João Guimarães Rosa - Magma
João Guimarães Rosa - Magma - Editora Nova Fronteira - 146 Páginas - Lançamento póstumo 1997 (Fora de catálogo).
A prosa caudalosa e mágica de João Guimarães Rosa (1908-1967), suas invenções e intervenções semânticas e o resgate da linguagem regional, todas essas características compõem ainda um fenômeno sem igual na literatura brasileira que imortalizaram o autor e sua obra mais importante: "Grande Sertão: Veredas". No entanto, devido ao nível de excelência dos seus romances, o único volume de poesias escrito pelo "feiticeiro das palavras" ficou sempre relegado a segundo plano, publicado postumamente em 1997 pela Editora Nova Fronteira (hoje, vinte anos depois, "Magma" permanece fora de catálogo).
O próprio Guimarães Rosa, considerava "Magma" uma obra menor e não demonstrou interesse em publicá-la durante toda a sua vida, apesar do livro ter sido ganhador do concurso literário promovido pela Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1936, utilizando o pseudônimo “Viator”. O autor justificou a sua decisão de não publicar o volume de poemas em entrevista: "[...]escrevi um livro não muito pequeno de poemas, que até foi elogiado. [Depois] passaram-se quase dez anos, até eu poder me dedicar novamente à literatura. E revisando meus exercícios líricos, não os achei totalmente maus, mas tampouco muito convincentes".
Talvez o nível de exigência de um mestre como Guimarães Rosa possa ter impedido uma maior divulgação deste livro ou até mesmo o seu desenvolvimento e amadurecimento como poeta, mas acho que isso seria pedir demais para quem nos deixou um legado tão valioso para a literatura do nosso país. Selecionei algumas poesias para lembrar do autor que nos ensinou: "Infelicidade é uma questão de prefixo."
Gargalhada
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós,
desde a treva das épocas, quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...
Revolta
Todos foram saindo, de mansinho,
tão calados, que eu nem sei
se fiquei mesmo só.
Não trouxe mensagem e nem deram senha…
Disseram-se que não iria perder nada,
porque não há mais céu.
E agora, que tenho medo,
e estou cansado,
mandam-me embora…
Mas não quero ir para mais longe,
desterrado,
porque a minha pátria é a minha memória.
Não, não quero ser desterrado,
que a minha pátria é a memória…
Na Mantiqueira
Por entre as ameias da cordilheira
dormida,
a lua se esgueira,
como um lótus branco
na serra de dorso de um crocodilo,
brincando de esconder.
Dá para o alto um arranco,
repentino,
de balão sem lastro.
E sobe, mais clara que as outras luas,
quase um sol frio,
redonda, esvaindo-se, derramando,
esfarelando luz pelos rasgões, do bojo
farpeado nas pontas da montanha.
O próprio Guimarães Rosa, considerava "Magma" uma obra menor e não demonstrou interesse em publicá-la durante toda a sua vida, apesar do livro ter sido ganhador do concurso literário promovido pela Academia Brasileira de Letras (ABL) em 1936, utilizando o pseudônimo “Viator”. O autor justificou a sua decisão de não publicar o volume de poemas em entrevista: "[...]escrevi um livro não muito pequeno de poemas, que até foi elogiado. [Depois] passaram-se quase dez anos, até eu poder me dedicar novamente à literatura. E revisando meus exercícios líricos, não os achei totalmente maus, mas tampouco muito convincentes".
Talvez o nível de exigência de um mestre como Guimarães Rosa possa ter impedido uma maior divulgação deste livro ou até mesmo o seu desenvolvimento e amadurecimento como poeta, mas acho que isso seria pedir demais para quem nos deixou um legado tão valioso para a literatura do nosso país. Selecionei algumas poesias para lembrar do autor que nos ensinou: "Infelicidade é uma questão de prefixo."
Gargalhada
Quando me disseste que não mais me amavas,
e que ias partir,
dura, precisa, bela e inabalável,
com a impassibilidade de um executor,
dilatou-se em mim o pavor das cavernas vazias...
Mas olhei-te bem nos olhos,
belos como o veludo das lagartas verdes,
e porque já houvesse lágrimas nos meus olhos,
tive pena de ti, de mim, de todos,
e me ri
da inutilidade das torturas predestinadas,
guardadas para nós,
desde a treva das épocas, quando a inexperiência dos Deuses
ainda não criara o mundo...
Revolta
Todos foram saindo, de mansinho,
tão calados, que eu nem sei
se fiquei mesmo só.
Não trouxe mensagem e nem deram senha…
Disseram-se que não iria perder nada,
porque não há mais céu.
E agora, que tenho medo,
e estou cansado,
mandam-me embora…
Mas não quero ir para mais longe,
desterrado,
porque a minha pátria é a minha memória.
Não, não quero ser desterrado,
que a minha pátria é a memória…
Na Mantiqueira
Por entre as ameias da cordilheira
dormida,
a lua se esgueira,
como um lótus branco
na serra de dorso de um crocodilo,
brincando de esconder.
Dá para o alto um arranco,
repentino,
de balão sem lastro.
E sobe, mais clara que as outras luas,
quase um sol frio,
redonda, esvaindo-se, derramando,
esfarelando luz pelos rasgões, do bojo
farpeado nas pontas da montanha.
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