Mia Couto - O Bebedor de Horizontes

Trilogia "As Areias do Imperador"
Mia Couto - O Bebedor de Horizontes (terceiro volume da trilogia "As Areias do Imperador") - Editora Companhia das Letras - 328 Páginas - Lançamento no Brasil: 16/03/2018 (Leia aqui um trecho disponibilizado pela Editora).

Recomenda-se ler as resenhas referentes ao primeiro e segundo volumes da trilogia: "Mulheres de Cinzas" e "Sombras da Água", para melhor entendimento da obra.

Este é o último volume da trilogia histórica sobre a queda do Estado de Gaza no final do século XIX, região conhecida hoje como Moçambique e de seu imperador Ngunguyane ou Gungunhana, como era chamado pelos portugueses na época. Assim como os dois primeiros volumes da série, este também é um romance histórico diferente, utilizando-se de pessoas e fatos reais, Mia Couto escreve com a sua forte veia poética e o auxílio da riqueza das lendas do folclore local, para resgatar um pouco da dignidade do povo africano, explorado por um processo brutal de colonização predatória imposto pelas potências europeias.

O romance parte da captura de Ngunguyane, ou do "Leão de Gaza", pelas forças militares comandadas por Mouzinho de Albuquerque e narra em detalhes a longa e humilhante viagem de degredo do ex-imperador, juntamente com as sete esposas e alguns outros prisioneiros, inicialmente para Lisboa, onde os portugueses pretendiam utilizar a vitória como propaganda política diante dos países rivais na colonização africana, principalmente a Inglaterra, e finalmente o destino final, o exílio nas ilhas dos Açores. Mia Couto utiliza a adolescente Imani Nsambe como voz narrativa em primeira pessoa, grávida do sargento Germano de Melo, ela foi criada por missionários portugueses e domina bem o idioma, servindo como elo de comunicação entre os africanos e os oficiais portugueses durante toda a viagem. 
"Há dois dias sucedera o impensável: em Chaimite, o capitão Mouzinho capturou o imperador Ngungunyane e trouxe-o amarrado até ao cais de Zimakaze. Junto com o real prisioneiro seguiam as sete esposas que ele elegera para o acompanhar. Essa escolha foi o seu último ato de soberania. Na comitiva seguia também eu, Imani Nsambe, que os portugueses escolheram como tradutora. Finalmente, em Zimakaze, o chefe dos mfumos, chamado Nwamatibjane Zixaxa, juntou-se aos presos. Com este rebelde vieram três das suas esposas. (...) De Chaimite a Zimakaze o mesmo espanto se repetiu: os habitantes de Gaza contemplaram, incrédulos, o imperador Ngungunyane sendo arrastado em prantos. Os militares portugueses eram tão poucos que se tornava ainda maior o desconcerto de quem assistia ao inusitado desfile. (...) Não era apenas um imperador vencido que os portugueses exibiam. Era África inteira que ali desfilava, descalça, rendida e humilhada. Portugal precisava daquela encenação para desencorajar novas revoltas entre os africanos. Mas necessitava ainda mais de impressionar as potências europeias que competiam na repartição do continente." - Narrativa de Imani (Págs. 14 e 15)
Neste último volume da trilogia, Mia Couto continua valendo-se das cartas do sargento português Germano de Melo para Imani, que não são apenas cartas românticas (embora sejam também, e muito lindas), mas sim uma forma do autor compor uma estrutura polifônica e uma visão mais abrangente das relações entre colonizadores e colonizados. As cartas, como não poderia deixar de ser, nem sempre conseguem chegar ao destino. Será que existe um futuro em Portugal ou na África para o improvável casal e o filho que Imani espera? Afinal em uma das muitas citações que poderia destacar deste livro, esta em especial é pura poesia: "Ser mãe é um verbo que não tem passado".
"Nas cartas de amor a grande felicidade é receber a resposta antes mesmo de as escrever. Talvez seja por isso que iniciei esta carta vezes sem conta e, de todas as vezes, a deixei cair no chão. Nos meus pés descalços se imprimiram as palavras que nunca te foram enviadas. Não apanho esses rascunhos. Deixo-os órfãos, sobre a poeira do chão. São um tapete que teci para o teu regresso. Vou calcando palavras como na minha terra pisamos as uvas para que nasça o vinho.(...) O mais grave de tudo, minha querida, é que a guerra em Moçambique não terminou. Por isso te levam como tradutora. Esperam que faças bem mais que traduzir. Querem que sejas uma espia ao serviço da Coroa portuguesa. E é isso que me apoquenta. Ao contrabandear valiosos segredos enfrentarás sérios riscos. (...) Para consolo teu, deves pensar que a tua viagem não começou agora. Desde criança que estás emigrando de ti mesma." - Carta do sargento Germano (Págs. 51 a 53)
Durante a viagem, ocorre o que temia o sargento Germano na sua carta, ou seja, o ingrato trabalho de tradução realizado pela jovem Imani Nsambe acarreta muitos problemas. Entre carrascos e prisioneiros ela acaba sendo desprezada pelos africanos que desconfiam da sua fidelidade à causa do imperador Ngunguyane e, por outro lado, humilhada pelos portugueses para os quais é somente mais uma negra. Mia Couto encontrou, por meio da sua sofrida protagonista, uma forma de representar a difícil busca pela própria identidade, entre as tradições perdidas e a suposta modernidade. Pobres nações "colonizadas".

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Literatura africana
Mia Couto - Trilogia "As Areias do Imperador"

As Areias do Imperador 1 - Mulheres de Cinzas
As Areias do Imperador 2 - Sombras da Água
As Areias do Imperador 3 - O Bebedor de Horizontes

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