Danilo Giroldo - Contos de morte
Esta perturbadora coletânea de contos de Danilo Giroldo lembra o estilo de Chuck Palahniuk e alguns dos adjetivos normalmente associados aos livros do polêmico escritor norte-americano, tais como: macabro, nauseante e brutal. De fato, a temática abordada e até mesmo os trechos selecionados nesta resenha podem ser considerados fortes para os leitores de maior sensibilidade. No entanto, aqueles que conseguirem superar o desconforto das passagens mais bizarras, encontrarão uma obra que explora os limites da condição humana sem concessões, função de toda boa literatura. Alguns contos se enquadram no gênero de horror e na literatura fantástica, enquanto outros exploram aspectos psicológicos e distorções provocadas por uma vida sem esperança.
Resta aos personagens desajustados lidar com a insanidade e a violência de uma sociedade decadente. Contudo, as situações mais cruéis podem estar se repetindo no automatismo do cotidiano que vai eliminando aos poucos os sinais de humanidade das pessoas, como descreve o protagonista do conto Cordyceps: "Eu sou o mais morto nos horários em que a morte impera. Completamente absorvido pela tela. Escravo das teclas. Os comprimidos que tomo de manhã funcionam muito bem. Só não escondem as olheiras e o tom acinzentado da pele. É só me olhar para concluir que estou podre por dentro. [...] Sou o mais zumbi dentre todos que dividem o departamento comigo. Embora contraditório, zumbis e robôs, neste caso, são sinônimos quase perfeitos. [...]"
"Eu desenvolvi um método muito seguro. Mexo nas válvulas de metade dos meus botijões que estão distribuídos igualmente no depósito de onde entrego para os bairros fodidos. Depois, distribuo aleatoriamente nas entregas e, pelas minhas contas deste ano e meio, uns dez por cento destes cumprem seu destino e dão cabo de uns cinco ou seis de uma vez só, porque essa gente vive apinhada. Nenhum deles ainda no mesmo bairro, probabilidade é uma coisa perfeita mesmo. Esse tem sido um ótimo passatempo de todas as noites e tem me relaxado bastante para dormir em paz, sabendo que estou fazendo a minha parte nessa cidade de merda. Repor o estoque das minhas bombinhas de metal. Cada uma delas é como se fosse uma granada, que mesmo se não explodir, mata silenciosamente. Confesso que gosto mais das asfixias, ao contrário do que se poderia imaginar. Há quem goste das explosões, mas eu prefiro o silêncio e a morte lenta e certeira, no meio da noite." (p. 13) - Trecho do conto "Gás"
Entre os contos mais violentos, destaco o surpreendente Pedagogia de alta influência, uma distopia na qual a violência domina a narrativa do início ao final, mostrando como a sociedade em um futuro próximo estabelece um método eficiente para conter as agressões contra grupos minoritários, um método pedagogicamente infalível porque tem como base a tortura e o assassinato dos agressores. O terror clássico está presente em O ingazeiro, um conto sobre uma árvore que assusta os adolescentes de um bairro de periferia, até que dois amigos tentam desafiar a lenda. Os dois rapazes passam por uma experiência macabra que marcará suas vidas para sempre.
"Como eles ficam agitados no início, a marreta serve para quebrar logo os dois tornozelos, assim a mobilidade diminui e eles logo ajoelham. Aí entra a furadeira, que assusta mais do que machuca, os alicates, as facas e o senhor de todas as dores: o maçarico. Eles sempre acabam desmaiando, aí a gente espera acordar para continuar. Em geral, depois de três dias eles já estão com os cortes e queimaduras começando a apodrecer e vão ficando desacordados por muito tempo. Desorientados, já não gritam tanto, aí precisamos terminar o serviço. Corte na jugular e geralmente fazemos isso com eles desacordados para que não tenham nem este momento de alívio. Depois panela, fervura, desmembramento, mais umas 12 horas e a comida chega para os porcos. Quatro dias entre a captura e os ossos prontos para decoração, mais dois dias de edição do material e um para divulgar no cyberspace a partir dos nossos dispositivos descartáveis. Sete dias trabalhando para produzir material pedagógico de alta influência com boa qualidade." (p. 32) - Trecho do conto "Pedagogia de alta influência"
No gênero de terror psicológico, destaco o ótimo Do que não deveria ser estendido, que tem um início de tirar o fôlego e um final surpreendente, fórmula ideal para todo conto bem-sucedido. Danilo Giroldo escolheu uma temática difícil para o seu livro, afinal não gostamos de pensar na morte, assim como o personagem condenado por uma doença terminal no conto O fim: "Não sabemos encarar a morte, queremos lutar contra ela até o fim, mesmo tendo consciência que ela vai chegar." Termino essa resenha com uma frase bem-humorada de Woody Allen sobre o assunto que resume bem a questão: "A vida é cheia de miséria, sofrimento e solidão - mas acaba muito depressa."
"O cheiro de madeira e cimento fresco continuavam presentes, assim como uma estranha mistura de calor e umidade, trazendo um fedor de mofo que se misturava ao seu próprio hálito. Ele não se lembrava de nada, mas percebeu que estava em um lugar apertado e envolto por um ar profundamente viciado que o levou da confusão para o desespero em uma fração de segundo. Conseguiu mexer os braços e tateou o seu entorno. Estava em uma caixa e forçou a parte de cima fazendo com que ela se movesse. Não demorou para perceber que estava em um caixão e que tinha sido enterrado vivo, mas o que havia acontecido? Precisava sair antes que morresse sufocado. / Forçou mais uma vez a tampa, mas ela se movia muito pouco, não era suficiente para abrir completamente. Tentou deslocá-la para o lado e até teve algum sucesso, mas não o bastante para que conseguisse sair dali. Conseguiu esticar o braço para fora e tocou uma superfície de cimento alguns centímetros acima de si. Estava em uma gaveta. [...]" (p. 77) - Trecho do conto "Do que não deveria ser estendido"
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