Whisner Fraga - O privilégio dos mortos

Literatura brasileira contemporânea
Whisner Fraga - O privilégio dos mortos - Editora Patuá - 256 Páginas - Ilustração, Projeto gráfico e Diagramação de Leonardo Mathias - Lançamento: 2019.

Em O privilégio dos mortos, Whisner Fraga utiliza uma narrativa experimental e fragmentada, com base nas reflexões de um amargurado protagonista que lida com suas próprias questões existenciais a partir da morte precoce e sofrida de Heitor, um ex-amigo de faculdade, devido a um agressivo câncer de pulmão. Ao retornar de carona para a fictícia Tejuco, sua cidade natal no interior de Minas Gerais, este protagonista, que nunca é nomeado, lembra episódios de seu passado e do país nos anos noventa, de forma não linear, em um delírio que mistura imaginação e realidade.

O ponto de apoio de toda a narrativa é a interlocução com Helena, uma personagem enigmática que funciona como confidente. Contudo, logo percebemos que esses falsos diálogos são, na verdade, um longo fluxo de consciência do protagonista em suas digressões sobre o desajuste aos padrões de comportamento exigidos pela sociedade e a angústia provocada pela fragilidade da vida e o desconhecido da morte, temas complexos e recorrentes na filosofia e literatura e que, por isso mesmo, demandam coragem do autor.

Um dos recursos narrativos nada convencionais aplicados ao romance, foi o de contar o retorno para Tejuco e a visita ao túmulo de Heitor de múltiplas e diferentes formas, algumas vezes complementares e outras contraditórias, em cada capítulo, acrescentando camadas à história e preparando o leitor para um final surpreendente.

"você lamenta, quase em silêncio, com o rumor vexado de um orgulho que já não presta para mais nada, que ainda é virgem, que precisa encontrar uma mulher, com quem deverá, durante uma noite, por várias vezes, descobrir um pretexto para se retirar do mundo de cabeça erguida, que ainda precisa ouvir o próximo disco de sua banda favorita, a próxima versão do seu jogo favorito, a próxima edição de sua revista favorita, a próxima qualquer coisa favorita que o deixe conectado por mais um tempo a este ar saturado e que o faça esperar a novidade seguinte e, ainda que não haja novidade seguinte, ainda que tudo seja somente uma repetição dos mesmos fatos, só que de roupa nova, ainda assim você merece experimentar, nem que seja apenas para se certificar de que não há nada de novo e que você está enjoado de tudo, você merece, amigo, [...]" (p. 75)

Mas, afinal, qual seria o privilégio dos mortos? O esquecimento ou desconhecimento do seu estado, talvez, como nesta passagem em que Heitor, condenado por uma doença fatal, cita o eclesiastes: "os vivos sabem que morrerão, mas os mortos não sabem coisa nenhuma, e hoje estou vivo, acrescenta ele, mas amanhã ou mesmo daqui a pouco posso morrer e de uma maneira ou de outra, o que experimentarei é o esquecimento e não pode haver dor no esquecimento e, se não há dor, por que existiria sofrimento?". 

De fato, a morte é o tema central neste audacioso e sofisticado romance que incomoda e faz pensar, independente de abordagens religiosas ou filosóficas. Segundo Nietzsche, que inspirou o título: "O privilégio dos mortos é não ter que morrer novamente", um argumento retórico difícil de contestar e que o autor soube desenvolver com originalidade.

era como se uma crosta de beatitude, um campo de força de silêncios e humildades e regras e manhas me impedisse de resgatar o medo, de pressentir a revolta contra aquela supuração a deixar um rastro de tabus acompanhando a palavra 'morte', era como se assim, detrás dessa convicção inquebrantável, da coragem, do altruísmo, heitor, fosse mais fácil conquistar o que desejasse, porque, o mundo se compadece com o inevitável, o mundo se rende quando um câncer ou um acidente ou uma dengue hemorrágica ou uma pneumonia abrevia uma existência, esse mundo, por pior que esteja, ainda se compadece com determinados inconvenientes, [...] (p. 123)

O encontro entre vivos e mortos está para acontecer no cemitério da cidade de Tejuco para onde o nosso protagonista se dirige com outros personagens, impulsionados por uma mistura explosiva de álcool e drogas.

Sobre o autor: Whisner Fraga é mineiro de Ituiutaba. Autor de "As espirais de outubro", romance, Nankin, 2007, "Abismo poente", contos, Ficções, 2009, "Lúcifer e outros subprodutos do medo", Penalux, 2017, entre outros livros. Participou das antologias "Os cem menores contos brasileiros do século, organizada por Marcelino Freire e "Geração zero zero", organizada por Nelson de Oliveira. Teve contos traduzidos para o inglês, árabe e alemão. "O privilégio dos mortos" é sua décima obra publicada.

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