Vicente Humberto - Caixa de vazios
A mais recente coletânea de poemas de Vicente Humberto, dividida em três partes: "Uma árvore quase pronta", "Fazenda harmonia" e "Sombra feliz", me parece resultar das reflexões de um homem maduro sobre essa coleção de vazios que acumulamos ao longo da vida, justamente quando percebemos que o balanço de perdas e ganhos pode resultar em uma solidão por vezes desejada, como nos versos de Teoria (p. 34): "A vida / Entristece / Sem pressa / Tudo depende de um / Referencial / Percepções diferentes / Movimento e repouso / Sinto falta da solidão / Celebro".
E, no entanto, há espaço para a renovação, como o poeta diz em 3 de fevereiro (p. 73): "[...] E o privilégio de não pensar / em nada / Faz pensar tanta coisa / Eu me dou de presente / O café preto que preparei / Alheio / O horizonte atrás / Da copa das árvores / Promete amanhecer // A paz faz as pazes comigo / E desculpa minhas culpas / Estou hoje inefável / Como se estivesse para nascer". A simplicidade da definição em Poeta (p. 53) nos faz lembrar de Mário Quintana: "O poeta / É um condutor de almas / Lava as palavras / De nada / Depois seca / As lágrimas no varal".
Deixo vocês com alguns exemplos da poesia livre de regras e rimas de Vicente Alberto, bem resumida em Carta ao editor (p. 31): "[...] Da euforia ao encanto / Do desprezo ao espanto / Do louvável ao indigno / Digo / Ou me exponho de fato / E canto / Compartilho / Valado / Meus tantos lados / Comigo / Ou fico contido / Calado rabiscando / Rabiscos / Ou corro riscos e desisto / De existir / E existo".
Tempo
Hoje amanheci
Com vontade de chorar
Vulnerável
Engenhei uma represa
Que soubesse conter
Lágrimas
Deu certo
Até um certo nome
Largo
Adoro
Quando você
Não diz que me ama
Mas
Entra muda
Na ponta dos pés
Adivinhando o escuro
E como uma pluma
Pousa seu corpo
Ao lado do meu
Adoro seu silêncio
Quando você
Passa as mãos
Passeando
Nos meus
Cabelos
E beija minha testa
E toda alegria do mundo
Alarga
Invade o largo
Da minha alegria
Buquê
Agora que todas
As minhas folhas
Estão no chão
O benefício de fechar
Os olhos
E não pensar
Em nada
O perfume
Porque
A vida
Exala
Enquanto crianças
Desenham flores
Nas paredes
Da sala
Noite
Noite lenta interminável
Apressa os passos
E passa
Por favor
Amanheça
Lá longe
Onde quem sabe
Londres
Alguém
A esta hora
Insiste em dizer
Às vezes é melhor morrer
Que padecer acordado
À espera longa do amanhecer
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