Toni Morrison - Amada

Literatura norte-americana
Toni Morrison - Amada (Beloved) - Editora Companhia das Letras - 368 Páginas - Tradução de José Rubens Siqueira - Relançamento: 16/07/2018 (Ler aqui um trecho em pdf disponibilizado pela Editora).

Após o lançamento de seu romance Paraíso em 1997, a chamada de capa da edição de 1998 da revista Time (ver imagem abaixo) não poderia ter sido mais elogiosa: "The Sound and the Fury of Toni Morrison", em uma referência ao clássico "O som e a fúria" de William Faulkner. Poderia existir honra maior para um(a) autor(a) do que ser comparado(a) a Faulkner, mesmo já tendo recebido o Nobel de Literatura em 1993? E ainda mais, na mesma matéria o subtítulo declarava: "The Great American Storyteller", sabemos que existe uma verdadeira obsessão da mídia nos Estados Unidos em encontrar o próximo "grande romancista norte-americano", até mesmo Jonathan Franzen já foi capa da Time em 2010 com essa mesma chamada mas, exageros à parte, não há dúvida de que, Toni Morrison (1931-2019) ocupava a posição de maior escritor(a) vivo(a) nos EUA, também por resgatar a história, muitas vezes esquecida, das mulheres negras que sofreram com a escravidão e suas consequências em uma sociedade que, assim como a nossa, ainda procura se libertar da herança de um passado racista e patriarcal.

Literatura norte-americana
Em seu quinto romance, Amada, lançado em 1987, prêmio Pulitzer de literatura de 1988 e escolhido pelo New York Times como “o melhor livro de ficção norte-americano dos últimos 25 anos”, Toni Morrison nos faz lembrar da força do texto de Faulkner em romances como O som e a Fúria e Luz em Agosto ao utilizar, assim como ele, sofisticadas técnicas narrativas que revolucionaram a literatura moderna ocidental, tais como a polifonia e estruturas de tempo não lineares, para descrever a violência de um passado racista na região sul dos Estados Unidos, mesmo após a Proclamação de Emancipação de Abraham Lincoln em 1863, assinada durante a Guerra Civil Americana. Além do Nobel, a lista de prêmios recebidos pela autora é considerável, culminando em 2017 com a Medalha Presidencial da Liberdade, a mais alta honraria civil da nação, recebida das mãos do presidente Barack Obama e igualando-se a outros escritores do passado como: T. S. Eliot, John Steinbeck, Tennessee Williams e Maya Angelou, outra grande escritora e ativista da causa da integração racial.

No prefácio de Amada é a própria Toni Morrison quem explica o contexto de criação do romance quando, após abandonar o seu antigo emprego de editora, sentiu um "choque de liberação" que ela imaginou como um sinal do que poderia significar ser "livre" para as mulheres nos anos 80 e o evidente contraste com a história das mulheres negras no seu país, mulheres para quem o casamento era "desestimulado, impossível ou ilegal" só sendo permitido ter filhos com a finalidade única de reproduzir mais escravos, sem o verdadeiro sentido de maternidade que era uma aspiração "tão fora de questão quanto a liberdade". Foi então que Morrison conheceu a história real de Margaret Garner, uma jovem que, após fugir, foi presa por matar um de seus filhos (e tentar matar os outros), para impedir que fossem devolvidos ao regime de escravidão. Essa foi a inspiração brutal para escrever um livro sobre a escravidão e o direito à liberdade, a história de gerações de mulheres negras que tentaram sobreviver e esquecer o passado.

No início do romance, ambientado em 1873, uma época portanto já posterior ao final da Guerra Civil e a proibição oficial da escravidão nos Estados Unidos, encontramos Sethe, ex-escrava, que vive com a filha Denver e a sogra Baby Suggs em um casarão, chamado simplesmente de 124, no subúrbio de Cincinatti, Ohio. O isolamento das três e os estranhos fenômenos paranormais que ocorrem na casa, assombrada pelo fantasma de um bebê, passam a ser explicados em uma narrativa que oscila todo o tempo entre o presente e o passado, e por meio de diferentes pontos de vista de cada personagem, de forma que a história completa vai sendo revelada de forma gradativa, exigindo atenção redobrada do leitor.

Sethe e o marido, Halle, eram escravos em uma fazenda chamada Doce Lar no Kentucky a qual, depois da morte do proprietário, passa a ser administrada por um homem cruel, conhecido como professor pelos escravos remanescentes: Paul A, Paul D, Paul F, Halle, Seiso e Sethe (grávida na ocasião), além dos três filhos ainda pequenos de Halle e Sethe. O grupo de escravos, esgotado pelos maus-tratos, planeja uma fuga da fazenda e Sethe consegue, com muito sofrimento, alcançar o objetivo de chegar no casarão em Cincinatti, onde já vivia a sogra Baby Suggs. No caminho, ela passa por inúmeras dificuldades e se perde dos antigos companheiros da Doce Lar, inclusive do marido Halle. Os traumas vivenciados por Sethe na fazenda e também durante a fuga, quando ela dá à luz uma menina que irá se chamar Denver, fazem com que ela lute para esquecer o passado.
"Sethe abriu a porta e sentou na escada da varanda. O dia tinha azulado sem o sol, mas ela ainda conseguia divisar as silhuetas negras das árvores no campo adiante. Balançou a cabeça de um lado para outro, conformada com seu cérebro rebelde. Por que não havia nada que seu cérebro recusasse? Nenhuma miséria, nenhuma tristeza, nenhuma imagem odiosa detestável demais de se aceitar? Igual a uma criança gananciosa, seu cérebro agarrava tudo. Uma vez só não poderia dizer: não, obrigada? Detestei e não quero mais, não? Estou cheia, droga, de dois rapazes com musgo no dente, um chupando meu peito, o outro me segurando, o professor leitor de livros olhando e escrevendo. Ainda estou cheia disso, droga, não posso voltar atrás e juntar mais coisas." (Págs. 103 e 104)
De todas as lembranças e traumas, a mais difícil de esquecer é a morte violenta da pequena filha, ainda bebê, que havia chegado a salvo, juntamente com os outros dois filhos mais velhos, no casarão em Cincinatti. Essa filha é conhecida apenas pelo nome de Amada, como foi gravado em sua lápide. Dois novos personagens trazem de volta o passado que Sethe tanto precisa esquecer. O primeiro é um antigo companheiro da fazenda Doce Lar, Paul D, que também passou por muito sofrimento depois da fuga e oferece para Sethe a possibilidade de ainda encontrar um amor tardio em sua vida. Finalmente, surge a misteriosa e bela jovem negra que diz se chamar coincidentemente Amada e irá provocar novas revelações, fazendo renascer os sentimentos reprimidos de ódio e culpa que ainda permanecem na memória de todos.

A Editora Companhia das Letras presta uma merecida homenagem a essa obra-prima da literatura mundial com o relançamento do romance em um novo projeto gráfico que valoriza a obra de Toni Morrison pela simplicidade da capa. A tarja com o título e nome da autora é removível ficando apenas a imagem do perfil da mulher em negro contra o fundo branco. Um livro difícil de esquecer e muito recomendado para todos que se interessam por literatura.

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