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Mariana Higa - Cavala,

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Mariana Higa - Cavala, - Editora Patuá - 158 Páginas Capa e Projeto Gráfico: Henrique Lourenço - Lançamento: 2025. O corajoso romance de estreia de Mariana Higa aborda o direito ao controle do próprio corpo, um direito frequentemente negado a mulheres e meninas vítimas de abuso sexual e violência doméstica. Essa realidade se torna ainda mais evidente em regiões isoladas, no interior do país, onde desigualdades econômicas e sociais perpetuam as agressões, frequentemente culminando em maternidades não desejadas. Nessas circunstâncias, em famílias religiosas, a interrupção da gravidez sequer é cogitada, mesmo diante de casos de estupro cometido por membros da própria família. A despeito da decisão de realizar ou não o aborto, a sentença é cruel e definitiva: a menina deixa de existir, transformando-se em uma mulher devastada, sem perspectivas de futuro. Izabel, a protagonista-narradora, engravida aos doze anos em um pequeno sítio no interior de Minas Gerais nos anos 1950. Ela é conduzida ...

Lara Haje - Eu não disse

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Lara Haje - Eu não disse - Editora Cachalote - 136 Páginas - Ilustração de Carolina Nogueira - Lançamento: 2024. Os contos de Lara Haje, em sua estreia na ficção, podem ser lidos de forma independente, contudo o leitor logo perceberá as conexões entre os mesmos personagens que vão sendo reveladas aos poucos, fazendo com que o conjunto de narrativas isoladas e não lineares se transforme em um romance, um processo que requer habilidade na condução das histórias que se cruzam de forma envolvente. Adicionalmente, a polifonia resultante da alternância das vozes dentro de uma mesma estrutura familiar é uma estratégia da autora para oferecer múltiplas perspectivas, enriquecendo a trama e aprofundando a compreensão dos eventos sob diferentes ângulos. Os temas explorados refletem o cotidiano de uma família de classe média, abordando questões recorrentes na sociedade contemporânea. No conto "Espelho" , por exemplo, a protagonista, uma adolescente de treze anos, assume o protagonismo de...

Paula Poc - Artrópode

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Paula Poc - Artrópode - Editora Patuá - 180 Páginas - Capa, projeto gráfico e diagramação: Fernando Campos - Lançamento: 2024. Paula Poc surpreende com a sua prosa poética que utiliza diferentes técnicas narrativas para contar a inusitada história de uma mulher que se apaixona por um inseto. O texto mescla fluxo de consciência, poemas, entradas de diário e cartas, enquanto incorpora definições científicas que adquirem tons oníricos ao longo do livro. Essa fusão entre sonho e realidade permeia toda a obra, tornando o projeto literário da autora difícil de resumir ou categorizar, tanto em sua forma quanto em seu conteúdo. Apesar da inspiração kafkiana da trama nos fazer lembrar do clássico personagem Gregor Samsa e sua improvável metamorfose, em Artrópode as tranformações ocorrem no interior da protagonista-narradora que tenta compreender e superar as perdas amorosas como um processo de evolução. "Te vejo sentado, nitidamente desconfortável, as asas apoiadas formando um ângulo esqu...

Luiza Fariello - Hoje, deserto

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Luiza Fariello - Hoje, deserto - Editora Patuá - 116 Páginas - Capa, diagramação e projeto gráfico: Roseli Vaz - Lançamento: 2024. Os contos de Luiza Fariello tratam com sensibilidade as questões relacionadas à maternidade e outros desafios impostos às mulheres em uma sociedade na qual vivemos em um constante estado de solidão e vulnerabilidade —  como expressa o sugestivo título do livro    — , apesar das redes sociais que foram criadas pretensamente com o objetivo de aproximar as pessoas e atingem resultado oposto na prática. Em cada narrativa, as protagonistas se deparam com impasses emocionais e profissionais que algumas vezes as obrigam a desistir, levando-nos a interpretar o substantivo do título como verbo, no sentido de desertar, abandonar, fugir. Em qualquer dos casos, essas mulheres são desafiadas a superar suas próprias fragilidades e tomar decisões. No conto de abertura, " Parto" , Lenice enfrenta a estranheza e os problemas de adaptação com a filha adotiva, a...

Mylena Queiroz - Sangue de cabra

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Mylena Queiroz - Sangue de cabra - Editora Patuá - 120 Páginas - Capa e projeto gráfico: Juliana Estevo - Lançamento: 2025. Os contos de Mylena Queiroz são protagonizados por mulheres que precisam se adaptar a diferentes situações de violência em uma sociedade que, por egoísmo, comodismo ou simplesmente alienação, prioriza os homens, preferindo ignorar os pedidos de socorro das vítimas femininas. As consequências do patriarcado são um tema recorrente nos noticiários e na ficção, mas em "Sangue de cabra" as narrativas são construídas com base em influências da literatura fantástica argentina tais como Silvina Ocampo e, mais recentemente, Samanta Schweblin, autoras que sabem como criar um universo perturbador no qual sonho e realidade se confundem. O conto de abertura — que empresta o título ao livro — é um exemplo de cyberbullying escolar, uma prática de intimidação que amplifica os efeitos do assédio. Natália é obrigada a beber sangue de cabra por um grupo de rapazes mais ve...

