Sophia de Mello Breyner Andresen - Coral e Outros Poemas
Sophia de Mello Breyner Andresen - Coral e Outros Poemas - Editora Companhia das Letras - 392 Páginas - Seleção e Apresentação de Eucanaã Ferraz (Lançamento: 02/04/2018).
Muito pouco publicada no Brasil, a poeta Sophia de Mello Breyner Andresen (1919-2004) é uma das vozes mais importantes da literatura portuguesa, tendo sido a primeira mulher a ser agraciada com o Prêmio Camões em 1999. A antologia lançada agora pela Companhia das Letras, com seleção e apresentação de Eucanaã Ferraz, cobre toda a extensão da bibliografia da autora, dona de um estilo que provoca identificação imediata no leitor, uma poesia que é pura imagem, luz e mar.
Peço ajuda ao saudoso professor Massaud Moisés (1928-2018) que definiu tão bem a sensibilidade da poeta em "A literatura portuguesa" (Pág. 291): "O lirismo de Sophia é fruto de uma invulgar sensibilidade feminina que parece brotar das mesmas nascentes utilizadas pelos poetas simbolistas. Sempre disposta a 'olhar dentro das coisas', sua intuição se avigora na razão direta das profundezas que alcança, mas jamais se intelectualiza ou se desfeminiza. Ao contrário, 'encantada' pela aura mágica das coisas que contempla, seu universo poético abrange vastidões cósmicas, a principiar do mar, seu motivo preferido".
Já em seu livro de estreia, Poesia (1944), mesmo no difícil contexto histórico da Segunda Grande Guerra, os temas que marcariam toda a obra de Sophia já estão presentes, como destaca Eucanaã Ferraz em sua apresentação: "o mar, o jardim, as mãos, a noite, a luz, a mitologia grega" contudo, mesmo sem referência direta ao conflito, já no primeiro verso do poema inicial deste volume fica clara a consciência ética e política da poeta que alerta para as tragédias provocadas pelo homem moderno: "Apesar das ruínas e da morte" e a necessidade de continuar quando encerra o mesmo poema com a seguinte imagem, que resume a responsabilidade do artista: "E nunca as minhas mãos ficam vazias", que irá nortear todo o seu trabalho.
Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
De fato, a consciência política sempre esteve presente no trabalho de Sophia de Mello Breyner Andresen como fica muito claro nos três exemplos abaixo. Primeiramente, uma "homenagem" ao regime de Salazar em Portugal no poema "O velho abutre" que define tão bem os ditadores de todos os tempos, incluído em Livro Sexto (1962), também do mesmo livro selecionei "Exílio", um dos poemas mais lindos sobre o sentimento de patriotismo em tempos de opressão. Termino esta sequência com "25 de Abril", incluído em O nome das coisas (1977) sobre a famosa Revolução dos Cravos de 1974, um símbolo da luta pela liberdade.
O velho abutre
O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas
Exílio
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
É muito fácil se apaixonar pela pureza cristalina da palavra de Sophia, mesmo quando ela trabalha com temas complexos como a morte, afinal "quem poderá deter o instante que não para de morrer?" como ela já havia tão bem sinalizado em 'Brisa" do livro Mar Novo (1958) ou em "Poema" citado abaixo de Geografia (1967) onde retornam as referências principais de Sophia: "a terra, o sol, o vento e o mar", como símbolos da simplicidade da vida e da presença de Deus como a própria natureza, assumindo uma visão filosófica de Espinoza ("não trago Deus em mim, mas no mundo o procuro") que confronta com a certeza da sua morte, "cada dia preparada".
Poema
A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
Quem melhor do que a própria Sophia para definir a sua relação com a poesia, conforme esta citação de "Arte Poética II" (Pág. 362): "Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão. (...) É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato."
O Dia
Passa o dia contigo
Não deixes que te desviem
Um poema emerge tão jovem tão antigo
Que nem sabes desde quando em ti vivia
Citado de Ilhas (1989)
Peço ajuda ao saudoso professor Massaud Moisés (1928-2018) que definiu tão bem a sensibilidade da poeta em "A literatura portuguesa" (Pág. 291): "O lirismo de Sophia é fruto de uma invulgar sensibilidade feminina que parece brotar das mesmas nascentes utilizadas pelos poetas simbolistas. Sempre disposta a 'olhar dentro das coisas', sua intuição se avigora na razão direta das profundezas que alcança, mas jamais se intelectualiza ou se desfeminiza. Ao contrário, 'encantada' pela aura mágica das coisas que contempla, seu universo poético abrange vastidões cósmicas, a principiar do mar, seu motivo preferido".
