Lilian Aquino - Nunca estive em Tübingen
Os poemas de Lilian Aquino refletem sobre espaços inusitados, lugares de passagem, cidades estrangeiras nas quais nunca estivemos, o desconforto de se achar subitamente em um desses "não lugares" (Já me transportaram / como oposto / me arrancaram do / futuro me fechando / em um porta-malas // Dias e dias de estrada / e as noites todas elas / longe de casa). A poeta fala sobre os muros, os impasses, as escolhas ao longo do caminho. Tudo aquilo que nos leva ao estranho processo diário de se extraviar e se encontrar, procurando por possíveis "Desvios" (teria o poema / um trajeto? / um mapa / com alfinetes / a me espetar / os pés? // o que pode / fazer um poema / atarracado / no meio da passagem / qual um cobrador / de ônibus / fazendo girar / catracas / a não ser me deixar / passar / por baixo?).
Embora não ocorram referências diretas à pandemia, os poemas foram criados no auge do difícil período de isolamento e luto nacional, por exemplo "Elegia 2021" (Avançar no espaço como um astronauta / cumprindo uma missão / sem sentido / Orbitar com olhos de luneta / a Terra adorada acima da qual dançam / meteoros / Avistar zanzando na atmosfera / aquele país que sonha ainda deitado / abandonado à própria sorte // Nossa astronauta espia / a pátria uma imagem / risonha / límpida / Uma tragédia em queda / do céu e que teme / a própria morte). Deixo com vocês alguns dos versos criativos da poeta Lilian Aquino e compartilho com ela a certeza de que a vida é mesmo e sempre um "Perigo" (de capela pra capeta / é um risco).
Nunca estive em Tübingen
Este cartão-postal
exibe numa das faces
uma paisagem
árvores e um rio
margeado por edifícios de enxaimel
onde se lê
Hölderlinturm, Tübingen, Deutschland
Eu – que nunca estive
em Tübingen –
me abro a visitá-la
atravessando a impossibilidade
de habitar uma foto
A construção
em destaque na imagem
evidencia uma torre
amarela e redonda
(Entro no imóvel, subo
ao primeiro andar
onde uma placa diz
Neste lugar Hölderlin
viveu e morreu
por 36 anos)
No verso do papel
o carimbo a letra cursiva
uma correspondência
aberta ao ar par avion
desloca significados
e no rodapé
lê-se
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Extraterritorialidade
Se o que resta é apenas o muro
e não há lugar suficiente
que caiba a possibilidade de dizer onde
de dizer refúgio ou – pior ainda – nação
rogo à palavra que cave este chão
estranho, vazio de sentido e de morada
e até agora hostil às minhas formas
de revolver a língua onde me criei
para que aqui nasça o incomum
enfim: um lugar do outro.
Não se mexa
andei meio parada
na fronteira
entre
pino
e granada
Saia da linha
Não siga placas
pontes travessões
: as regras conduzem
ao conhecido desde
tanto tempo
Não siga
muito menos
os versos deste poema
Ele, como muitas
outras coisas,
quer te fechar
entre colchetes
Não sei onde coloquei as horas
Eu poderia simplesmente
sacar da bolsa o celular
e mandar uma mensagem
ligar eu não ligaria
Opto por vaguear por aqui
esticar o braço e alcançar
com as pontas dos dedos o gradeado
que cerca a praça dedilhando como quem
toca um instrumento de corda
O acaso de um encontro
na encruzilhada da avenida com
qualquer ruazinha de mão única
é quase impossível em dias assim
(faço figa nos dedos)
Todos os rostos as caras os cenhos
todos os calçamentos cimento lajota
buracos – gosto de tudo nesta cidade.
Mas hoje até a padaria
antes aberta 24 horas
está fechada.
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