Aline Bei - O Peso do Pássaro Morto
Aline Bei - O Peso do Pássaro Morto - Coedição das Editoras Nós e Edith - 168 Páginas - Lançamento: 06/10/2017.
Gostei muito do livro de estreia da paulistana Aline Bei, "O Peso do Pássaro Morto", um romance-poema em forma de diário, se é que podemos chamar assim, por falta de definição melhor, e que incorpora elementos de prosa e poesia na sua construção, mas não se enquadra com facilidade em nenhuma das duas categorias.
Ao utilizar o efeito da distribuição das palavras na página impressa, a autora obtém um inusitado elemento de ritmo narrativo. Uma técnica que guarda algumas semelhanças com o trabalho de Matilde Campilho, no entanto surpreende aqui ao extrapolar o formato tradicional do poema e assumir a condução completa do romance. O livro foi o vencedor do prêmio Toca de Literatura, organizado pela oficina de criação literária de Marcelino Freire e lançado no ano passado em coedição pelas Editoras Nós e Edith, uma excelente oportunidade para autores inéditos.
seu Luís é um velho sabido com cheiro de grama.
acho que o desodorante dele
é verde
e o corpo deve ter uns 100 anos de tanta ruga
na pele toda, um homem
tartaruga.
(Pág. 7 - aos 8 anos)
Ao utilizar o efeito da distribuição das palavras na página impressa, a autora obtém um inusitado elemento de ritmo narrativo. Uma técnica que guarda algumas semelhanças com o trabalho de Matilde Campilho, no entanto surpreende aqui ao extrapolar o formato tradicional do poema e assumir a condução completa do romance. O livro foi o vencedor do prêmio Toca de Literatura, organizado pela oficina de criação literária de Marcelino Freire e lançado no ano passado em coedição pelas Editoras Nós e Edith, uma excelente oportunidade para autores inéditos.
seu Luís é um velho sabido com cheiro de grama.
acho que o desodorante dele
é verde
e o corpo deve ter uns 100 anos de tanta ruga
na pele toda, um homem
tartaruga.
(Pág. 7 - aos 8 anos)
Se por um lado a técnica narrativa é leve e de leitura rápida, os temas não são nada simples e o efeito no leitor é profundo e permanente. Aline Bei escolheu uma protagonista anônima, mulher comum, como tantas outras em nosso país, enfrentando diariamente dificuldades e agressões de todo tipo. O truque, muito bem executado pela autora, foi deixar que a própria protagonista narrasse em primeira pessoa os eventos principais da sua biografia em recortes de tempo, dos 8 aos 52 anos, com a linguagem e percepção próprias de cada idade. Assim, aos 8 anos, quem conduz a narrativa é uma menina ingênua que está descobrindo o mundo, mas já enfrenta uma primeira grande perda, a morte de uma amiga de escola. Ela escreve pouco tempo depois uma redação com o precoce título de "A cura não existe", afirmação incompreendida pela professora, mas que ela irá comprovar como verdadeira ao passar por novas perdas.
perguntei pra minha mãe:
- o que é morrer?
ela estava fritando bife pro almoço.
- o bife
é morrer, porque morrer é não poder mais escolher o que
farão com a sua carne.
quando estamos vivos, muitas vezes também não escolhemos.
mas tentamos.
(Pág. 21 - aos 8 anos)
Talvez não exista mesmo cura para a dor de perder uma amiga querida ou sofrer um estupro, a crueldade do silêncio provocado pela vergonha e o medo, a sensação de culpa, mesmo sabendo não ter culpa. A triste falta de amor que pode ocorrer entre mãe e filho, o peso de um tapa na cara, um pássaro morto, abandono e solidão. São questões assim que a nossa protagonista enfrentará ao longo da sua sofrida existência. No entanto, "A vida se resolve mesmo é vivendo" como coloca muito bem Micheliny Verunschk no texto de orelha do livro, uma coleção de erros e acertos que vamos acumulando e que normalmente não podem ser controlados.
era o meu primeiro show de rock
a Paula me chamou pra ver aquela banda holandesa
de nome impronunciável muito menos
escrevível, mas fui.
era por Ela, afinal de contas, que quebrava todos
os meus galhos até aquela vez que menti pra
minha mãe de ter
dormido na casa de paula, mas eu
tinha passado a noite
debaixo de uma árvore
com o Pedro
beijando aquela boca macia
minha língua cansada sem querer parar
de lamber o menino
mais lindo que meus olhos já
viram, a vontade era de
engolir o
Pedro e guardá-lo dentro pra toda vez que eu ficasse
triste lembrar que ele
existe em mim.
