Philip Roth - Por que escrever?

Conversas e ensaios sobre literatura
Philip Roth - Por que escrever? Conversas e ensaios sobre literatura (1960-2013) - Editora Companhia das Letras - 568 páginas - Tradução de Jorio Dauster - Lançamento: 2022.

Ninguém melhor do que o próprio Philip Roth (1933-2018) para definir logo no prefácio a intenção e abrangência deste livro, último volume de sua obra completa publicado pela Library of America: "Aqui estou, tendo saído de detrás do biombo de disfarces, invenções e artifícios do romance. Aqui estou, sem recurso a truques de prestidigitação e desprovido de todas aquelas máscaras que proporcionaram a grande liberdade de imaginação da qual fui capaz de desfrutar como escritor de ficção". De fato, é uma rara oportunidade para conhecermos as motivações e os bastidores do processo criativo de um dos maiores autores norte-americanos na elaboração de seus romances, assim como a sua visão sobre a literatura nos séculos XX e XXI.

O livro é formado por uma compilação de mais de 30 ensaios, conferências e entrevistas de Roth no período de 1960 a 2013, não somente sobre os seus romances, mas também comentando a obra de outros escritores contemporâneos que ele admirava como: Primo Levi, Milan Kundera, Saul Below, Bernard Malamud, Issac Bashevis Singer e muitos outros. O parágrafo em destaque abaixo é parte de um texto sobre Kafka, escrito em 1973, mistura de ensaio e ficção, homenagem a um dos autores mais influentes da literatura universal e uma pequena prévia do material que espera o leitor ao longo de mais de quinhentas páginas.

"Ao escrever sobre Kafka, contemplo sua fotografia aos quarenta anos (minha idade) – estamos em 1924, um ano tão doce e cheio de esperança quanto ele possa ter vivido como adulto, e também o ano em que morreu. O rosto é afilado e esquelético, como o de um animal escavador; maçãs do rosto proeminentes, evidenciadas ainda mais pela falta de costeletas; orelhas com o formato e o ângulo de asas de anjo; um olhar intenso, quase desumano, de uma serenidade assustada – enormes medos, enorme controle; como único traço sensual, cabelos negros levantinos penteados junto ao crânio; há um bem conhecido alargamento judaico na ponte do nariz, que é longo e ligeiramente volumoso na ponta – idêntico ao de metade dos meninos judeus que tive como colegas no curso ginasial. Milhares de crânios assim esculpidos foram removidos dos fornos com pás; caso tivesse vivido, o dele teria sido mais um, assim como aconteceu com o crânio de suas três irmãs mais moças." - "Eu sempre quis que vocês admirassem meu jejum, ou Contemplando Kafka" - Ensaio escrito em 1973 (p. 14)

Roth comenta sobre as críticas polêmicas envolvendo alguns de seus primeiros romances, principalmente O complexo de Portnoy que provocou uma forte reação negativa por parte da comunidade judaica, incluindo improváveis acusações de antissemitismo que ele rebate da seguinte forma: "por mais que eu odeie o antissemitismo, por mais que me enfureça quando confrontado com a menor manifestação real desse sentimento, por mais que deseje consolar suas vítimas, meu trabalho num livro de ficção não é proporcionar alívio aos judeus sofredores, montar um ataque contra seus persiguidores ou defender a causa judaica junto aos indecisos."

"Por que 'O complexo de Portnoy' foi ao mesmo tempo um sucesso de vendas e tamanho escândalo? Para começar, um romance disfarçado de confissão foi recebido e julgado por inúmeros leitores como uma confissão disfarçada de romance. Esse tipo de leitura, pela qual um trabalho literário tem sua importância eclipsada pela circunstância pessoal que se imagina tê-lo gerado, nada tem de novo. Entretanto o próprio interesse pela ficção foi intensificado no final da década de 1960 por uma paixão pela espontaneidade e franqueza que coloria as vidas mais monótonas e se expressou na retórica popular com frases como 'bota pra quebrar', 'rasga a fantasia' etc. Naturalmente, havia razões excelentes para esse desejo de conhecer a verdade nua e crua durante os últimos anos da Guerra do Vietnã. Porém, seja como for, suas raízes na consciência individual eram às vezes rasas, sendo pouco mais que uma forma de conformar-se com o clichê do momento." - "Imaginando judeus" - Ensaio escrito em 1974 (p. 112)

Respondendo à clássica pergunta "Então, de que servem os romances?" em entrevista para a The Paris Review em 1985, Roth demonstra mais uma vez a sua objetividade e inteligência: "Para o leitor comum? Os romances proporcionam aos leitores alguma coisa para ler. Na melhor das hipóteses, os escritores modificam a forma como os leitores leem. Essa me parece ser a única expectativa realista. Também me parece ser suficiente. Ler romances é um prazer profundo e singular, uma atividade humana absorvente e misteriosa – que, como o sexo, não exige nenhuma justificativa moral ou política."

Em uma de suas últimas entrevistas, concedida a Daniel Sandstrom em 2014, Philip Roth compara e resume a sua carreira de 31 livros publicados com uma declaração do pugilista Joe Louis: "Fiz o melhor que pude com o que tinha", simples assim, um homem dedicado ao que mais amava, ler e escrever.  Uma obra indispensável para compreender melhor a literatura do nosso tempo e que não exige a leitura prévia de toda a bibliografia do autor, os textos valem pelo refinado senso crítico e ainda mantêm a força e originalidade da época em que foram publicados. Esta edição conta ainda com um índice remissivo e uma cronologia detalhada.

"Minha reputação pública – que distingo da reputação de minha obra – é uma coisa com a qual tento lidar o mínimo que consigo. Sei que circula por aí umas intrigas geradas por 'O complexo de Portnoy' e reforçadas pelas fantasias que o livro criou devido à sua estratégia confessional e ao sucesso financeiro. Não há muito mais em que possa se basear, porque, fora das letras de imprensa, praticamente não tenho uma vida pública. Não considero isso um sacrifício, pois nunca quis ter esse tipo de vida e nem tenho o temperamento que ela exige. Quase toda a minha vida consiste em escrever num quarto sozinho. Aprecio a solidão como outras pessoas apreciam as festas. Ela me dá um enorme sentimento de liberdade pessoal e um agudo senso de estar vivo, proporcionando-me a tranquilidade e o espaço para respirar dos quais eu preciso para fazer funcionar minha imaginação e produzir minha obra. Não sinto o menor prazer em ser uma criatura de fantasia na mente daqueles que não me conhecem – e é praticamente nisso que consiste a fama a que você se referiu."  - "Depois de oito livros" - Entrevista concedida a Joyce Carol Oates em 1974 (p. 153)

Conversas e ensaios sobre literatura 1960-2013
Sobre o autor: A contribuição de Philip Roth (1933-2018) para a literatura foi amplamente reconhecida ao longo de sua vida, tanto nos Estados Unidos quanto no exterior. Entre outras homenagens, o autor recebeu os prêmios Pulitzer e Man Booker International, foi duas vezes vencedor do National Book Critics Circle Award e o National Book Award, e foi presenteado com a National Medal of Arts e a National Humanities Medal pelos presidentes Clinton e Obama, respectivamente.

Resenhas de livros de Philip Roth no Mundo de K: Fantasma Sai de Cena / O Animal Agonizante / Patrimônio

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