Regina Celi - Versos no Camarim
Regina Celi - Versos no Camarim - Editora Penalux - 82 Páginas
Edição: França e Gorj - Capa e Diagramação: Ricardo A. O. Paixão
Lançamento: 2018 (Leia aqui um trecho em pdf disponibilizado pela Editora).
Regina Celi trabalha com a imagem do camarim como representação do espaço mágico de preparação e transformação do artista, um ambiente de separação entre o mundo e a arte, mas que permanece também como uma espécie de abrigo, analogia com a atração e proteção que o poeta e a palavra encontram no "ninho quente do poema" (Duelo, p. 23). O prefácio da Prof.ª Dr.ª Virgínia Leal resume muito bem o procedimento artesanal da poeta em "achar palavras, levá-las ao camarim, vestir-se com elas; com elas, despir o mundo; em seguida, revestir desta vez os vários mundos e finalmente, no poema, fazer o mundo encantar-se." (p. 14)
Na parte inicial, "Quando as palavras me vestem em linguagem", Regina utiliza a sua experiência acadêmica e explora o conceito da palavra, essa importante unidade linguística que tem a responsabilidade de representar os sentimentos humanos assim como o mundo à sua volta. No entanto, identificamos aqui a questão de que a poesia não é construída somente pela palavra, mas também pelo silêncio, ou citando novamente os versos da própria autora: "O efeito está na percepção do que não é dito" (Misteriosa, p. 27). Em alguns casos, como em Rumores (p. 32), a característica hermética do poema me faz lembrar de Paul Celan (1920-1970).
Na parte inicial, "Quando as palavras me vestem em linguagem", Regina utiliza a sua experiência acadêmica e explora o conceito da palavra, essa importante unidade linguística que tem a responsabilidade de representar os sentimentos humanos assim como o mundo à sua volta. No entanto, identificamos aqui a questão de que a poesia não é construída somente pela palavra, mas também pelo silêncio, ou citando novamente os versos da própria autora: "O efeito está na percepção do que não é dito" (Misteriosa, p. 27). Em alguns casos, como em Rumores (p. 32), a característica hermética do poema me faz lembrar de Paul Celan (1920-1970).
RUMORES
buscar a palavra
perdida
em cada dobra de página,
na opacidade
que margeia prefácios
e epílogos,
ócio sentido
cada palavra dita,
indiferente ao sol,
enrubesce outra em sombra
ecoa na sonoridade oblíqua
em dissimuladas faces
no pulsar
da palavra
oculta,
crepitam
eloquentes silêncios
buscar a palavra
perdida
em cada dobra de página,
na opacidade
que margeia prefácios
e epílogos,
ócio sentido
cada palavra dita,
indiferente ao sol,
enrubesce outra em sombra
ecoa na sonoridade oblíqua
em dissimuladas faces
no pulsar
da palavra
oculta,
crepitam
eloquentes silêncios
Já na segunda parte, "No camarim, o mundo se despe em palavras", a emoção assume o comando da poesia como no poema Perdida (p. 42): "Caiu uma lágrima / no meu poema / não foi disparo / de meu olho / [conheço-lhe cor e calibre] // inesperada / atingiu certeira / versos meninos / que brincavam nos parques / ou dormiam / ainda sementes / em estado de poesia / juntei os caquinhos / enterrei no Rio toda a dor // quem sabe / a água expurga o pecado / de lavarmos as mãos / por tanto sangue derramado" Em Relógios de Areia (p. 40) e Paradigmas (p. 45) o lirismo convida para a refexão sobre o tempo: "nasceu, viveu, amou, morreu".
RELÓGIOS DE AREIA
quando
a vida escorria
em relógios de areia
as noites subornavam
as manhãs com estrelas
iludiam o sol com promessas
de raios mais quentes
pra reter sonhos
sob os lençóis
os dias seguiam
o fluxo das marés
e o florir dos flamboyants
até a ampulheta
quebrar a noite
e unir-se ao dia
em etéreas madrugadas.
