Clarice Lispector e Ana Cristina Cesar
Clarice e Ana, tão separadas no tempo e no espaço, vidas de caminhos diferentes, mas com alguma coisa semelhante no olhar. A busca pela linguagem, seja prosa ou poesia, de uma imagem indefinida, um sentimento difícil de captar. Cada uma do seu jeito, cada uma com seu olhar.
Disse Clarice:
“Uma vez eu irei. Uma vez irei sozinha, sem minha alma dessa vez. O espírito, eu o terei entregue à família e aos amigos com recomendações. Não será difícil cuidar dele, exige pouco, às vezes se alimenta com jornais mesmo. Não será difícil levá-lo ao cinema, quando se vai. Minha alma eu a deixarei, qualquer animal a abrigará: serão férias em outra paisagem, olhando através de qualquer janela dita da alma, qualquer janela de olhos de gato ou de cão. De tigre, eu preferiria. Meu corpo, esse serei obrigada a levar. Mas dir-lhe-ei antes: vem comigo, como única valise, segue-me como um cão. E irei à frente, sozinha, finalmente cega para os erros do mundo, até que talvez encontre no ar algum bólide que me rebente (...)"
E disse Ana:
Flores do Mais
devagar escreva
uma primeira letra
escrava
nas imediações
construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
devagar escreva
uma primeira letra
escrava
nas imediações
construídas
pelos furacões;
devagar meça
a primeira pássara
bisonha que
riscar
o pano de boca
aberto
sobre os vendavais;
devagar imponha
o pulso
que melhor
souber sangrar
sobre a faca
das marés;
devagar imprima
o primeiro
olhar
sobre o galope molhado
dos animais; devagar
peça mais
e mais e
mais
Comentários
Clarice, Cristina e porque não, Carla?
"Garrancho em rodapé"
Chupei das árvores fofas
E das nuvens
Gordas e gotículadas
A essência e o
Milagre.
Verti deste rio
Que não sacia a
Garganta e os olhos
O inevitável.
Bebi do céu e
Dei de me deliciar
Com estrelas.
E acabei assim.
Poeta.
(Carla Guedes - Verso in´verso)
um abraço,
clara lopez
Uma - Clarice - se desprendendo e dividindo (Um meio de se obter é não procurar, um meio de ter é o não pedir e somente acreditar que o silêncio que se crê em você é resposta ao seu mistério.).
E a Cristina se liquefazendo visceralmente em poesia.
Meu caro amigo, você é terrível e perspicaz na descoberta de padrões. Receba meus parabéns e um grande abraço.
"São duas mulheres que viveram em êxtases sucessivos proporcionados pela palavra. Chegaram ao limite do seu ser."
Por outro lado, a partir das semelhanças, as diferenças avultam, nao é? Primeiro, de estatura pois Clarice cria um novo paradigma - todos os seus livros sao importantes, exceçao feita a A Hora da estrela - e Ana desenvolve o que ja é dado por sua geraçao, globalmente. E sua poesia so aparece se lida também globalmente. Nao consigo identificar um grande poema seu que, isoladamente, pudesse medir-lhe o valor. Na verdade, o que me incomoda em Clarice é o tom over que, se foi choque na época, hoje justamente aponta a uma época, é datado. Interpreto que justamente essa falta de sobriedade foi sua marca, necessaria no momento. Mas, como disse, marca um momento. Ja Ana Cristina, usa a ironia para se proteger dessa exacerbaçao clariciana. Aparece como mais adulta, mais dentro da famosa vida verdadeira, que Clarice tanto perseguiu, menos crente em essências e verdades e iluminaçoes e transcendências. Mais moderna, no sentido historico do termo. Como se Clarice, no fundo, ainda esperasse salvaçao, uma descoberta, uma aletheia, para usar uma de suas expressoes. Claro que fui clariciana, emocionei-me com Uma aprendizagem, fiz meu exemplar de agua Viva, todo anotado, rodar por meus amigos, que deviam também fazer anotaçoes... Mas "a dura realidade dos fatos", digamos assim, tirou-me dessa viagem. Ja quando conheci de fato Ana C., foi como se encontrasse uma interprete...tudo o que eu queria ser: emoçao domada, disciplinada, porque bronca é arma de otario...nao é nao? Abraços e merci,
Eliana
Abraço
Olhando ontem o "Almanaque das Letras", Ano 1 - n. 2 - Jan/2008, não pude deixar de retornar à página para pequeno parecer, pois o texto da Clarice, conforme segue, retornou a minha memória que nosso caro Monteiro Lobato, na década de 50 a prever que os cabelos das mulheres um dia ainda seriam 'lisos', em um momento histórico futuro (nem tão longe assim, haja visto as 'escovas japonesas' e nem conto que o obsorvi...hehe).
Que importante visão tinham nossos caros LOBATO e CLARICE quando se tratava de questionamentos de estereótipos femininos e seus estímulos sociais.
Segue o texto do referido almanaque:
"Clarice escrevia para as colunas femininas sob pseudônimos. Os "disfarces" eram: Tereza Quadros, nos anos 50, para a coluna "Entre mulheres", do jornal "Comício"; Helen Palmer, no "Coreio da Manhã", de 1959 a 1961. A escritora foi ainda a 'ghost-writer' de Ilka Soares na coluna de moda do "Diário da Noite", noa anos 60. A história es´ta contada em "Correio Feminino", da Rocco, antologia com reproduções em fac-símiles das páginas, com organização de Aparecida M Nunes.
EXPERIMENTE:
"Estou hoje mais com jeito para conversinha mole, dessas partidas, à vontade, sem o menor ar de "discurso"... Não gosto de monólogo, de modo que até me parece ouvir sua voz me respondendo
, concordando ou discordando de mim. Que é que você ahca, por exemplo, dessa moda de franjinha meio boba, meio desfiada, meio de lado na testa, meio "como quem não quer nada?" Pois há dis que me parece o ideal. Tal franjinha mistura um ar de preguiça com um toque de exótico, e às vezes dá a impressão de deusa bem despenteada que o vento despenteou. (...)".
Boa semana a todos!