Ricardo Motomura - Seu jeito de soltar fumaça

Literatura brasileira contemporânea
Ricardo Motomura - Seu jeito de soltar fumaça - Editora 7Letras - 220 Páginas - Arte de capa: Sérgio Motomura - Foto de capa: Camila Mendonça - Lançamento: 2023.

O romance de estreia de Ricardo Motomura surpreende pela segurança narrativa ao conduzir toda a trama em primeira pessoa sem perder a fluência e comprometer o ritmo da leitura. De fato, o desenvolvimento da ação é impulsionado por capítulos curtos que alternam passado e presente com base nas memórias do seu solitário narrador-protagonista, assim como diálogos precisos que orientam o leitor quanto às verdadeiras motivações dos outros personagens. O resultado é um livro que desperta empatia no leitor e se torna difícil de abandonar do início ao final, um dos objetivos principais de toda obra de ficção.

Podemos dizer que Ângelo, apesar da simpatia que desperta, é um protagonista politicamente incorreto, começando por sua atração compulsiva pelo álcool e cigarros, vícios que contribuem para a sua postura de perdedor ao longo da vida. Ele retorna à sua cidade natal, Londrina, após 20 anos de ausência morando em São Paulo, para acompanhar o funeral da mãe. O reencontro com o passado, família e amigos da juventude fará com que Ângelo entenda os motivos dos conflitos familiares, incluindo as brigas com o pai, que acabou expulsando-o de casa, e os constantes desentendimentos entre as duas irmãs, Helena e Joana.

"Desligo o telefone e acendo um cigarro. Não costumo fumar nos primeiros minutos da manhã, mas o instante exige um trago forte, seguido por outro mais forte ainda. A nicotina acalma meu cérebro enquanto a fumaça que expiro se dissipa no ar. Pequenas doses tóxicas que maltratam meus pulmões desde que comecei a fumar aos dezoito, motivado por um arroubo estúpido. Meu pai odiava os fumantes e tudo ligado a eles – o cheiro impregnado, a voz rouca, os dentes amarelos, a pele seca. Apesar disso, nunca fumei na frente de meu pai. Experimentei o primeiro cigarro somente depois que ele acertou aquele soco no meu rosto e gritou que me queria fora de casa. A raiva, enfim, transbordando o copo que sempre pareceu cheio demais. Eu saí não só de casa e da cidade, mas sobretudo da vida dele. E pelos vinte anos seguintes procurei não pensar sobre isso." (p. 5)

Como definido pelo próprio Ângelo, as lembranças são como documentos guardados nas gavetas, coisas antigas tomadas pelo pó: "Estão sempre ali, da mesma maneira como foram colocados há anos, apenas esperando alguém abri-los para virem à tona." Ele aceita permanecer em Londrina por algum tempo para ajudar as irmãs a cuidar do pai, que sofre de um câncer terminal. Aos poucos, acaba descobrindo detalhes de casos escondidos dos seus pais e o casamento do melhor amigo da juventude com Flávia sua ex-namorada.

"Tentei tantas vezes descobrir minha primeira lembrança, mas nunca consegui recuperar uma cena específica, apenas esboços que formavam um resumo sem brilho de uma infância qualquer. Eu me refugiava no conforto de casa e no fato de ser o filho do meio que vivia se equilibrando entre as irmãs, com quem caminhava de mãos dadas para todo lugar. Não tinha vez para muita coisa, e tudo parecia tão simples como observar as nuvens se movendo no céu acima do telhado de casa, sentado no pequeno balanço que emu pai encomendou quando éramos ainda pequenas criaturas que não imaginavam um mundo tão cruel fora dos limites de nosso portão." (p. 17)

As reflexões e reminiscências do personagem, um ex-adolescente rebelde são acompanhadas por uma trilha sonora que representa o cenário pop e rock, nacional e internacional, das décadas de oitenta e noventa, principalmente quando encontra suas antigas fitas cassetes, incluindo Cassia Eller, Legião Urbana, The Cure, Joy Division e Cranberries, entre outros. Para os leitores mais velhos, uma chance de relembrar um tempo que deixou saudades e, para os mais novos, oportunidade de conhecer um autor do qual com certeza ainda vamos ouvir falar muito.

"Cada pasta guarda uma porção de documentos, alguns com a assinatura de meu pai, o traço forte que quase rasga o papel e que tentei imitar tantas vezes. Deve ser difícil para um homem como ele, cheio de soberba, receber um carimbo com um prazo tão exíguo de validade. Em seu olhar, de alguma forma, sinto que há algo que ele quer me dizer. Quem sabe todo aquele orgulho seja apenas um disfarce do qual precise se livrar antes de morrer. Penso sobre as chances que tenho de ser pai da filha de Flávia. Se fosse, talvez pudesse compreender melhor meu próprio pai." (p. 55)

Literatura brasileira contemporânea
Sobre o autor: Ricardo Motomura nasceu em Londrina-PR (1974), e vive em São Paulo desde 2000. É bacharel em Direito, pós-graduado em Filosofia do Direito pela PUC-MG, em Direito do Trabalho pela Universidade de Lisboa – Portugal, e em Formação de Escritores pelo Instituto Vera Cruz – SP. Tem nove contos publicados em coletâneas diversas, dentre elas a Revista Gueto. Seu jeito de soltar fumaça é seu primeiro romance.

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