Virginia Woolf - A medida da vida - Herbert Marder

Biografia Virginia Woolf
Virginia Woolf - A medida da vida - Herbert Marder - Editora Cosac Naify - 584 páginas - Tradução de Leonardo Fróes - Projeto Gráfico de Gabriela Castro e Maria Carolina Sampaio - lançamento novembro de 2011.

Herbert Marder escreveu o melhor tipo de biografia possível, aquela na qual o pesquisador decide "não especular sobre fatos, mas confiar nas evidências das cartas, diários e outras fontes da época". Virginia Woolf (1882 - 1941), que se considerava "a mais verdadeira das pessoas", felizmente deixou inúmeras cartas e anotações que, juntamente com seus principais romances: "Mrs. Dalloway" (1925), "Passeio ao Farol" (1927), "Orlando" (1928), "As Ondas" (1931), "Os Anos" (1937) e "Entre os Atos" (1941),  ajudam a explicar, tanto a sua trajetória artística quanto os problemas pessoais e de saúde associados com a bipolaridade e os transtornos maníaco-depressivos que a levaram a afirmar, em uma de suas frases mais famosas, que "se não sofresse tanto, não poderia ser feliz". O sofrimento atingia os pontos mais altos sempre que terminava um livro e após a publicação, quando recebia as primeiras críticas, por meio das resenhas nos jornais, mas era justamente o trabalho que a mantinha a salvo, nas palavras proféticas de Virginia, de um "grande lago de melancolia (...) Meu Deus, como ele é fundo (...). Logo que eu paro de trabalhar sinto que começo a afundar."

O livro é focado na década de 1930 e destaca a participação de Virginia no conturbado contexto político da época, antes e durante a Segunda Guerra, seu apoio à emancipação feminina, o trabalho na editora Hogarth Press, fundada com o marido Leonard Woolf e o convívio com amigos e artistas do grupo de Bloomsbury, na residência de Londres e na sua casa de campo: Monk´s House em Essex. Em Monk´s House, onde ela viveu muitos momentos de felicidade, mas também onde consumou o suicídio, enchendo os bolsos de pedras e afundando nas águas do rio Ouse, ela fazia caminhadas diárias de até mais do que doze quilômetros. Segundo Marder, seus passos largos afetaram o ritmo de sua prosa, pois como ela explicou quando escrevia "As Ondas": "escrever nada mais é do que pôr palavras nas costas do ritmo" ou ainda,nas palavras de um dos protagonistas deste mesmo romance, Bernard, que representa o autor, "o ritmo é a principal parte da escrita".

O motivo principal de "As Ondas" foi uma espécie de homenagem a seu irmão Thoby, falecido prematuramente em 1906 de uma febre tifóide decorrente de água contaminada que ele bebeu durante uma viagem à Grécia. Neste romance, os seis amigos personagens convivem em uma realidade atemporal, afetados pela morte de Percival (inspirado em Thoby). Eles representam, à partir de três personagens femininos e três personagens masculinos, seis partes da própria Virginia. Sempre com sua obsessão pelas profundidades aquáticas, ela acrescentou trechos em itálico que descrevem os efeitos da luz numa paisagem marinha, em  nove momentos no decorrer do dia. A criação de "As Ondas" exigiu muito de Virginia, mas um dos livros de gestação mais sofrida foi "Os Anos" que apresenta gerações de uma típica família inglesa desde os tempos vitorianos até o presente, abordando os temas de repressão sexual e domínio patriarcal. Nas palavras de Virginia em seu diário: "Eu me pergunto se alguém já sofreu tanto com um livro como eu com "Os Anos" (...). É como um parto prolongado (...). Toda manhã uma dor de cabeça e eu me forçando nesse quarto ainda de camisola; me deitando em busca de uma página, sempre com a certeza do fracasso."

O avanço da Segunda Guerra, em 1939, e os constantes bombardeios sobre Londres, influíram na piora do estado mental de Virginia, quebrando o equilíbrio que ela tinha entre a cidade e o campo, tão necessário para o seu trabalho. Uma bomba de efeito retardado destruiu a sua casa em Londres, forçando a Hogarth Press a uma parada. "Seus livros, aos montes, jaziam entre cacos, e do térreo se podia avistar até o telhado, através dos buracos nos três andares", Virgina escreveu em seu diário em 2 de outubro de 1940 em Monk´s House: "Devo pensar na morte? Sob a janela ontem à noite um baque muito forte de bomba. Tão perto que nos assustamos os dois. Um avião tinha passado e deixou cair essa fruta. Fomos para o terraço. Joias de estrelas em cintilação e aspersão. Tudo quieto. As bombas caíram lá no alto, na colina de Itford. Há duas perto do rio, assinaladas por cruzes brancas de madeira, ainda não detonadas. Eu disse para Leonard: ainda não quero morrer (...)." Ela sabia que precisava esquecer da guerra e entendia que um escritor para criar precisa tornar-se inconsciente, um transe de concentração, ou em suas palavras: "a subconsciência trabalha em alta velocidade enquanto a consciência cochila."

