Adriana Vieira Lomar - Ébano sobre os canaviais
Vencedor do Prêmio Kindle de Literatura 2022, Ébano sobre os canaviais é um romance histórico que demonstra o processo desumano da escravidão, origem do racismo estrutural e a consequente desigualdade social no Brasil. A obra retrata o final do século XIX, quando o tráfico negreiro já havia sido proibido em nosso país por meio da Lei Eusébio de Queirós de 1850, contudo a entrada de cativos africanos continuava ocorrendo de forma ilegal, mesmo com a pressão da campanha abolicionista por parte da sociedade na época. Na ficção de Adriana Vieira Lomar, Ébano é uma mulher negra alforriada que luta contra os preconceitos para ficar com José, imigrante português em busca de melhores condições de vida em nosso país.
A autora conduz a narrativa de forma dinâmica, mantendo o interesse do leitor do início ao final da obra ao alternar o protagonismo entre os personagens principais: José, desde sua difícil chegada clandestina no Brasil até se estabelecer como comerciante, Ébano, filha da escravizada Shakina e, finalmente, Maria Antonieta, mulher branca e preconceituosa já em nosso tempo que, após se separar do marido, descobre a verdade sobre a sua ancestralidade. No decorrer do romance essas três histórias se conectam, mostrando como a amizade e o amor, apesar de todas as dificulades, podem suplantar o racismo e viabilizar a justiça social.
"Atravessaram o oceano com pouca ração. Viram muitos serem jogados ao mar. Queriam somente uma coisa: ficar juntos. Não sabiam o que iriam enfrentar na tal colônia de nome difícil de pronunciar. / Vindos da bacia do Congo, onde a mata e os bichos vivem, e alguns poucos homens reinam nas aldeias, desembarcaram no porto de Penedo. Avistaram o mar, de um verde só visto nas palmeiras gigantes da floresta. Com as pernas bambas e fracos, suplicaram por comida. Shakina exibia uma barriga, e logo o carrasco percebeu que ela estava grávida. Separada dos demais, foi-lhe dada uma ração. Seria levada para um engenho de cana-de-açúcar – poderia dar uma boa lavadeira, ou, quem sabe, uma mucama. Chisulo foi levado ao pregão. Havia comerciantes no cais, muitos deles ávidos por revender escravizados para o Sudeste da colônia. / Apesar de extenuado, Chisulo realmente tinha boa estatura e dentes fortes. De longe, Shakina torcia para que o futuro marido fosse para o tal genho. Não sabia sequer o que se fazia nesse lugar." (p.59)
Shakina e Chisulo são capturados no Congo e separados à força, durante este processo Shakina é violentada pelo chefe dos traficantes e engravida de Ébano. O casal se reencontra em um engenho de cana-de-açúcar no interior de Pernambuco, mas eles logo percebem devido à rotina de violências – tanto na casa grande quanto na senzala –, que as dificuldades estão apenas começando. Uma obra importante para entendermos a origem de muitos dos problemas sociais brasileiros na atualidade, promovidos pela discriminação e o racismo estrutural que fazem com que a disponibilidade dos serviços públicos seja diferenciada a partir das ações (ou falta de ações) do Estado e das instituições, principalmente o acesso à segurança e à justiça.
"O senhor estava no campo checando o desempenho dos escravizados e veio com as botas meladas de barro. Quando ele chegava acompanhado de Manuel, as escravizadas da casa-grande gelavam. Ficavam enfileiradas para cumprimentá-lo. Ele entrava e elas iam atrás. Sentava-se na cadeira de balanço e, sem dizer palavra alguma, posicionava a bota na altura da coxa de Kina, a primeira da fila, que, a todo custo, tentava tirá-la. Sem o apoio de outra criada , a tarefa era impossível. As botas eram pesadas pela quantidade de barro, tinham um aspecto cimentado. Retiradas as botas, ele acenava como quem enxota mosquitos e moscas. Com o olhar voltado para o chão, elas saíam caladas. entre elas, Kina permanecia no mesmo lugar, continuava no raio de visão do senhor e era a única que ele pedia para ficar." (p. 87)
Sobre a autora: Adriana Vieira Lomar nasceu em 1968. Carioca de família alagoana, considera Ébano sobre os canaviais a possibilidade de conferir à sua trisavó um nome, uma história, uma lápide e uma memória. O livro, vencedor do Prêmio Kindle de Literatura 2022, com o qual estreia na Editora José Olympio, é dedicado à sua ancestralidade multirracial. Também é autora de Aldeia dos mortos, Corredor do tempo (ambos da Editora Patuá) e Ambiguidades (Editora Penalux).
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