Albert Camus - A Morte Feliz


Literatura francesa
Albert Camus - A Morte Feliz (La Mort Heureuse) - Editora Record - 192 Páginas - Tradução de Valerie Rumjanek - Lançamento: 19/03/2018.

Mais um livro da Editora Record em continuidade ao projeto de relançamento da obra completa do argelino radicado na França Albert Camus (1913-1960), Prêmio Nobel de Literatura de 1957, com todas as capas em novo e bonito projeto gráfico: “O avesso e o direito”, “O exílio e o reino”, “A inteligência e o cadafalso”, “A morte feliz”, “O mito de Sísifo” e “Estado de sítio”. No ano passado já haviam sido relançados: “O estrangeiro”, “A peste”, “O homem revoltado” e “Diário de viagem”.

"A morte feliz" é um romance breve que foi publicado postumamente em 1971 com base em fragmentos elaborados por Albert Camus no período de 1936 a 1938 e de forte cunho existencialista. O argumento principal, como é comum em grande parte da obra do autor-filósofo, é a inadaptação do homem ao meio em que vive, a busca pela felicidade, a sua consciência da morte e o sentido da própria existência. O autor parte de uma questão central no romance: o problema das relações entre o dinheiro e o tempo. Para ser feliz, é preciso tempo, muito tempo e precisamos de dinheiro para conseguir esse tempo, não o contrário. Uma morte feliz pressupõe uma vida feliz. O romance desenvolve essas questões em duas partes: "Morte natural" e "A morte consciente".

Na primeira parte, "Morte natural", o protagonista, Patrice Mersault, leva uma vida miserável e sem sentido quando conhece Roland Zagreus por meio de sua namorada Marthe. À princípio, Mersault tem ciúmes de Zagreus por ele ter sido o primeiro homem na vida de Marthe mas, ao saber que o mesmo passou a viver sozinho depois de um acidente no qual perdeu as duas pernas, passa a visitá-lo e torna-se seu amigo. Os dois conversam muito nas tardes de domingo e Mersault descobre que Zagreus mantém uma grande quantia escondida em sua casa, decidindo matá-lo para fugir em seguida com o dinheiro. 

Na verdade, o assassinato, que é narrado no capítulo inicial do romance, é praticamente induzido pela vítima, o próprio Roland Zagreus, que nunca conseguiu ter a coragem suficiente para cometer o suicídio. Nas suas conversas com Mersault ele revela onde o dinheiro está escondido e como a felicidade só é possível (desde que se tenha tempo) por meio do dinheiro já que, contraditoriamente, "ter dinheiro é liberar-se do dinheiro". A primeira parte do romance, portanto, trata dos anos de pobreza e "tempo perdido" de Mersault.
"Veja, Mersault, para um homem bem-nascido, ser feliz nunca é complicado. Basta retomar o destino de todos, não com a vontade da renúncia, como tantos falsos grandes homens, mas com a vontade da felicidade. Só que é preciso tempo para ser feliz. Muito tempo. A felicidade também é uma longa paciência. E, em quase todos os caso, gastamos nossa vida ganhando dinheiro, quando seria preciso ganhar o tempo através do dinheiro. Esse é o único problema que me interessou. É preciso. É claro." - Parte I - Morte natural - capítulo 4.
Na segunda parte, "A morte consciente", é evidenciado um grande contraste com a vida inicial de Mersault, sendo narrada a sua viagem pela Europa Central, primeiramente a estadia em Praga onde permanece um período em uma fase sombria de transição, decidindo finalmente retornar para Argel, via Gênova. Em Argel convive com três amigas, Catherine, Rose e Claire, na "Casa diante do mundo", mas só encontra a paz e a desejada solidão na região norte da Argélia, em uma localidade chamada de Monte Chenoua, a expectativa de uma morte feliz.   
"O mundo só diz uma única coisa. E, nessa verdade paciente que vai de estrela a estrela, reside uma liberdade que nos desliga de nós mesmos e dos outros, como nessa outra verdade paciente que vai da morte à morte. Patrice, Catherine, Rose e Claire tomam consciência então da felicidade que nasce de sua entrega ao mundo. Se essa noite é imagem de seu destino, admiram-se de que seja ao mesmo tempo carnal e secreto e que no seu rosto se misturem as lágrimas e o sol. E seu coração de dor e de alegria sabe ouvir essa dupla lição que leva à morte feliz." - Parte II - A morte consciente - capítulo 3
O romance "A morte feliz" é normalmente associado pela crítica como um esboço precursor de "O Estrangeiro", o livro mais famoso de Albert Camus, sendo que ambos os protagonistas têm nomes praticamente iguais: Mersault e Meursualt. O primor literário de algumas partes de "A morte feliz" justifica plenamente a sua publicação, mesmo que consideremos esses fragmentos mal conectados, como um tipo de rascunho, recusado como obra completa pelo autor em vida. 

Na minha opinião, Camus, que sempre se considerou mais um escritor do que filósofo, criou uma das frases mais belas de encerramento em toda a literatura — em um romance que acabou não publicando — e que evito citar por uma questão óbvia de spoiler, mas garanto que os amigos certamente irão concordar que vale por muitas obras completas contemporâneas.

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