Virginia manteve o seu casamento com Leonard Woolf por toda a vida, apesar de dormirem em quartos separados, ela o amava em todos os demais sentidos, espiritual, intelectual e emocional. Os impulsos sexuais, quando ela os tinha, eram normalmente direcionados para suas mulheres amigas, como Vita Sackville-West com quem teve um caso  na década de 1920. Vita afirmou que o lado físico da relação havia sido muito restrito, uma vez que "Virginia não é o tipo de pessoa em quem se pensa desse modo; há algo incongruente e quase indecoroso na ideia." Não podemos saber até que ponto essa declaração de Vita é confiável, mas é certo que a relação com Leonard era mais verdadeira e duradoura, sendo que devemos ao carinho protetor dele o fato do trabalho de Virginia ter conseguido vir à luz durante os anos que passaram juntos. Virginia não deixa dúvidas sobre isto em sua carta de despedida para Leonard:
"Estou certa de que eu estou ficando louca de novo: sinto que nós não podemos passar por outro daqueles tempos terríveis. E dessa vez eu não vou me recuperar. Começo a ouvir vozes, não consigo me concentrar. Estou fazendo assim o que parece a melhor coisa a fazer. Você me deu a maior felicidade possível. De todas as maneiras você foi tudo o que alguém poderia ser. Não creio que duas pessoas pudessem ser mais felizes, até que veio essa doença terrível. Não posso mais lutar contra ela, sei que estou estragando a sua vida e que sem mim você poderia trabalhar. E eu sei que irá. Veja que nem isso eu consigo escrever com exatidão. Não consigo ler. O que eu quero dizer é que devo a você toda a felicidade da minha vida. Você foi inteiramente paciente comigo e incrivelmente bom. Quero dizer isso todo mundo sabe disso. Se alguém pudesse me salvar, teria sido você. Tudo se esvaiu de mim, menos a certeza da sua bondade. Não posso continuar estragando a sua vida. Não creio que duas pessoas pudessem ser mais felizes do que nós fomos. V."

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Comentários

vera maria disse…
Um livro belíssimo sobre uma das grandes, imensas escritoras, cujo retrato tenho na minha parede e a obra em lugar de honra da minha estante - lida quase toda. Esse, conheço do tempo em que a estudava.
abraço, clara
Unknown disse…
Vim parar aqui no blog meio que por acidente (um feliz acidente! rsrs). Não costumo acompanhar blogs (nenhum pra falar a verdade. Tanto que nem sei se estou escrevendo no lugar certo =P) mas este realmente me chamou a atenção! muitas coisas que eu desconhecia logo na primeira página! Parabéns pelo blog, e você acaba de ganhar um leitor =)
Alexandre Kovacs disse…
Clara, acho que Virgínia Woolf representa praticamente uma religião para seus leitores. Poucos autores conseguem este "status".
Alexandre Kovacs disse…
Daniel, obrigado pelo comentário gentil e fico feliz que tenha gostado do blog!
Fernanda disse…
Apaixonei-me por Virgínia Woolf quando vi o filme "As Horas". Gostaria de saber qual a tradução do livro Mrs. Dalloway da autora que é mais cabível ao orginal em inglês, se é a de Mário Quintana, a mais tradicional, ou a contemporaneidade de Claudio Alves Marcondes.

Sempre que venho aqui encontro cultura.

Abraços, Fernanda
Alexandre Kovacs disse…
Fernanda, lembrei muito de "As Horas" ao ler esta biografia, apesar de Nicole Kidman (com todo o esforço) não convencer muito como Virginia. Sobre as traduções é muito difícil julgar, acho que cada tradução é um novo livro.
Fernanda disse…
Sim, é impossível captar a mesma singularidade do original. Porém, é como em Franz Kafka... o melhor tradutor dele é Modesto Carone. Ele adentrou a escrita de Kafka estudando minuciosamente os detalhes biográficos, pois uma obra ficcional, já disse Lacan em outras palavras, é também um espelho do real. E além disso, Carone traduziu Kafka a partir do original, considerando que nem todo mundo sabe o alemão... outras traduções partiram, por exemplo, do espanhol ou do inglês, o que difere e muito da obra original. É isso que procuro, uma tradução que apreenda as características literárias da autora, sobretudo, que saiba conduzir o romance com a impessoalidade a qual se deve ter.
Alexandre Kovacs disse…
Fernanda, caso tivesse que escolher uma edição hoje ficaria com a da Cosac Naify, tradução de Claudio Alves Marcondes (ver: http://editora.cosacnaify.com.br/ObraSinopse/11634/Mrs-Dalloway-.aspx). Obrigado pelo ótimo comentário!

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