Rodrigo Andrigheto - O que cabe em duas linhas

Literatura brasileira contemporânea
Rodrigo Andrigheto - O que cabe em duas linhas - Editora Folhas de Relva - 114 Páginas - Capa: Luiza Chamma - Lançamento: 2024.

Um romance de formação que tem início com o atropelamento de Vitor Ressler, adolescente de 15 anos, enquanto voltava de bicicleta do rancho do avô juntamente com o primo. O acidente, que deixa marcas profundas no rosto de Vitor, altera completamente o seu cotidiano devido ao bullying dos colegas na escola que passam a chamá-lo por apelidos como "escarface", assim como os problemas originados por uma família disfuncional da classe média baixa, incluindo não somente as limitações financeiras, mas também o excesso de autoritarismo do pai, que não abre espaço para a expressão de sentimentos, ideias e opiniões da esposa e dos três filhos.

De fato, as marcas do acidente passam a representar um problema adicional a ser superado no amadurecimento do jovem Vitor Ressler, um processo já bastante comprometido pela falta de perspectivas de sua classe social e das dificuldades de comunicação familiares. Os efeitos da sua nova condição não demoram a aparecer na piora do seu desempenho escolar e nas brigas frequentes com os pais em casa. Apesar de tudo, as descobertas da adolescência reservam coisas boas para o jovem protagonista, por exemplo quando ele consegue os primeiros sucessos com as meninas, logo ele que havia aprendido a beijar assistindo filme pornô na casa de um amigo.

"O azar de Vitor Ressler foi ter batido com o rosto no para-brisa do carro que o atropelou, naquela quarta-feira de fevereiro de 1995, na estrada que vinha de Tuparendi. Ele e o primo, Tobias Duz Ressler, voltavam de bicicleta da casa da costa, um rancho de fim de semana que o avô de Vitor, Argônio Kasburg, possuía próximo do rio Uruguai, num dos balneários da cidade de Porto Mauá, Região das Missões. / O primo e o motorista que o atropelou o meteram dentro da Kombi de um colono de São Roque que parou para socorrê-lo. Levaram-no ao Hospital de Caridade, puseram-no sobre uma maca, transportaram-no a uma sala onde o doutor René Xavier suturou grosseiramente os cortes do rosto, sem anestesia para não piorar a lesão do cérebro, conforme informariam à mãe dele quando ela chegasse à emergência, avisada pelo sobrinho." (p. 9)

Vitor sabe que precisa "escolher uma profissão concreta, bolar um plano para o futuro, e o plano, nesta idade, no meio em que vivem, o plano consiste em escolher um curso universitário". No entanto, ele não tem ideia do que fazer com relação à sua eventual carreira profissional, apenas uma aspiração nebulosa de se tornar cartunista. Ao longo do ano de 1995, em uma cidade do interior da regiao Sul do país, as opções são muito limitadas para Vitor que agora, além de tudo, também é perseguido pelos colegas em sala de aula.

"Há outras vítimas na sala, um bolsista miserável que logo desistirá do colégio por não suportar a zombaria ao ir à aula usando chuteira porque lhe faltam outros calçados; um barrigudinho a quem chamam zé-gotinha; ou o guri sardento que puxa esterco na propriedade rural do pai em Alecrim, guri a quem chamam agroboy, que nem chega a ser um apelido feio, mas incomoda porque é dito com escárnio. É tão bom quando o escracho vai contra os outros infelizes. Vitor se une aos oligofrênicos, xinga com eles, gargalha com eles, a voz covardemente diluída no coro. Vai para casa sentindo-se péssimo. À noite, dorme o sono dos neuróticos. Mal desperta pela manhã, é afligido pela familiar queimação dos pavores de enfrentar mais um dia sem saber de que apelidos os colegas o chamarão ou quantas caricaturas terá de apagar do quadro-negro. [...]" (p. 21)

Certamente o leitor irá se identificar com alguns dos percalços e/ou conquistas do protagonista, como é comum nessa fase de transição da vida, quando o ritmo das mudanças é tão acelerado que muitas vezes nem percebemos o impacto em nosso futuro, no caso de Vitor: a perda da virgindade com uma prostituta e a primeira namorada mais séria, Linete Motoca, que ajudará no seu crescimento emocional, assim como a experiência profissional em uma construtora, nem sempre agradável, durante as férias escolares: "O início ali foi parecido com início de ano letivo no colégio, com a diferença de que na firma pagariam para ele ficar lá desde a uma e meia até as cinco e meia da tarde." 

"Na última noite de sábado de abril, ele vai na Zona do Camargo com Pedro e um dos colegas de Pedro no taekwondo, Dedablio, que os leva de carro ao prostíbulo, um sobrado de dois pisos na ponta de uma estradinha de barro que ladeia um laguinho de água preta em um terreno cercado de arama farpado. Pedro e o outro lhe explicaram que dá para tirar uma casquinha das prostitutas sem pagar, basta chegar numa mulher e arrancar uma amostra do serviço dela. / Os três entram no recinto de paredes roxas, Pedro e Dedablio se arranjam com duas mulheres enquanto Vitor, acanhado, aproxima-se de uma prostituta que está sozinha, escorada no balcão do bar. Este lugar é uma enorme estranheza, um mercadinho onde se vem para escolher mulheres como se fossem barras de sabão. As mãos dele estão moles e geladas, a visão oscila; até o garçom percebeu que ele é virgem. Ele solta um oi engasgado, tenta beijar a mulher, erra a boca dela, encosta os lábios no queixo, sente o gosto ruim da maquiagem dela." (pp. 29-30)

Literatura brasileira contemporânea
Sobre o autor: Rodrigo Andrigheto nasceu em 1979 em Santa Rosa/RS. Formou-se em Jornalismo pela Universidade Federal de Santa Catarina e deixou o curso de Letras incompleto, na mesma instituição. Mudou-se para a Ásia em 2019. Vive em Tóquio, Japão, onde ensina Língua Inglesa em escolas japonesas.

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