Cássia Penteado - Haikai

Literatura brasileira contemporânea
Cássia Penteado - Haikai - Editora Reformatório - 104 Páginas - Imagem de capa e ilustrações internas de Mika Takahashi - Design e editoração eletrônica: Negrito Podução Editorial - Lançamento: 2021.

O haikai é um poema curto de três versos que tem origem no Japão do século XVI com o monge budista Matsuo Bashô (1644-1694), na tentativa de capturar a brevidade de um momento de contemplação da natureza. No entanto, apesar das citações aos poemas de Bashô ao longo do livro, o que temos aqui não é uma obra de poesia e sim um romance; uma prosa delicada e breve como um haikai e, por outro lado, muito densa no sentido informativo, resultado de um intenso trabalho de pesquisa de Cássia Penteado sobre a cultura japonesa, incluindo a alta gastronomia e a arte da cerâmica, assim como a história e as tradições orientais.

Tenho alguma experiência com a literatura japonesa e os costumes locais porque vivi durante um ano em Nagoya e o que mais me surpreendeu neste romance é que parece ter sido escrito por um autor japonês, tamanha a riqueza de detalhes e fidelidade, não somente ao estilo, mas também à cultura e filosofia de vida daquele povo. A apresentação do livro é de Telma Shiraishi, Chef dos Restaurantes Aizomê e da ceramista Hideko Honma, ambas auxiliaram a autora a descobrir os segredos da culinária kaiseki de Kyoto e a técnica dos esmaltes produzidos a partir de cinzas vegetais, tudo descrito em um estilo ao mesmo tempo breve e detalhista.

Como uma marcação do ciclo da vida, o livro é dividido em 4 partes, primavera, verão, outono e inverno, tendo como base a história de duas mulheres, Chiara que se muda para a cidade de São Francisco Xavier, na Serra da Mantiqueira, São Paulo, em busca da proximidade com a natureza para compor seus poemas haikai e de Sayuri, ceramista, nascida e criada no Japão que encontra-se internada em uma clínica de repouso, sofrendo de uma grave enfermidade. Entre as duas mulheres, o senhor Murakami, produtor de cogumelos de exportação para o Japão, nome científico Agaricus Blazei, mais conhecido como cogumelo do sol.

"Notei pela mecha branca de seu cabelo, um aceno tímido e, tão logo meus olhos se adptaram ao jogo de sombra e luz, enxerguei a chawan em suas mãos, já servida de arroz que ele mesmo havia preparado na panela elétrica. Adiantei-me para pegar o ovo que quebraria sobre o arroz quente. Ele se sentou à mesa da cozinha, e logo trouxe-lhe o shoyu e as algas e detive-me ali por um momento. Houve um compasso de espera desconcertante, até que ele, em silêncio, começasse a rechear as algas. Observo-o manuseando o hashi. Há dois anos, desde que comecei a trabalhar para o senhor Murakami venho tentando copiá-lo, mas essa destreza serena, não creio que alcançarei. Então, aqui, a estrangeira sou eu." (p. 14)

Ao longo da narrativa, conhecemos a trajetória de Sayuri desde o seu nascimento em 1976 no Japão, no distrito de Higashiyama, até seus 21 anos, quando vem para o Brasil, prometida como noiva de Murakami. Ela guarda um segredo no seu passado, um amor proibido por Akira – noivo de sua melhor amiga e estudante de gastronomia – que a faz conhecer o quinto gosto depois do doce, salgado, amargo e azedo, o Umami, sabor da delícia.

"Kôyô, as folhas de outono, colorem de amarelo, laranja e vermelho as ruas estreitas e arborizadas de Higashiyama. Antes de alcançar o vale, escondida nas proximidades de um bambuzal, a minka onde Sayuri morava com seus pais. A menina esperada para o inverno, chegou no último terço do outono, daí o nome Sayuri, pequeno lírio que nasce adiantado. / Mal andava, descia engatinhando de costas, os degraus de pedras e troncos que mantinham a trilha na declividade do terreno. Vez por outra, vencida pelo descômodo do contato das pedras com suas mãozinhas e joelhos delicados, ela joga o peso do corpo pequeno para o lado. Senta-se, busca com o olhar e gemidos, os olhos da mãe. Satoko, escondida atrás do banco vermelho no terraço acanhado da minka, espreita a filha." (p. 41)

A cena do ritual Kaiseki é inesquecível, uma sequência de pratos tradicionais para comemorar o noivado da amiga em Kyoto, todos os ingredientes da região e da estação do ano em uma composição na qual as formas, cores e sabores se misturam em harmonia. Um livro que irá agradar aos leitores já iniciados na cultura japonesa, mas também um bom ponto de partida para os interessados. A autora incluiu uma breve história sobre a elaboração da obra e um glossário muito útil que ajuda a entender o vocabulário nipônico.  Como ela mesma afirma: "O amor é a nossa forma de resistência à qualquer opressão", que assim seja!

"Uma escultura de tempurá! Delicada película amarelada de espessura irregular. Como se a espuma de um mar revolto, encobre e mostra impudentemente; deixa transparecer o que fora submerso. Nos mistérios de suas borbulhas fixas, as reentâncias e as cores incertas dos shiitakes. No paladar, a ardência adocicada das pimentas e das paixões, como os afetos humanos. / Yakimono / Su-zakana... / Sayuri brilhava, à meia luz, como o talo de arroz dourado estampado na tigela de laca preta onde foi servida a sopa de tofu, cogumelos, bulbos de lírio e pétalas de crisântemos. [...]" (p. 77)

Sobre a autora: Cássia Penteado é advogada, escritora e tradutora. Foi colaboradora do jornal Diário da Região, em São José do Rio Preto. É autora das peças de teatro infantil, O Coelhinho Joca e A Verdadeira História do Meu Computador, com as quais conquistou dois prêmios no Festival de Teatro de São José do Rio Preto. Estreou na literatura com o romance EntreMeios (Reformatório, 2018). Em 2019, participou com o poema Cenas da Antologia de Poesia Contemporânea, Além da Terra, Além do Céu Volume IV (Editora Chiado). Em 2021, participou da Antologia 2020, O Ano Que Não Começou (Reformatório), com o conto 2020, o Ano do Rato que o Vírus Roeu.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Haikai de Cássia Penteado

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