Junichiro Tanizaki - Voragem
"Ah, é verdade: lembrei-me agora de que foi por esses dias que terminei a pintura da deusa Kannon e a mostrei ao meu marido.
— Então, essa é a Mitsuko... Aliás, estou surpreso: seu trabalho está excelente! — comentou ele durante o jantar, entre uma e outra porção de comida na boca, lançando olhares ao quadro aberto ao seu lado sobre o tatame. — Realmente, linda como uma pintura é bem a definição para a beleza da sua amiga. Mas você tem certeza de que o retrato se parece com ela? — perguntou, com expressão duvidosa.
— Claro! Tanto se parece que me criou os problemas de que já lhe falei. Só que a verdadeira Mitsuko tem, além desse ar espiritual, uma sugestão de sensualidade que suprimi por não ficar bem numa pintura japonesa — expliquei.
O quadro me dera um bocado de trabalho e eu mesma o considero bem executado. Meu marido não se cansava de repetir que era uma obra-prima. Seja como for, era a primeira vez que eu dedicava a uma obra tanto empenho e interesse desde o dia em que começara a estudar a arte da pintura.
— E se mandássemos emoldurar o quadro? Convidaríamos Mitsuko para vir vê-lo depois de pronto — sugeriru meu marido.
Concordei e, pretendendo conseguir um acabamento luxuoso com um especialista em Kyoto, deixei-o de lado por uns tempos. Depois, certo dia, contei a Mitsuko o que tencionava fazer.
— Mas se vai emoldurar o quadro de verdade, que tal trabalhar um pouco mais nele? Esse está até muito bom, o rosto se parece realmente comigo e tudo o mais, mas... noto algumas diferenças no corpo — queixou-se ela inesperadamente.
— Diferenças? Como assim?
— Diferenças, ora! É difícil explicar com palavras.
Ela estava apenas falando com franqueza, não tinha nenhuma intenção de se vangloriar, de dizer "sou muito mais bonita do que aquilo", o senhor entende? Parecia apenas vagamente desapontada, de modo que observei:
— Nesse caso, preciso ver seu corpo nu.
Ela concordou no mesmo instante:
— Pode ver."
Junichiro Tanizak - Voragem - Editora Companhia das Letras - 248 páginas - Tradução de Leiko Gotoda - capa de Raul Loureiro - Lançamento 2001 (título original Manji - 1931).
O trecho acima, extraído do romance Voragem de Junichiro Tanizaki (1886-1965), explica melhor do que qualquer resenha o estilo do mestre japonês moderno. Este romance narra o triângulo amoroso entre a jovem Sonoko Kakiuchi, seu marido Eijiro Kakiuchi e a bela Mitsuko. A visão de Tanizaki é influenciada pela literatura ocidental de Poe, Baudelaire e Oscar Wilde, mas sempre refletindo ou criticando a cultura tradicional do Japão. O estilo de Tanizaki não obedece ao lirismo clássico de Yasunari Kawabata (1899-1972) que foi o primeiro autor japonês a ganhar um prêmio Nobel em 1968.
O trecho acima, extraído do romance Voragem de Junichiro Tanizaki (1886-1965), explica melhor do que qualquer resenha o estilo do mestre japonês moderno. Este romance narra o triângulo amoroso entre a jovem Sonoko Kakiuchi, seu marido Eijiro Kakiuchi e a bela Mitsuko. A visão de Tanizaki é influenciada pela literatura ocidental de Poe, Baudelaire e Oscar Wilde, mas sempre refletindo ou criticando a cultura tradicional do Japão. O estilo de Tanizaki não obedece ao lirismo clássico de Yasunari Kawabata (1899-1972) que foi o primeiro autor japonês a ganhar um prêmio Nobel em 1968.
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Comentários
Sem dúvida, uma excelente lembrança o romance “Voragem”, do mestre Junichiro Tanizaki, que, no ocidente, tornou-se conhecido pelo seu romance “Há quem prefira as urtigas”, no qual reavalia a cultura japonesa, além de constituir-se numa ode à beleza, com sua prosa forte e concisa.
Parabéns pela sugestão de “Voragem”.
Grande abraço,
Pedro.
Belo texto.
Tudo emocionante por aqui, sempre.
Boa semana.
Lígia Guedes.