Leonardo Almeida Filho - Tutano

Poesia brasileira contemporânea
Leonardo Almeida Filho - Tutano - Editora Patuá - 208 Páginas - Projeto gráfico e Diagramação de Leonardo Mathias - Lançamento: 2020.

Nesta bonita edição da Patuá, os poemas de Leonardo Almeida Filho dividem espaço com as fotografias de Wanderson Alves, que não se constituem apenas em mera ilustração para este livro, mas sim em verdadeiros "poemas iconográficos em branco e preto", autônomos em sua expressão artística porque "nos fazem refletir sobre o tempo, a existência, a morte, exatamente como faz um grande poema quando nos toca", esclarece o próprio Leonardo em sua nota de apresentação. 

Tutano é um título que expressa muito bem a matéria essencial dos versos; em uma das muitas acepções da palavra representa a medula óssea, responsável pela produçao das células do sangue que, em última análise, tem a função de oxigenar e defender o organismo, uma imagem que condiz muito bem com o fazer poético. E não há escolha quando a poesia nos pega assim desprevenidos, em plena crise, neste ano da pandemia, quando: "[...] Respiramos por que / de alguma maneira, / acreditamos / em morrer buscando um sentido / para o ato de respirar." (Fôlego, p. 27). 

O poeta sabe encontrar os seus versos, como fósseis escondidos "no sítio arqueológico da alma", descobrir novos significados para o que já não percebemos na anestesia do dia a dia ou, ainda mais importante, falar das coisas inexistentes: "[...] Nada sei de outono ou peixes, / só posso falar do meu sangue, / minha respiração, minha carne, / de sua natureza misteriosa, / seus arroubos, paixões, / e sua marca indelével / nas coisas inexistentes." (Lugar de falha, p. 41). Deixo com vocês três exemplos da poesia essencial de Leonardo Almeida Filho.


Tutano 

Para Antonio Damasio 

Há coisas que pedem silêncio, 

o mesmo silêncio das pedras no fundo do rio,

dos peixes nos igarapés, da aranha no paiol vazio,

a mudez das rochas e dos musgos.


Há coisas que devem permanecer caladas, intocadas,

entaladas na garganta como o choro que se engole

dissimulado, amargo.


Há coisas que pedem para serem engasgadas,

para ficarem dentro da gente como tutano, 

pulsando por se mostrarem vivas,

não mais que isso.


Há segredos que devem morrer sagrados,

ocultos, enterrados, como fossem fósseis

no sítio arqueológico da alma,

sob olhares quase-mortos

e cheios de tristeza e desencanto,

sem dor, lamento ou pranto.


Há coisas que exigem silêncio,

mas é sobre essas coisas que o poema berra,

que os versos uivam,

que as estrofes gritam

para quem as quiser ouvir

e se ensurdecer.


Resolução 


Eu, que não prometo,

há muito

deixei de cumprir

projetos

e sigo agora

só desejo

e substância,

que infere

um desígnio,

um fado,

um vaticínio.

Senhor deus dos inconclusos,

me curvo a teus pés

de barro cru,

sem dedos:

Há o tempo de honrar

a palavra,

e o tempo de desistir

dela.


Conversa com Drummond 


Não havia pedra

no meio

do caminho, Carlos.


Havia, sim, o caminho,

o medo,

(suas possibilidades)

e a terrível sensação

da pedra

ali no meio.


E de repente, meu poeta,

percebemos,

fatigados,

por trás das retinas,

que

a pedra

sempre fomos nós.


Sobre o autor: Leonardo Almeida Filho, também conhecido como LAF, (Campina Grande, 1960), é professor universitário, escritor, músico, artista plástico e reside em Brasília desde 1962. Mestre em literatura brasileira pela Universidade de Brasília (2002), publicou Graciliano Ramos e o mundo interior: o desvão imenso do espírito (EdUnB), 2008, O livro de Loraine (Edição do Autor, romance, 1998), logomaquia um manefasto (híbrido, 2008); Nebulosa fauna e outras histórias perversas (e-galaxia, contos, 2014), Babelical (poemas, Editora Patuá, 2018), Nessa boca que te beijo (romance, Editora Patuá, 2019) e Grande Mar Oceano (romance, Editora Gato Bravo/Portugal, 2019 - Editora Jaguatirica, Rio de Janeiro, 2019), além de contos, crônicas e poemas em revistas e jornais.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Tutano de Leonardo Almeida Filho

Comentários

Raitler Matos disse…
Esplêndido! Sucos do tutano!!
Alexandre Kovacs disse…
Raitler, obrigado pela visita e comentário!

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