Junot Díaz - é assim que você a perde

literatura  contemporânea latino-americana

Junot Díaz - This is How you Lose Her - Editora Riverhead Books - Lançamento original em inglês em 2012 (Publicado no Brasil pela Editora Record em 2013 com o título "é assim que você a perde", 224 páginas, tradução de Flavia Anderson).

Junot Díaz ganhou os prêmios National Book Critics Award de 2007 e Pulitzer de Ficção de 2008 com o seu romance de estreia, "The Brief and Wondrous Life of Oscar Wao" (ler aqui resenha do Mundo de K), além disso conseguiu a primeira colocação no ranking preparado pelo site de cultura da BBC para os melhores romances do século XXI até o momento. Logo, esse lançamento foi cercado de expectativa pelo mercado editorial na época e, mais uma vez, foi sucesso de crítica, finalista no National Book Award de 2012, incluído na lista dos mais vendidos do New York Times e em várias seleções de melhores lançamentos do ano, entre elas as listas do próprio New York Times, Washington Post, Huffington Post e Time Magazine, consolidando o autor como um dos nomes mais importantes da literatura  contemporânea hispano-americana.

Novamente o tema de Junot é a sofrida vida dos imigrantes hispânicos nos EUA, divididos entre duas culturas. Uma coletânea de contos que bem poderia ter sido publicada como romance já que, apesar de formado por nove narrativas curtas independentes, mantém um fio condutor que as une, em sua quase totalidade, ao mesmo protagonista, o jovem Yunior da República Dominicana. Apesar das dificuldades por que passam os personagens na luta pela felicidade em um país estranho, o tom geral do texto é sempre bem-humorado e a prosa corrida do autor, que dispensa o uso de parágrafos ou aspas para os diálogos, faz com que a leitura seja agradável e difícil de interromper. Outra característica é a inserção de palavras em espanhol no livro original escrito em inglês (na tradução para o português este efeito é suavizado pela maior semelhança entre o português e espanhol).

Em "Invierno" ficamos conhecendo o impacto da chegada em um país estrangeiro por meio dos olhos de uma criança. Uma história, como muitas outras, de trabalhadores que partem para "fazer a vida" nos EUA, vivem sozinhos durante muitos anos e finalmente conseguem trazer o restante da família, nesta altura mal reconhecendo os próprios filhos que encontrarão um cotidiano pretensamente melhor do que o que tinham no país de origem. O inverno é o símbolo do isolamento de Yunior e o irmão mais velho, assim como a mãe eles não têm outra alternativa do que passar os dias assistindo TV ou observando o estranho novo mundo nevado pela janela, ainda sem escola ou amigos.
"Como não deixavam que saíssemos de casa — está frio demais, justificara Papi uma vez, mas, na verdade, não havia motivo algum, exceto ele não estar a fim de permitir —, a gente se sentava a maior parte do tempo na frente da TV ou ficava contemplando a neve, naqueles primeiros dias. Mami limpava tudo umas dez vezes e preparava uns almoços bem esmerados. Todos nós mudos, de tão entediados. (...) Desde o início, Mami tinha concluído que ver TV era proveitoso; bom para aprender o idioma. Ela via nossas mentes jovens como girassóis radiantes e pontiagudos em busca de luz, e nos colocava o mais perto possível da televisão, para aumentar ao máximo a nossa exposição. A gente assistia a noticiários, programas humorísticos, desenhos, 'Tarzã', 'Flash Gordon', 'Jonny Quest', 'Os Herculoides', 'Vila Sésamo' — oito, nove horas de TV por dia, mas as melhores lições vinham mesmo de 'Vila Sésamo'. Cada palavra que o meu irmão e eu aprendíamos, treinávamos um com o outro, repetindo diversas vezes, aí, quando Mami pedia que lhe disséssemos como pronunciá-la, balançávamos as cabeças e falávamos, Não esquenta com isso não." (pág. 136)
No único conto não relacionado com Yunior, "Otravida, otravez" a narrativa, em primeira pessoa, passa para uma "veterana", apesar de ter apenas vinte e oito anos, na arte de sobreviver no isolamento. Yasmin conhece o mundo somente por meio de uma lavanderia de hospital onde trabalha muito duro para se manter. Uma esperança de melhorar de vida vem da relação com Ramón, um imigrante mais velho que recebe cartas da esposa que deixou na República Dominicana. Ele está prestes a conseguir comprar uma casa, um sonho de todo imigrante nos Estados Unidos, será que existe um futuro para Ramón e Yasmin?
"Trabalho a dois quarteirões dali, no hospital St. Peter. Nunca me atraso. Nunca saio da lavanderia. Nunca saio da fornalha. Coloco a roupa nas lavadoras, nas secadoras retiro a camada de fiapos que se forma na tela, encho de sabão em pó os dosadores. Coordeno quatro funcionárias, ganho um salário de americano, mas dou um duro danado. Separo pilhas de lençóis com mãos enluvadas. As assistentes hospitalares — a maioria morena — trazem os lençóis. Nunca vejo os doentes, que só me visitam através das manchas e das marcas que deixam na roupa de cama, o alfabeto dos doentes e moribundos. Muitas vezes as manchas são tão profundas que tenho que jogá-las no cesto especial. Uma das meninas de Baitoa me contou que ouviu dizer que tudo o que se coloca ali é incinerado. Por causa da aids, sussurra. Numas ocasiões as manchas se mostram oxidadas e velhas, noutras, o sangue vem com um cheiro forte, como a chuva. Seria de pensar, com todo o sangue que a gente vê, que está rolando uma baita guerra no mundo. Só a que rola dentro dos corpos, diz a garota nova." (págs. 66 e 67)
É preciso segurança para desenvolver todo um conto em uma estrutura narrativa centrada na segunda pessoa como em "Guia Amoroso do Traidor" que fecha o livro (leiam o trecho abaixo). Assim como outros contos, este também tem como argumento os fracassos amorosos de Yunior, sempre por conta da sua compulsão pelo sexo, uma tendência familiar decorrente do sangue quente latino que o faz trair as suas companheiras como um verdadeiro canalha, pelo menos é assim que ele pensa e explica o comportamento auto-destrutivo que o leva finalmente a um estado de desespero e solidão.
"Você tenta usar todas as artimanhas possíveis para ficar com ela. Escreve cartas. Leva-a para o trabalho de carro. Cita Neruda. Escreve um mega e-mail repudiando todas as suas 'sucias'. Bloqueia os e-mails delas. Muda seu número de telefone. Para de beber. Para de fumar. Argumenta que é viciado em sexo e começa a frequentar as reuniões. Culpa o seu pai. Culpa a sua mãe. Culpa o patriarcado. Culpa Santo Domingo. Acha um analista. Cancela seu Facebook. Dá a senha de todas as suas contas de correio eletrônico para ela. Começa a ter aula de salsa, como sempre jurou que faria, para que vocês dois dancem juntos. Alega que estava doente, alega que havia sido fraco — Foi o livro! A pressão! — e, de hora em hora, como um relógio, diz que sente muito. Tenta de tudo, mas, um belo dia, a gata simplesmente se sentará na cama e dirá, 'Chega', e 'Ya', você vai ter que se mudar do apê no Harlem que compartilhava com ela. Você pensa até em fincar o pé. em ocupar ilegalmente o lugar. E chega a afirmar que não vai. Mas, no fim das contas, é o que faz." (pág. 186)

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