Perci Guzzo - Na nervura da folha
O mais recente lançamento de Perci Guzo é uma antologia de poemas relacionados à necessidade de preservação da natureza, principalmente nas grandes metrópoles onde o homem precisa se contentar com as poucas praças que restam: "Ainda nos restam as praças / Esses oásis em áridas urbers" (Início do ocaso - p. 26). Em alguns poemas, os versos assumem um caráter de urgência e resistência política: "Quero me opor / Bater de frente / Tête-a-tête / Interferir / Perpassar / Rasgar o verbo / Em campos de soja / Sobre uma lata de 60 litros / de agrotóxico, / E discursar a favor de todas as abelhas ausentes" (p. 61).
Uma obra que nos alerta para o perigo de uma vida automática e sobre o que realmente deveria ter sentido: "Então choveu muito / Ventou forte / Despencou granizo / E árvores caíram. / Luzes permaneceram apagadas / Redes virtuais obstruídas, / Mas Santa Bárbara salvou a todes. / Interrompida a vida automática / O povo do lugar permaneceu quieto / Por uma longa e escura noite / Graças à fúria daquelas nuvens / Deu-se a chance aos inquilinos inquietos / De perceberem por esse acaso / O que realmente tem sentido: Estar smplesmente vivo." (Interrompida a vida automática - p. 78)
O livro, dedicado aos povos indígenas do Brasil, é enriquecido com ilustrações preparadas na técnica de aquarela e nanquim pelos artistas: Cordeiro de sá, Daniel Caballero, Ísisson de Oliveira e Ubirajara Júnior, assim como fotos de Nice Marinho, compondo um lindo projeto gráfico, coordenado pelo próprio Percio Guzzo e Volnei Andrade.
Início do ocaso
Ainda restam as praças
Com certo abandono que me atrai
Com seu silêncio de borboletas
Com seu piso de musgos
E velhas árvores
Que não perdem a majestade
Ainda restam as praças
Que ocupam todo o quarteirão
Que sempre ocuparam meu coração
Que ignoram a insensatez circunvizinha
E jovens árvores
Com o desejo de vicejar
Ainda nos restam as praças
Esses oásis em áridas urbes
Biótopos urbanos
Esses avisos de um passado
De bancos envelhecidos
Onde escrevem poetas de meia-idade
Ainda lhes restam as praças
A despeito do descaso
A despeito do ocaso
Para sonharem futuro digno
Tomarem torrentes de chuva
Nos janeiros da juventude
Ainda me restam as praças
E uma certa brisa no rosto.
Os estados de poesia
Esse desencontro interno
É propício para a poesia
Não saber o que querer
É estado de poema
Reter o olhar e a atenção
Na nervura da folha
No silêncio da goiabeira
Mesmo ausentes as goiabas
É ocasião poética
Piso frio de ladrilho antigo
E o corpo todo querendo deitar
Descalçar os versos
É situação para poema
Contemplar casas sem mobília
As janelas de madeira
Telhas baianas empilhadas
É projeto pré-poético
Se lá fora venta e chove
Já é tempo para a poesia
Cômodo nos aconchega
A escrivaninha parece nos chamar
A ausência e o vazio
A estrada empoeirada
O tropel dos elefantes
E as linhas de tuas mãos
Viver pode ser que seja partir
Ignoro o sabor amargo do exílio
Desconheço a dor da obrigação de partir
O desconforto da nova realidade social
E a dificuldade do idioma postiço
Nas ruas onde cresci
Sempre brinquei ingenuamente
Nos quintais extensos e estrelados
Fui prefeito, fazendeiro e pescador
Colecionei pedras, peixes e sementes
Esse Brasil que ora enxergo
Se distancia daquela busca
Movida a desejo de menino:
Um país Darcy; uma nação Florestan
Brasil sórdido que caminha torto
Numa ira inconsequente
Lapso democrático em curso
Sentido perverso, rumo avesso
Aparecida, Senhora: nós somos tua
Eis-me afoito, minha santa!
Romeiro astuto para sua obra
Confortai-me na angústia destes tempos
Em Pasárgada não conheço ninguém
Não sei armênio, aramaico ou bretão
Vivi tudo e tanto aqui
Saberei dormir em outro país?
Deve ser cansativo emigrar
Conter tamanha ansiedade
Que braços me acolherão?
Conheci na escola outras geografias
Sempre visitei mapas ao longo da vida
Talvez estudar Mongólia e Namíbia
Não tenha sido em vão.
Onde encontrar o livro: Vendas pelo telefone (16) 99179.3509, e-mail (pguzzo@terra.com.br) e Instagram/perciguzzo, ou eis.estudio13@gmail.com
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