Muriel Barbery - Uma rosa só

Literatura francesa contemporânea
Muriel Barbery - Uma rosa só - Editora Companhia das Letras - 176 Páginas - Tradução de Rosa Freire d'Aguiar - Capa de Kiko Farkas e Gabriela Gennari / Máquina Estúdio - Lançamento: 2022.

Os milhões de leitores e leitoras em todo o mundo que se encantaram com o romance A elegância do ouriço de Muriel Barbery não irão se decepcionar com este seu mais recente lançamento, apesar de serem livros bem diferentes, diga-se de passagem. Uma rosa só é o resultado da experiência adquirida pela autora após uma residência de dois anos em Kyoto que foi a capital do Japão de 794 à 1868, e pode ser considerada uma das protagonistas mais importantes do livro que conta com descrições detalhadas dos templos budistas e seus jardins, casas de chá e culinária japonesa, costumes locais, assim como as belezas naturais da cidade. 

O romance tem como base a viagem da botânica Rose a Kyoto, onde ela aguarda a leitura do testamento de seu pai, Haru, um marchand de arte japonesa contemporânea que ela nunca conheceu. Ela é conduzida por Paul, um belga que trabalhou como assistente de seu pai por muitos anos, e que foi incumbido de levá-la a conhecer a cidade por meio de um roteiro pré-estabelecido. Durante este período, ela conhece pessoas que conviveram com seu pai, além de Paul, como Keisuke Shibata, um pintor, poeta, calígrafo e ceramista local que quase nunca está sóbrio, Beth Scott, uma inglesa negociante de arte e Sayoko e Kanto, respectivamente a governanta e o motorista.

"Aos quarenta anos, Rose quase não tinha vivido. Em criança, crescera numa bela região rural, onde conhecera os lilases efêmeros, os campos e as clareiras, as amoras e os juncos de riacho; por fim, à tarde, sob cascatas de nuvens douradas e de aguadas cor-de-rosa, lá recebera a inteligência do mundo. Ao cair a noite, lia romances, de modo que sua alma era moldada por veredas e histórias. Depois, um dia, como se perde um lenço, ela perdera sua disposição à felicidade. [...] Não conhecera o pai, que a mãe abandonara logo antes de seu nascimento; diante dessa mãe, só sentira melancolia e ausência, daí ter se surpreendido, na sua morte, com a terrível dor. Cinco anos tinham se passado e ela se dizia orfã, embora soubesse que vivia em algum lugar um japonês que era seu pai. [...] De vez em quando, imaginava que ele pensava nela, outras vezes, como ela era ruiva de olhos verdes, convencia-se de que o Japão era uma invenção de sua mãe, de que seu pai não existia, de que ele nascera do vazio – não se afeiçoava a ninguém, ninguém se afeiçoava a ela, o vazio gangrenava sua vida da mesma maneira que a havia gerado." (pp. 23-24)

No início, Rose não consegue controlar a sua raiva e frustração por ter sido ignorada pelo pai ao longo de toda a vida. Somente aos poucos ela compreende os motivos que levaram a este afastamento e, desta forma, passa a conhecer melhor a si mesma, como expressado pela inglesa Beth Scott em uma passagem do romance: "O Japão é um país onde a gente sofre muito mas não presta atenção nesse sofrimento. Como recompensa dessa indiferença à infelicidade, a gente colhe estes jardins onde os deuses vêm tomar chá." e a conclusão óbvia, mas difícil de aceitar: "Se não estamos prontos para sofrer, não estamos prontos para viver."

"A música dos pinheiros a envolveu como uma liturgia, afogou-a nos galhos cheios de garras, nas torções em pontas de agulhas flexíveis; pairava uma atmosfera de cântico, o mundo se aguçava, ela perdia a noção do tempo. A chuva recomeçou, fina e regular, ela abriu o guarda-chuva transparente – em algum lugar na beira de sua visão algo se agitou. Passaram pelo pórtico, houve outra curva à direita e depois, diante deles, uma alameda. Longa, estreita, bordejada de arbustos de camélias e de rampas de bambus por cima de um musgo argênteo, delimitado, atrás, por altos bambus cinzentos, e tendo acima um arco de bordos, a alameda levava a um pórtico de teto de colmo e de musgo onde tinham plantado lírios e onde se enlanguescia o rendilhado das folhagens. Era, na verdade, mais que uma alameda; uma viagem, pensou Rose; um caminho para o fim ou para o começo. [...]" (p. 71)

Se Uma rosa só não tem a mesma narrativa bem-humorada e o carisma das personagens de A elegância do ouriço, por outro lado apresenta uma abordagem mais existencialista e profunda da autora sobre os dois temas principais do livro – amor e morte – no qual Muriel Barbery nos ensina a necessidade de aceitação da renovação da vida na fala de seu personagem Paul ao comentar sobre os jardins de Kyoto: "A vida é transformação. Estes jardins são a melancolia transformada em alegria, a dor transmudada em prazer. O que você vê aqui é o inferno feito beleza."

"Quando chegaram diante da lanterna vermelha de Kitsune, ela já não soube por que desejara ir lá. Kanto instalou-se no bar, ela se sentou em frente a ele, numa mesa para seis. O yakitori estava deserto. O cozinheiro veio vê-la. Same as last time but beer only, ela disse. Ele foi para a cozinha. Não expressara nenhuma emoção. Ela bebeu a primeira cerveja de um só gole, olhou ao redor. Via detalhes novos. Sobre o balcão, diante das garrafas de saquê, havia um velho telefone de disco; anúncios publicitários de metal enferrujavam aplicadamente; alguns cartazes de mangá estavam rasgados. Que homem era Haru para gostar de um lugar daqueles?, perguntou-se. Uma onda de ressentimento a fez pedir outra cerveja. Sentia-se só, cega, criticou-se por um excesso de sentimentalismo, zangou-se por ter esperado – mas esperado o quê?, pensou ao pedir uma terceira cerveja. Kanto lhe dava as costas, falava placidamente com o cozinheiro, ela sentia sua vigilância respeitosa, exasperava-se com isso." (p. 107)

Sobre a autora: Muriel Barbery nasceu em 1969. É autora de cinco romances, incluindo A morte do gourmet e A elegância do ouriço (ler aqui resenha do Mundo de K), que se tornou uma sensação literária mundial, com milhões de exemplares vendidos.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Uma rosa só de Muriel Barbery

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

As 20 obras mais importantes da literatura francesa

As 20 obras mais importantes da literatura japonesa

As 20 obras mais importantes da literatura italiana

As 20 obras mais importantes da literatura brasileira

20 grandes escritoras brasileiras

As 20 obras mais importantes da literatura dos Estados Unidos