.
Alexandre Kovacs disse…
Francisco, seja muito bem-vindo por aqui e eu é que agradeço a sua visita e comentário.
Alexandre Kovacs disse…
Anny, desejo uma feliz Páscoa para você e toda a sua família.
Alexandre Kovacs disse…
Sonia, desculpe discordar com relação ao "velha senhora", esta designação não parece combinar nada com a energia dos seus textos e comentários. Fico sempre muito feliz com a sua visita!
Anônimo disse…
Olá Kovaks, em meio a heterônimos, anagramas e templates, é um grande prazer retornar a estas páginas.

Abraços Literários
Marcos Miorinni

Entre o tempo ...
Marco Sistinne
Alexandre Kovacs disse…
Marco, obrigado pela visita e seja muito bem-vindo novamente por aqui. Templates são ferramentas maravilhosas, mas o que conta mesmo são os textos.

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