André Kondo - No meio do mundo

Literatura de VIagem
André Kondo - No meio do mundo - Telucazu Edições - 448 Páginas - Design de capa: Lilian Souza de Araújo - Ilustrações de capa: Alessandro Fonseca - Lançamento: 2023.

Um livro de viagem bem diferente que, segundo o autor, demorou praticamente vinte anos para ser escrito. De fato, trata-se de uma obra de fôlego se considerarmos a abrangência dos locais visitados em várias partes do mundo, incluindo algumas regiões normalmente ignoradas pelos roteiros turísticos tradicionais, contudo também sem esquecer daquelas mais conhecidas. André Kondo não se limitou a uma descrição das belezas naturais, construções e atrações culturais, mas incluiu também informações sobre o contexto histórico, as crenças religiosas e ideologias filosóficas ao longo do tempo em cada um dos países visitados, sem cair na armadilha do texto enciclopédico, o que poderia comprometer o ritmo da leitura com uma infinidade de notas.

Para manter o interesse do leitor, André utilizou uma linguagem simples na forma de diálogos entre os dois irmãos gêmeos Teru e Kazu, companheiros de viagem, e representação das duas formas de pensar antagônicas, espiritual e racional, presentes na formação do próprio autor. Em uma busca por respostas, cada leitor vai se identificar de forma diferente, equilibrando a fé e a razão, nos lugares mais sagrados do mundo, desde o berço do Budismo no Nepal e as águas sagradas do Hinduísmo no Rio Ganges na Índia, passando pelo Muro das Lamentações em Jerusalém até as catedrais católicas da Europa e os minaretes no Oriente Médio. Em contraponto, são apresentadas também as principais correntes filosóficas do oriente e ocidente.

"Os irmãos partiram de Kuala Lumpur com o crepúsculo e chegaram a Butterworth com a alvorada. Tiveram como companhia um ateu russo de dentes de ouro, monges budistas com túnicas laranjas e adolescentes muçulmanas cobertas pelo chador. Descansaram antes em Penang, onde por alguns trocados conseguiram tomar banho em um hotel barato, e depois seguiram para Bangkok. Mais uma noite em movimento pela silenciosa e espessa noite asiática, cruzando toda a península malaia, os levou até a "Terra da Liberdade", a Tailândia. / Quando o trem se aproximou da capital tailandesa, os subúrbios revelaram uma liberdade não muito inspiradora. Mulheres, homens e crianças se espremiam dentro de casebres miseráveis. Entretanto, por mais estranho que isso parecesse, o sorriso ainda sobrevivia naqueles rostos. Parecia o o sereno semblante de Buda, estampado nos sorrisos desdentados de um povo que insistia em sorrir." (p. 33) - Trecho de Bagkok - Tailândia

O ponto de partida de Teru e Kazu é a Austrália, mais especificamente o Uluru, montanha formada por uma única pedra com mais de 300 metros de altura. Em seguida, visitam o Monte Fuji no Japão, a ilha de Singapura, Indonésia, Malásia, Tailândia e Camboja. Em uma segunda etapa da viagem, depois de voar pelas fronteiras do Himalaia, chegam no vale de Kathmandu: "Um reino em que a terra está mais próxima do céu. Nada menos do que sete das oito mais altas montanhas do mundo, incluindo a sua majestade o Everest, nascem no berço de Buda". Na Índia, uma jornada espiritual leva os irmãos até Gorakhpur, Sarnath, Varanasi, Agra e Nova Délhi. Já na China continental, passam por Pequim e a grande muralha até chegar na Mongólia.

"Os trilhos cortavam as últimas cidades mongóis: Zuunkharaa, Darkhan e, finalmente, Sukhbaatar. A imigração mongol se protegia, ainda com medo da pandemia. Todos os procedimentos foram realizados dentro do trem. Não havia motivo para sair. Lá fora, só o vazio saudava os passageiros. O trem finalmente cruzou a fronteira. / A escuridão era terrível, mas logo uma luz surgiu ao longe. Os gêmeos descobriram que mais terrível do que a escuridão é ver potentes holofotes jogando suas luzes sobre o trem. Um alto-falante gritou algo em russo. A impressão era a de que estavam entrando em uma gigantesca prisão. Aquela não era apenas a entrada para a Rússia, aquele era o portão para a Sibéria. / Já era muito tarde, mas a burocracia não dormia no antigo domínio soviético. Será que os oficiais daquela fronteria sabiam que não estavam mais na União Soviética? O formulário que os gêmeos receberam estava completamente em cirílico, e ninguém ali falava outra língua senão o russo. Era óbvio, estavam na Rússia. Um oficial se irritou ao ser questionado sobre o formulário. Os gêmeos preencheram qualquer coisa, afinal de contas, quem se importava?" (pp. 149-50) - Trecho de Sibéria - Rússia

Na Rússia, uma longa viagem de trem de 6.306 quilômetros até Moscou, faz os irmãos atravessarem a Sibéria em companhia de Dutchak, ucraniano, uma das muitas pessoas interessantes que conheceram ao longo da jornada. Após visitarem as memórias do que restou do império da União Soviética, partem para a Europa, na sequência: Finlândia, Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Alemanha, Polônia, Áustria, Itália, Suíça, Espanha, França e Inglaterra. A  longa viagem ainda prossegue em direção ao Oriente Médio, começando na Grécia, Turquia, Israel, Palestina, Jordânia e Egito para retornar à Europa e conhecer o famoso Caminho de Santiago de Compostela, finalmente, a conclusão em São Sebastião no Brasil.

"Os gêmeos estavam sob a sombra da obra-prima de Gaudi. A construção da Sagrada Família começou em 1882 e continua até hoje. Naquele dia, os irmãos viram oito torres de mais de 100 metros de altura cada. Segundo a intenção original, haverá mais dez torres. A Sagrada Família ainda está em um lento processo de construção. As dezoito torres representam os doze apóstolos, os quatro evangelistas, Maria e Jesus, a torre mais alta com 170 metros de altura. / Gigantescos guindastes prosseguiam ruidosamente a construção rumo ao céu. Homens ocupados andavam de um lado a outro, parecendo um pouco confusos. À primeira vista, a própria catedral confunde os fiéis, pois várias partes parecem pertencer a construções diferentes. Suas formas são indefiníveis e o seu caráter indescritível. O que pretendia Gaudi?." (pp. 255-56) - Trecho de Barcelona - Espanha

Literatura de viagem
Sobre o autor: Autor de 15 livros premiados, incluindo uma tradução para o japonês. Foi finalista do Prêmio Jabuti e vencedor de vários prêmios da UBE-RJ, com mais de 400 distinções literárias, incluindo em Portugal. Viajou por mais de 60 países em busca de inspiração para a sua escrita. Recebeu o Selo Altamente Recomendável da FNLIJ e o Selo Cátedra Unesco PUC de Leitura. Vive de literatura.

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