Os meninos da rua Paulo - Ferenc Molnár
Os meninos da rua Paulo - Ferenc Molnár - Editora Cosac Naify - 262 páginas - Tradução do original em húngaro por Paulo Rónai - Revisão da Tradução de Aurélio Buarque de Holanda - Notas e Posfácio de Nelson Ascher - Ilustrações de Tibor Gergely - 5º reimpressão 2010 - Atualizado pelo lançamento da Editora Companhia das Letras de 11/01/2017
Esta é mais uma daquelas resenhas que já nascem com a avaliação do senso crítico comprometida e não há como ser diferente quando relemos um livro que foi tão marcante em nossa infância, um clássico escrito e publicado em 1906 pelo húngaro Ferenc Molnár (1878-1952) a partir de um tema simples que podemos resumir como a disputa de um terreno baldio em Budapest no final da década de 1880 por dois grupos de meninos, tema que acaba ganhando uma conotação universal por extrapolar os limites de época ou lugar. Não há como não se identificar com esses jovens e sua noção de honra, lealdade e amizade. Até mesmo os adversários em "combate" pelo terreno obedeciam a um rigoroso código de conduta que vigorava antes das transformações que ocorreriam em breve na Europa do século XX, levando às guerras de destruição em massa. O próprio Ferenc Molnár foi obrigado a emigrar para os Estados Unidos em 1939 devido à perseguição aos judeus durante a Segunda Guerra e não conseguiu retornar mais para a Hungria onde a sua obra foi censurada durante o regime comunista do pós-guerra.
Os meninos da rua Paulo, todos do mesmo colégio, se reúnem no terreno após as aulas para brincar e deliberar na Sociedade do Betume quando têm o seu espaço ameaçado por um grupo de outra área da cidade. Ferenc Molnár, também dramaturgo, criou personagens inesquecíveis que passam credibilidade ao longo da história, por vezes cômica e por outras trágica, lembrando um pouco as antigas epopeias gregas na luta pelo território, como destacou Nelson Ascher no posfácio. Os adultos e o seu mundo são uma ausência permanente no romance, exceto por algumas poucas intervenções como a do professor autoritário que representa as instituições de ensino da época ou o vendedor de torrone italiano, na maior parte do tempo os jovens se relacionam apenas uns com os outros em um universo paralelo onde aprendem o significado da amizade, lealdade, idealismo e coragem.
"Faltavam quinze minutos para uma hora. Na sala de ciências naturais, por cima da comprida mesa do professor, apareceu finalmente, após longas e infrutíferas tentativas, como para recompensar a expectativa intensa, uma cintilante risca verde‑esmeralda no meio da chama incolor do bico de Bunsen, documentando‑se, assim, que a composição química destinada, segundo afirmava o professor, a colorir de verde a chama do bico, cumpria o seu dever. Pois foi à uma hora menos quinze, exatamente naquele momento de triunfo, que no quintal da casa vizinha ressoou uma pianola, e isso acabou de vez com toda a seriedade da aula. Era um dia quente de março, as janelas estavam escancaradas e, nas asas da fresca brisa primaveril, a música penetrou na aula. A pianola tocava uma alegre canção húngara, transformando‑a numa espécie de marchinha, emprestando‑lhe um caráter tão estrondoso, tão vienense, que deu a toda a turma uma vontade de sorrir que muitos não souberam conter. A chama verde que oscilava alegre no bico de Bunsen, agora só atraía os olhares de alguns meninos dos primeiros bancos. Os outros olhavam pelas janelas para o mundo lá de fora, onde se viam os telhados dos casebres vizinhos, e, ao longe, rebrilhando à luz dourada do meio‑dia, a torre da igreja, em cujo mostrador o ponteiro grande, reconfortador, se aproximava do XII. Voltada para a janela, a atenção dos meninos captava, além da música, outros sons que nada tinham que ver com a aula. Condutores do bondinho de burro trombeteavam, e num dos quintais uma criada cantarolava uma melodia totalmente diversa da tocada pela pianola." - Págs. 19 e 20.
