Jacques Bonnet - Fantasmas na Biblioteca
Jacques Bonnet - Fantasmas na Biblioteca - A arte de viver entre livros -160 páginas - Editora Civilização Brasileira - Tradução de Jorge Coli - lançamento 2013.
Jacques Bonnet é um editor e tradutor francês, que convive com o doce problema de administrar uma biblioteca particular de dezenas de milhares de livros acumulados durante a vida. Na verdade, ele é um bibliófilo do tipo de José Mindlin, Umberto Eco ou Alberto Manguel, mas prefere se definir como um bibliomaníaco porque, como ele mesmo explica, o bibliófilo guarda volumes tão preciosos que seu proprietário nunca os abre com medo de estragá-los, enquanto, no caso dele, não existe a menor hesitação em escrever nos livros ou lê-los na banheira. A sua biblioteca não é especializada, ou antes, é especializada em tantos domínios, que se torna generalista.
O bibliomaníaco, ainda segundo Bonnet, pode ser dividido em dois gêneros principais: os colecionadores e os leitores obstinados. Os primeiros podem chegar a perder todo o limite quantitativo e mesmo a renunciar à leitura das obras acumuladas, como exemplo é citado o caso de Sir Richard Heber (1774 - 1833), em Christian Galantaris, Manual de Bibliofilia, que possuía 300 mil volumes repartidos em cinco bibliotecas diferentes na Inglaterra e no continente, cada uma tendo invadido cinco mansões ("os livros eram onipresentes e formavam verdadeiras florestas com alamedas, avenidas, bosques, caminhos, nos quais se tropeçava nas pilhas e nos montes que transbordavam das prateleiras, abarrotavam as mesas, os móveis, os assoalhos..."). Já os leitores obstinados têm uma compulsão de leitura e curiosidade incurável que os leva a guardar o objeto de leitura, mantê-lo à sua disposição, resultando daí um acúmulo de livros considerável.
O autor escreve com muita leveza e bom humor sobre os problemas relativos à classificação de livros que pode ser feita, em teoria, através de gênero, língua, cronologia etc. No entanto, como dividir a obra de um autor como Nabokov que escreveu em russo, francês e inglês? Deveríamos classificá-lo em uma única língua? Nesse caso, qual delas? O russo é a língua materna de Nabokov, mas seus livros mais importantes foram escritos em inglês. E sobre os escritores espanhóis, devemos classificá-los juntamente com os da América Latina? Mesmo desafio para a língua portuguesa entre Portugal e Brasil, sem falar nos escritores das antigas colônias africanas (Angola e Moçambique).
Um "livrinho", como o próprio autor o define, delicioso de se ler e indispensável para os amantes da instituição "livro" onde não poderia faltar, obviamente, as questões atuais sobre a comparação entre o livro impresso e virtual, a praticidade e velocidade da consulta em nossos tempos de Internet que parecem apontar, espero que não, para o desaparecimento das bibliotecas e bibliófilos. Destaco o trecho abaixo, onde Jacques Bonnet ao dar a sua opinião sobre o assunto, consegue expressar muito bem o pensamento dos seguidores dos livros tradicionais e a sua aparente irracionalidade de confraria:
"Curiosamente, a fonte infinita de informações que constitui a internet não tem para mim o mesmo estatuto mágico que a minha biblioteca. Estou diante de meu computador, graças ao qual posso chegar a todas as informações imagináveis, ainda mais mestre do tempo e do espaço, e, no entanto, falta aí o "divino". Talvez se trate de uma questão corporal: faço isso com a ponta dos dedos, e tudo permanece exterior, passando por uma máquina e uma tela. Nada a ver com minhas paredes atapetadas de livros que eu conheço — quase — de cor. De um lado, tenho a impressão de estar no comando de um braço articulado capaz de todas as performances no vazio sideral exterior, de outro, num útero cujas paredes são atapetadas de prateleiras cujo arquétipo romanesco poderia ser o Nautilus. Como se vê, a questão não é apenas de racionalidade."
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