Caio Garrido - Marés
O livro de poemas de Caio Garrido está dividido em quatro partes: Estuário, Terra em Transe, Maré Alta e Mar Aberto. Os versos nascem a partir da antiga pretensão do homem em compreender a vida e a morte, essa impossibilidade que fica tão evidente quando nos deparamos com a imensidão do oceano ou ainda quando percebemos a fugacidade da memória, como declara o poeta: "Toda vida é sempre a dor de não encontrar / o caminho de volta" ou na sequência: "Na mata virgem / pisamos pela primeira vez / e nos impressionamos / ao repente / com o fato de sermos tão sós / tal pássaro sem voz // Voltamos com a certeza / de que toda juventude / foi embora — / no primeiro passo".
As ondas e os ventos são a inspiração e o ritmo que Garrido busca com seus poemas: "Vontade de chorar / A água salgada é sincera // A mulher é bela / em qualquer lugar // Mas só no mar / É aquarela". E, no final, nos resta a simplicidade da arte que desafia a estupidez humana em destruir o mar. Tudo isso me faz lembrar a poesia feita de imagens da portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen: "A terra o sol o vento o mar / São minha biografia e são meu rosto". Deixo vocês com alguns poemas de Caio Garrido.
Não há água em Marte
Não há água em Marte
E até seria bom,
sem luz em São Sebastião,
se não fosse a chuva um mar,
o sol atenção.
Não há rios em Mariana,
está mais triste que o Sertão
Vejo crianças na Síria
jogando sem bola
vê como há água e história
quando me olham
lá no fundo, dá pra ver
paz, alegria e glória
Não há água em Marte
Existo na Terra
Insisto nessa embarcação
abençoado asilo da memória
Refugiados
Sem linha sem trem
Ser passageiros, não mais
(e de existir, não deixam)
pra sempre, em frente, lentos
Com ou sem lenços
O mar
não hesitaria
— em engolfá-los
enfim engoli-los
Não podem dormir
ao relento
O que os salvou
foi a chuva
e o vento
Serena morte
Nona, preciso que jogue
No padre água benta
amanse o coração do tempo
Como pode a tarde abençoada
baixar cabeça
e fazer a siesta
no preciso momento
do fugaz entendimento
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