Relançado agora pela Companhia das Letras, que adquiriu parte do acervo da extinta Editora Cosac Naify, é um livro para todas as idades e que certamente encontra terreno mais fértil na mente de crianças e adolescentes (mesmo em nossos tempos de jogos eletrônicos). Comprei a edição anterior da Cosac Naify pensando em meu filho, talvez de forma um pouco prematura, quando ele ainda estava sendo alfabetizado, na certeza de que também saberia, no momento oportuno, aprender a sonhar com um clássico que foi tão especial para algumas gerações passadas, inclusive a minha. Recomendo que todos leiam ou releiam as aventuras de Boka, Chico Áts, Geréb e Nemecsek, esses meninos corajosos que continuam representando tão bem o idealismo ingênuo da juventude e a bravura que vai ficando um pouco esquecida ao longo da vida, nada como um bom livro para relembrar.
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Comentários
:)
Lembro que comentei há muito tempo atrás em meu blog sobre a importância que teve a leitura deste livro no início de minha adolescência.
um grande livro. Certamente seu filho vai gostar
Minha experiência com esse livro foi completamente diferente da de vocês.
No fim dos anos 70 eu estava começando minha carreira de professora e assumi uma substituiçao de 3 meses num ginasio noturno chamado "da Campanha" ( esqueci o nome, tratava_se de uma Campanha pelma escolaridade, uma coisa assim).
Bem, encontrei os alunos em pé de guerra porque o livro que deviam ler era justamente esse. Eram adolescentes de Niteroi, das favelas do centro da cidade. Achavam o livro infantil e sem nenhum sentido. Eu nao conhecia o livro, li-o às pressas e lembro-me de ter concordado com eles. Troquei o livro por Menino de Engenho que fez um sucesso enorme. A professora titular chegou a me perguntar o que eu fizera para dar-lhes amor à leitura. A receita era muito simples: além de Menino de Engenho, Doidinho, Bangue e o Auto da Compadecida. Um por mês e a peça de lambuja. Os eninos da Rua Paulo estavam muito longe dos meninos do Morro do Estado.
Beijos,
Gostei bastante do livro, que li faz apenas alguns anos. Esses dias eu comprei o DVD da adaptação fílmica do livro, é muito boa, vale assistir. Bela resenha, parabéns.
se tem tempo vai ver o www.expressodalinha.blogspot.com
e
www.grifoplanante.blogspot.com
è sobre meu livrinho...
um gde abraço
O amor que temos pelos livros se justifica assim: porque trazem embutido as circunstâncias em que nos foram apresentados.
Você me fez voltar ao meu aniversário de nove ou dez anos, quando ganhei esse livro da minha mãe: E ao que veio depois... todo fim de tarde era hora do questionário... ela me pedia prá dizer o que tinha lido e entendido. E enquanto ela molhava as plantas, a conversa ia...
Com certeza seu filho terá também terá esses vínculos da leitura com... Perdão, não dá para concatenar ou escrever mais. A viagem foi grande e as emoções trazidas foram imensas, ternas ...
Abraço grande e obrigado (sempre)
bento.
M - O céu hoje está mais azul que de costume.
E - E o mar então... duma calma!
F - Já sei Maria, você é cega e enxerga com a alma. Mas e tu, Eustáquio, se é surdo de nascença, vai me dizer que escuta o mar pelo coração?
E - Claro que não Filó. Eu ouço mesmo é pelos olhos.
Os três deram as mãos e seguiram em caminhada. Ah, embora Filó não tivesse pernas, mesmo assim ela flutuava.
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K e amigos, obrigado e boa semana.
B.
Acabo de votar, seguindo o B A BA que me mandou Ligia. De fato nao sei o que tinha me dado que eu entrava por um caminho complicadisimo.
Espero que Mundo de K esteja entre os primeiros. Sera um prêmio para todos nos, seus seguidores gratos.
Abraços,
Eliana
O problema é que nunca mais consegui repetir a experiência e reconhecer o livro da mesma forma, não sei se o livro mudou ou mudei eu!
Esses dias encontrei o filme, também surpreendente do direitor Zoltan Fábri, na 2001 e esta um primor na adaptação.
bjs