Inclusive eu queria que ele tivesse ido no show pra
gente continuar se beijando, Insisti,
mas a mãe do Pedro
estava sem dinheiro e ingresso
custa caro.
não éramos namorados
porque ninguém pediu que sim.
mas nos amassávamos regularmente
pelos cantos do colégio
nas escadas de incêndio, ao lado dos postes, apoiados
em carros, teve um dia que foi na grama e
foi 1
quase,
- você de vestido é mais fácil, ele sussurrou me
agarrando nas coxas, eu disse:
- calma.
(Pág. 48 - aos 17 anos)
Ao trabalhar com leveza e lirismo alguns sentimentos universais como a perda, solidão e morte, a jovem autora surpreende pela maturidade e credibilidade ao transmitir a intensa carga emocional de sua protagonista por meio das diferentes vozes que ela vai assumindo ao longo da vida. Algo me diz que ainda vamos ouvir falar muito de Aline Bei, assim como deste poderoso livro de estreia.
dirigir pra longe com janela aberta é uma espécie
de voo
apesar das rodas, apesar do
chão.
eu estava precisando de um pouco de estrada,
há anos que eu não dirigia,
não quis ônibus de novo e mais uma vez, fiz
questão do carro
alugado
me levando pra onde minha cabeça estava
no lucas quase um
homem que me disse por telefone:
- ouro preto parece uma cidade de praia sem mar.
(Pág. 87 - aos 37 anos)
perguntei pra minha mãe:
- o que é morrer?
ela estava fritando bife pro almoço.
- o bife
é morrer, porque morrer é não poder mais escolher o que
farão com a sua carne.
quando estamos vivos, muitas vezes também não escolhemos.
mas tentamos.
(Pág. 21 - aos 8 anos)
Talvez não exista mesmo cura para a dor de perder uma amiga querida ou sofrer um estupro, a crueldade do silêncio provocado pela vergonha e o medo, a sensação de culpa, mesmo sabendo não ter culpa. A triste falta de amor que pode ocorrer entre mãe e filho, o peso de um tapa na cara, um pássaro morto, abandono e solidão. São questões assim que a nossa protagonista enfrentará ao longo da sua sofrida existência. No entanto, "A vida se resolve mesmo é vivendo" como coloca muito bem Micheliny Verunschk no texto de orelha do livro, uma coleção de erros e acertos que vamos acumulando e que normalmente não podem ser controlados.
era o meu primeiro show de rock
a Paula me chamou pra ver aquela banda holandesa
de nome impronunciável muito menos
escrevível, mas fui.
era por Ela, afinal de contas, que quebrava todos
os meus galhos até aquela vez que menti pra
minha mãe de ter
dormido na casa de paula, mas eu
tinha passado a noite
debaixo de uma árvore
com o Pedro
beijando aquela boca macia
minha língua cansada sem querer parar
de lamber o menino
mais lindo que meus olhos já
viram, a vontade era de
engolir o
Pedro e guardá-lo dentro pra toda vez que eu ficasse
triste lembrar que ele
existe em mim.
Inclusive eu queria que ele tivesse ido no show pra
gente continuar se beijando, Insisti,
mas a mãe do Pedro
estava sem dinheiro e ingresso
custa caro.
não éramos namorados
porque ninguém pediu que sim.
mas nos amassávamos regularmente
pelos cantos do colégio
nas escadas de incêndio, ao lado dos postes, apoiados
em carros, teve um dia que foi na grama e
foi 1
quase,
- você de vestido é mais fácil, ele sussurrou me
agarrando nas coxas, eu disse:
- calma.
(Pág. 48 - aos 17 anos)
Ao trabalhar com leveza e lirismo alguns sentimentos universais como a perda, solidão e morte, a jovem autora surpreende pela maturidade e credibilidade ao transmitir a intensa carga emocional de sua protagonista por meio das diferentes vozes que ela vai assumindo ao longo da vida. Algo me diz que ainda vamos ouvir falar muito de Aline Bei, assim como deste poderoso livro de estreia.
dirigir pra longe com janela aberta é uma espécie
de voo
apesar das rodas, apesar do
chão.
eu estava precisando de um pouco de estrada,
há anos que eu não dirigia,
não quis ônibus de novo e mais uma vez, fiz
questão do carro
alugado
me levando pra onde minha cabeça estava
no lucas quase um
homem que me disse por telefone:
- ouro preto parece uma cidade de praia sem mar.
(Pág. 87 - aos 37 anos)
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