Já em seu livro de estreia, Poesia (1944), mesmo no difícil contexto histórico da Segunda Grande Guerra, os temas que marcariam toda a obra de Sophia já estão presentes, como destaca Eucanaã Ferraz em sua apresentação: "o mar, o jardim, as mãos, a noite, a luz, a mitologia grega" contudo, mesmo sem referência direta ao conflito, já no primeiro verso do poema inicial deste volume fica clara a consciência ética e política da poeta que alerta para as tragédias provocadas pelo homem moderno: "Apesar das ruínas e da morte" e a necessidade de continuar quando encerra o mesmo poema com a seguinte imagem, que resume a responsabilidade do artista: "E nunca as minhas mãos ficam vazias", que irá nortear todo o seu trabalho.
Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão,
A força dos meus sonhos é tão forte,
Que de tudo renasce a exaltação
E nunca as minhas mãos ficam vazias.
De fato, a consciência política sempre esteve presente no trabalho de Sophia de Mello Breyner Andresen como fica muito claro nos três exemplos abaixo. Primeiramente, uma "homenagem" ao regime de Salazar em Portugal no poema "O velho abutre" que define tão bem os ditadores de todos os tempos, incluído em Livro Sexto (1962), também do mesmo livro selecionei "Exílio", um dos poemas mais lindos sobre o sentimento de patriotismo em tempos de opressão. Termino esta sequência com "25 de Abril", incluído em O nome das coisas (1977) sobre a famosa Revolução dos Cravos de 1974, um símbolo da luta pela liberdade.
O velho abutre
O velho abutre é sábio e alisa as suas penas
A podridão lhe agrada e seus discursos
Têm o dom de tornar as almas mais pequenas
Exílio
Quando a pátria que temos não a temos
Perdida por silêncio e por renúncia
Até a voz do mar se torna exílio
E a luz que nos rodeia é como grades
25 de Abril
Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo
É muito fácil se apaixonar pela pureza cristalina da palavra de Sophia, mesmo quando ela trabalha com temas complexos como a morte, afinal "quem poderá deter o instante que não para de morrer?" como ela já havia tão bem sinalizado em 'Brisa" do livro Mar Novo (1958) ou em "Poema" citado abaixo de Geografia (1967) onde retornam as referências principais de Sophia: "a terra, o sol, o vento e o mar", como símbolos da simplicidade da vida e da presença de Deus como a própria natureza, assumindo uma visão filosófica de Espinoza ("não trago Deus em mim, mas no mundo o procuro") que confronta com a certeza da sua morte, "cada dia preparada".
Poema
A minha vida é o mar o Abril a rua
O meu interior é uma atenção voltada para fora
O meu viver escuta
A frase que de coisa em coisa silabada
Grava no espaço e no tempo a sua escrita
Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro
Sabendo que o real o mostrará
Não tenho explicações
Olho e confronto
E por método é nu meu pensamento
A terra o sol o vento o mar
São minha biografia e são meu rosto
Por isso não me peçam cartão de identidade
Pois nenhum outro senão o mundo tenho
Não me peçam opiniões nem entrevistas
Não me perguntem datas nem moradas
De tudo quanto vejo me acrescento
E a hora da minha morte aflora lentamente
Cada dia preparada
Quem melhor do que a própria Sophia para definir a sua relação com a poesia, conforme esta citação de "Arte Poética II" (Pág. 362): "Pois a poesia é a minha explicação com o universo, a minha convivência com as coisas, a minha participação no real, o meu encontro com as vozes e as imagens. Por isso o poema não fala de uma vida ideal mas sim de uma vida concreta: ângulo da janela, ressonância das ruas, das cidades e dos quartos, sombra dos muros, aparição dos rostos, silêncio, distância e brilho das estrelas, respiração da noite, perfume da tília e do orégão. (...) É esta relação com o universo que define o poema como poema, como obra de criação poética. Quando há apenas relação com uma matéria há apenas artesanato."
O Dia
Passa o dia contigo
Não deixes que te desviem
Um poema emerge tão jovem tão antigo
Que nem sabes desde quando em ti vivia
Citado de Ilhas (1989)
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