Jacqueline Farid - O perfume do Nilo
Jacqueline Farid repete a fórmula de sucesso de seus romances anteriores ao associar relatos de viagem com ficção (ler resenha de "O árabe invisível"). Dessa vez, os personagens circulam por cenários do Egito, Beirute, Damasco e Capadócia ao longo do desenvolvimento da trama, que tem como gancho um dos efeitos mais danosos da Covid-19 para o bem-estar dos indivíduos, a perda absoluta do sentido do olfato. Adriana é a protagonista que sofre com esta sequela ao viajar pelo Oriente Médio, até sentir o aroma de um perfume singular, o Água do Nilo, que passa a ser uma obsessão por representar "o único cheiro que sentia no mundo", apesar de um terrível efeito colateral que ela perceberá somente aos poucos: o envelhecimento precoce da pele.
Maravilhada com o resgate de seu olfato, mesmo que sentindo apenas um único odor, Adriana tenta obter informações nas redes sociais e pesquisando na Internet sem sucesso sobre a fragrância, decidindo finalmente enviar um e-mail para o serviço de atendimento. Estabelece-se, a partir deste ponto, uma conexão virtual com o misterioso e excêntrico criador do perfume, o sírio-libanês Antoine, que troca mensagens com Adriana marcando encontros que nunca se realizam. A situação se torna ainda mais confusa quando Nazir, um perfumista de Damasco e ex-sócio de Antoine, reivindica para si os direitos de criação do Água do Nilo. O clima de sedução entre Adriana e Antoine, logo é substituído por uma sensação de perigo iminente.
"Adriana aspirou o perfume do frasco que carregava como uma jóia e pelo qual pagou, ainda ontem, uma pequena fortuna. Espalhou o aroma no pulso, satisfeita por ser tão agradável o único cheiro que sentia no mundo. Um odor tão solitário quanto ela. / A janela do carro emoldurava o lento despertar do sol sobre o Saara. A luz, ainda tênue, tingia a escuridão de um fogo brando, iluminando aos poucos a memória. Ela considera a sonolência uma assassina de paisagens e, por isso, manteve os olhos fixos no horizonte que apenas se insinuava no breu, uma linha discreta que se movimentava junto com a areia. / O deserto lhe parecia mais infinito que o mar. A perda do olfato aguçava a visão. Os grãos de areia, quando iluminados pelo sol ascendente, lembravam estrelas. / Há dias, desde que iniciar a viagem, era um alívio constatar que a contemplação prescinde dos aromas que são tão determinantes, por exemplo, para o apetite e o sexo. Há mais de um mês vinha descobrindo que é possível sobreviver sem o olfato que o vírus saqueou sem avisar se a apropriação era temporária, se era um caso de sequestro ou assalto." (p. 8)
A autora obtém um interessante conflito psicológico da protagonista que, apesar de perceber a fragilidade de sua situação devido ao envelhecimento acelerado, não consegue resistir à influência sensual de Antoine. A narrativa em terceira pessoa se divide entre os pontos de vista de Adriana e Antoine, fazendo com que o leitor acompanhe de uma posição privilegiada a sequência de fatos que estabelece uma espécie de tragédia anunciada, enquanto os personagens, motivados por seus diferentes interesses, buscam conseguir novos frascos do perfume. O romance é livremente inspirado na história real do assassinato de um perfumista libanês nos arredores de Beirute.
"Antoine acompanhava, de uma distância segura, os movimentos da mulher que dividia a atenção entre o celular, as colunas gigantes de Karnak e o vidro do perfume que, vez ou outra, aspirava no caminho. As magníficas colunas formavam um labirinto e tornavam os viajantes um detalhe quase desprezível. / Esse era o lugar preferido de Antoine no Egito. Sempre imaginou crimes violentos e paixões efêmeras acontecendo à luz do dia, escondidos sob a proteção das redondas estruturas, que agora também evitavam que fosse flagrado por Adriana, mesmo que soubesse que o temor era uma fantasia, já que ela, até onde ele sabia, não tinha como reconhecê-lo. / Mesmo assim, não quis se arriscar e se movia com lentidão, em silêncio, como um fantasma sobrevivente do tempo em que Luxor ainda era Tebas e as horas fluíam em outro ritmo. Sem perceber, parecia um espelho dos movimentos da mulher que seguia. / Aquela imitação involuntária criou uma certa estima por Adriana, como se ela fosse uma extensão dos seus olhos. Havia um encantamento simultâneo dos dois por Karnak que não passaria despercebido. [...]" (p. 40)
Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar O perfume do Nilo de Jacqueline Farid
Comentários