Perci Guzzo - Na nervura da folha

Poesia brasileira contemporânea
Perci Guzzo - Na nervura da folha - poesia, 2017-2022 - Corixo Edições - 104 Páginas - Coordenação editorial: Volnei Andrade - Lançamento: 2023.

O mais recente lançamento de Perci Guzo é uma antologia de poemas relacionados à necessidade de preservação da natureza, principalmente nas grandes metrópoles onde o homem precisa se contentar com as poucas praças que restam: "Ainda nos restam as praças / Esses oásis em áridas urbers" (Início do ocaso - p. 26). Em alguns poemas, os versos assumem um caráter de urgência e resistência política: "Quero me opor / Bater de frente / Tête-a-tête / Interferir / Perpassar / Rasgar o verbo / Em campos de soja / Sobre uma lata de 60 litros / de agrotóxico, / E discursar a favor de todas as abelhas ausentes" (p. 61).

Uma obra que nos alerta para o perigo de uma vida automática e sobre o que realmente deveria ter sentido: "Então choveu muito / Ventou forte / Despencou granizo / E árvores caíram. / Luzes permaneceram apagadas / Redes virtuais obstruídas, / Mas Santa Bárbara salvou a todes. / Interrompida a vida automática / O povo do lugar permaneceu quieto / Por uma longa e escura noite / Graças à fúria daquelas nuvens / Deu-se a chance aos inquilinos inquietos / De perceberem por esse acaso / O que realmente tem sentido: Estar smplesmente vivo." (Interrompida a vida automática - p. 78)

O livro, dedicado aos povos indígenas do Brasil, é enriquecido com ilustrações preparadas na técnica de aquarela e nanquim pelos artistas: Cordeiro de sá, Daniel Caballero, Ísisson de Oliveira e Ubirajara Júnior, assim como fotos de Nice Marinho, compondo um lindo projeto gráfico, coordenado pelo próprio Percio Guzzo e Volnei Andrade. 

Início do ocaso

Ainda restam as praças
Com certo abandono que me atrai
Com seu silêncio de borboletas
Com seu piso de musgos
E velhas árvores
Que não perdem a majestade

Ainda restam as praças
Que ocupam todo o quarteirão
Que sempre ocuparam meu coração
Que ignoram a insensatez circunvizinha
E jovens árvores
Com o desejo de vicejar

Ainda nos restam as praças
Esses oásis em áridas urbes
Biótopos urbanos
Esses avisos de um passado
De bancos envelhecidos
Onde escrevem poetas de meia-idade

Ainda lhes restam as praças
A despeito do descaso
A despeito do ocaso
Para sonharem futuro digno
Tomarem torrentes de chuva
Nos janeiros da juventude

Ainda me restam as praças
E uma certa brisa no rosto.

Os estados de poesia

Esse desencontro interno
É propício para a poesia
Não saber o que querer
É estado de poema

Reter o olhar e a atenção
Na nervura da folha
No silêncio da goiabeira
Mesmo ausentes as goiabas
É ocasião poética

Piso frio de ladrilho antigo
E o corpo todo querendo deitar
Descalçar os versos
É situação para poema

Contemplar casas sem mobília
As janelas de madeira
Telhas baianas empilhadas
É projeto pré-poético

Se lá fora venta e chove 
Já é tempo para a poesia
Cômodo nos aconchega
A escrivaninha parece nos chamar

A ausência e o vazio
A estrada empoeirada
O tropel dos elefantes
E as linhas de tuas mãos

Viver pode ser que seja partir

Ignoro o sabor amargo do exílio
Desconheço a dor da obrigação de partir
O desconforto da nova realidade social
E a dificuldade do idioma postiço

Nas ruas onde cresci
Sempre brinquei ingenuamente
Nos quintais extensos e estrelados
Fui prefeito, fazendeiro e pescador
Colecionei pedras, peixes e sementes

Esse Brasil que ora enxergo
Se distancia daquela busca 
Movida a desejo de menino:
Um país Darcy; uma nação Florestan

Brasil sórdido que caminha torto
Numa ira inconsequente
Lapso democrático em curso
Sentido perverso, rumo avesso

Aparecida, Senhora: nós somos tua
Eis-me afoito, minha santa!
Romeiro astuto para sua obra
Confortai-me na angústia destes tempos

Em Pasárgada não conheço ninguém
Não sei armênio, aramaico ou bretão
Vivi tudo e tanto aqui
Saberei dormir em outro país?

Deve ser cansativo emigrar
Conter tamanha ansiedade
Que braços me acolherão?

Conheci na escola outras geografias
Sempre visitei mapas ao longo da vida
Talvez estudar Mongólia e Namíbia
Não tenha sido em vão.


Poesia brasileira contemporânea
Sobre o autor: Perci Guzzo é natural de Birigui (SP). Foi em Clementina, cidade do Oeste Paulista, que viveu os anos da infância e adolescência. É graduado em Ecologia e mestre em Geociências, ambas formações cursadas na Unesp - Universidade Estadual Paulista, Campus de Rio Claro. É funcionário público municipal da Prefeitura de Ribeirão Preto (SP) onde integra a equipe técnica da Secretaria de Meio Ambiente. Foi um dos fundadores e compositores do bloco "Os Alegrões" que, no período de 2006 a 2017, animou o carnaval de rua de Ribeirão Preto. Em 2016, lançou seu primeiro livro de poesia, Mais céu. em 2018 foi a vez do livro Prefiro onde o verde prevalece, compilação de crônicas ambientais publicadas na imprensa.

Onde encontrar o livro: Vendas pelo telefone (16) 99179.3509, e-mail (pguzzo@terra.com.br) e Instagram/perciguzzo, ou eis.estudio13@gmail.com

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