Luís Pimentel - A viagem e outros contos

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Luís Pimentel - A viagem e outros contos - Editora Patuá - 104 Páginas - Capa, projeto gráfico e diagramação: Alessandro Romio - Lançamento: 2024. Ao ler os contos desta mais recente coletânea de Luís Pimentel, ficamos com a impressão de reconhecer os personagens em cenas típicas do cotidiano das nossas grandes cidades, conversando n o botequim da esquina, indo para o trabalho no transporte popular ou simplesmente caminhando pelas ruas, encontramos essa gente simples que sobrevive, apesar de tudo. É quando a mágica da literatura nos mostra que, quanto mais local o foco da narrativa, mais universal se torna a representação humana. Um exercício que é independente da origem ou época da narrativa. Exemplo disso é a descrição do amanhecer no bairro boêmio da Lapa no Rio de Janeiro e a chegada do compositor depois de uma noite de trabalho, uma pintura na abertura do conto "Eu sou assim" em memória de Wilson Batista (1913-1968): " A dançarina que perdeu um pé de sapato usa um ...

Milo Noronha Utsch - Corpo estranho

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Milo Noronha Utsch - Corpo estranho - Editora Patuá - 180 Páginas - Capa e projeto gráfico: Carla Heloisa - Fotografia de capa: Michael Seif (michaelseifphotos.com) - Lançamento: 2024. O romance de estreia de Milo Noronha Utsch tem um estilo próprio com base em influências da ficção especulativa, literatura fantástica, terror ou suspense, porém não se enquadrando em nenhuma dessas categorias. O protagonista, Élio, é um botânico que retorna depois de alguns anos à sua cidade natal, São Gonçalo do Rio Preto, no vale do Jequitinhonha, Minas G erais, contratado por uma farmacêutica multinacional para desenvolver um medicamento com base em uma planta tóxica da região chamada Ternura Vermelha. Élio relembra passagens de sua infância e adolescência que preferia esquecer quando reencontra Dalton, que trabalha como caseiro na construção que funciona como base de pesquisa para a equipe enviada, formada pelo próprio Élio,  Samuel, Ítalo e Raquel.  Uma das funções do time de pesquisadores...

Ana Raja - As dores delas

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Ana Raja - As dores delas - Editora Urutau - 124 Páginas - Capa de Victor Azevedo sobre fotografia de Megan Ruth - Lançamento: 2024. O romance de estreia de Ana Raja tem como base um homem que mantém simultaneamente duas famílias; situação decorrente de uma sociedade na qual o machismo estrutural ainda é muito presente, perpetuando a desigualdade de gênero. A autora conduz a narrativa do ponto de vista de Laura, filha da segunda e mais recente família, que é condenada à invisibilidade, apesar de desejar conviver com as irmãs. Na outra ponta dessa chamada vida dupla, o homem, não nomeado, preserva uma relação familiar paralela com quatro filhas: Ana, Salete, Verônica e Sandra, cada uma descobrindo e reagindo ao seu próprio modo à situação imposta pelo pai e que, aos poucos, vai sendo descoberta por todas as personagens  (cinco filhas e duas esposas). As reflexões da narradora sobre a divisão do homem demonstram uma das questões abordadas no livro: "Um ser sobrevivendo em dois lares...

Henrique Lamas - Em chamas

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Henrique Lamas - Em chamas - Editora 7Letras - 268 Páginas - Lançamento: 2024. O livro de estreia de Henrique Lamas é uma coletânea de contos que surpreendem devido à liberdade criativa do autor ao compor uma mistura de elementos narrativos a partir de diferentes épocas, permitindo-se utilizar personagens e eventos históricos reais em confronto com outros  imaginários, influenciado pela literatura do absurdo ou surrealista, um estilo no qual sonho e realidade se confundem. Por exemplo, no conto de abertura, "Nos trilhos do trem" , a guerra de Canudos liderada por Antônio Conselheiro e imortalizada pela obra "Os Sertões" de Euclides da Cunha, serve de argumento quando a protagonista em 1896 tenta avisar sobre o envio do exército para vencer a resistência da comunidade sertaneja, finalmente massacrada. Já no conto de maior extensão e que empresta o título ao livro, "Em chamas" , o incêndio que destruiu a sede do Museu Nacional na Quinta da Boa Vista em 2018...

Vicente Humberto - Caixa de vazios

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Vicente Humberto - Caixa de vazios - 152 Páginas - Editora Ficções - Capa: Adriana Conti Melo Projeto gráfico: Alonso Alvarez - Lançamento: 2025. A mais recente coletânea de poemas de Vicente Humberto, dividida em três partes: "Uma árvore quase pronta" , "Fazenda harmonia" e "Sombra feliz" , me parece resultar das reflexões de um homem maduro sobre essa coleção de vazios que acumulamos ao longo da vida, justamente quando percebemos que o balanço de perdas e ganhos pode resultar em uma solidão  por vezes desejada, como nos versos de Teoria (p. 34): "A vida / Entristece / Sem pressa / Tudo depende de um / Referencial / Percepções diferentes / Movimento e repouso / Sinto falta da solidão / Celebro" .  E, no entanto, há espaço para a renovação, como o poeta diz em 3 de fevereiro (p. 73): "[...] E o privilégio de não pensar / em nada / Faz pensar tanta coisa / Eu me dou de presente / O café preto que preparei / Alheio / O horizonte atrás / Da ...