J.M. Coetzee - Homem Lento

Prêmio Nobel Literatura
J.M. Coetzee - Homem Lento - Editora Companhia das Letras - 280 páginas - Lançamento 18/06/2007 - Tradução de José Rubens Siqueira.

Paul Rayment é um típico protagonista desesperançado de Coetzee, um personagem triste e solitário, fotógrafo aposentado aos sessenta, divorciado e sem filhos, também sem parentes próximos e pais já falecidos. Bem, a sua vida está para piorar muito quando ao voltar de suas compras rotineiras, de bicicleta, recebe uma violenta colisão de um carro dirigido por um jovem. O acidente que abre o romance terá consequências trágicas para Paul Rayment que, antes que possa perceber o que está ocorrendo, sofrerá uma intervenção cirúrgica de emergência e a amputação de sua perna direita, uma continuação brutal do acidente e que mudará radicalmente a sua forma de encarar as perdas.
"O choque o colhe pela direita, duro, surpreendente e doloroso, como uma faisca elétrica, e levanta seu corpo da bicicleta. Relaxe!, ele diz a si mesmo enquanto voa pelo ar (...) Como um gato, diz a si mesmo: role, depois se ponha de pé, pronto para o que vier em seguida (...) Mas não é bem assim que as coisas acontecem. Seja porque suas pernas desobedecem, seja porque de momento está tonto (ouve, mais do que sente, o impacto do crânio no asfalto, distante, oco, como um golpe de marreta), ele absolutamente não se levanta; ao contrário, desliza metro após metro, sem parar, até se sentir quase embalado pelo deslizar."
A maneira como Coetzee conduz o início do romance, do acidente até os primeiros cuidados no hospital, é simplesmente magistral. O nosso pobre protagonista está entregue à própria sorte em um mundo onde tudo parece estar envolto em uma "brancura inexorável" e tenta manter a sua dignidade, coisa que ele logo descobrirá ser impossível na sua condição atual. Esta luta contra a enfermidade, a velhice e a morte próxima é o tema principal deste romance, mas é uma luta muito desigual e injusta, como Coetzee não faz questão de esconder:
"O amor que ele pudesse ter tido pelo próprio corpo há muito desapareceu. Não tem interesse em consertá-lo, fazer com que volte a alguma eficiência ideal. O homem que era é apenas uma lembrança, e uma lembrança que depressa se apaga. Ainda tem a sensação de ser uma alma com uma vida anímica não diminuída; quanto ao resto, ele é apenas um saco de sangue e ossos que é forçado a carregar."
Paul Rayment tenta se agarrar a tudo o que ainda possa resgatar a sua humanidade ameaçada, inclusive a busca pelo amor na forma que for possível, mesmo que na imagem da enfermeira Marijana, imigrante croata casada e com três filhos, que o acompanha em casa durante a reabilitação.
"Um homem e uma mulher em uma tarde quente, por trás de portas fechadas. Podiam estar realizando um ato sexual. Mas não é nada disso. É apenas enfermagem, apenas cuidados (...) Uma frase da aula de catecismo de meio século atrás flutua em sua mente: 'não haverá mais homem e mulher, mas...' Mas o quê — o que seremos quando estivermos além de homem e mulher? Impossível para a mente mortal conceber. um dos mistérios."
Uma outra personagem famosa de dois romances anteriores do autor, a escritora Elizabeth Costello, alterego de Coetzee (ler aqui resenha do Mundo de K), entra na trama de maneira original e surpreendente, ajudando Coetzee a desenvolver as questões éticas e filosóficas da situação de Paul Rayment e a questão dos limites estreitos entre realidade e ficção.

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