PARADIGMA
nasceu aos prantos
viveu aos baques
amou à exaustão
morreu à míngua
Em "Do camarim, as palavras revestem os mundos" descobrimos no poema À deriva (p. 56) que navegar não é preciso, navegar é poesia. Já em Fios de Mãe (p. 53) um lindo exemplo de como expressar tanto sentimento em um espaço tão reduzido. Regina "desenha com palavras" e a poesia se torna muito visual, praticamente uma pintura impressionista, como no poema Hoje (p. 60): "não escrevo poema / desenho com palavras / uma lua escandalosa e cheia de timidez / escondida por trás da névoa prateada / sob chuva fininha / cortinando gotículas de led / que formam luminosas poças d'água / de estrelas reluzentes // quase um Monet."
À DERIVA
quis ser barco à vela
desgarrar-se do porto
no leme de gaivotas
ousar pensar
no mar só dela
e foi...
na falta de lua
desenhou estrelas
numa pipa psicodélica
fez dela aurora boreal
céu e oceano fagulham
contos e assombrações
em folhas de papel
navegar
é poesia
FIOS DE MÃE
os labirintos
de minha mãe
escondem segredos
revelam caminhos
entre tramas de textos
e tecidos de linho
Na seção final, "Na magia do camarim, o mundo se encanta em poema", a poeta resume o seu ofício em Escrevo (p. 73): "só porque sou lua /e em fase cheia / transbordo pirilampos adormecidos / em palavras despertas em suor, / fluidos e sentimentos // e no que transbordo / desoculto a face dos silêncios loquazes: / desafogo-me // e no que deságuo / contrario máximas: / escrevo para ninguém // confronto-me com a palavra / fruto urgente do enunciado / ainda que por mim gerada // desconheço-lhe a maternidade / me vejo cria da palavra." Para concluir em Partituras (p. 80) com uma verdade que todos conhecemos: "o universo cabe num poema".
PARTITURAS
nuvens e catedrais
rasuram sinfonias
horror e glória
despem o mundo
interior e o cósmico
imune ao tema,
o universo
cabe num poema.
RELÓGIOS DE AREIA
quando
a vida escorria
em relógios de areia
as noites subornavam
as manhãs com estrelas
iludiam o sol com promessas
de raios mais quentes
pra reter sonhos
sob os lençóis
os dias seguiam
o fluxo das marés
e o florir dos flamboyants
até a ampulheta
quebrar a noite
e unir-se ao dia
em etéreas madrugadas.
PARADIGMA
nasceu aos prantos
viveu aos baques
amou à exaustão
morreu à míngua
Em "Do camarim, as palavras revestem os mundos" descobrimos no poema À deriva (p. 56) que navegar não é preciso, navegar é poesia. Já em Fios de Mãe (p. 53) um lindo exemplo de como expressar tanto sentimento em um espaço tão reduzido. Regina "desenha com palavras" e a poesia se torna muito visual, praticamente uma pintura impressionista, como no poema Hoje (p. 60): "não escrevo poema / desenho com palavras / uma lua escandalosa e cheia de timidez / escondida por trás da névoa prateada / sob chuva fininha / cortinando gotículas de led / que formam luminosas poças d'água / de estrelas reluzentes // quase um Monet."
À DERIVA
quis ser barco à vela
desgarrar-se do porto
no leme de gaivotas
ousar pensar
no mar só dela
e foi...
na falta de lua
desenhou estrelas
numa pipa psicodélica
fez dela aurora boreal
céu e oceano fagulham
contos e assombrações
em folhas de papel
navegar
é poesia
FIOS DE MÃE
os labirintos
de minha mãe
escondem segredos
revelam caminhos
entre tramas de textos
e tecidos de linho
Na seção final, "Na magia do camarim, o mundo se encanta em poema", a poeta resume o seu ofício em Escrevo (p. 73): "só porque sou lua /e em fase cheia / transbordo pirilampos adormecidos / em palavras despertas em suor, / fluidos e sentimentos // e no que transbordo / desoculto a face dos silêncios loquazes: / desafogo-me // e no que deságuo / contrario máximas: / escrevo para ninguém // confronto-me com a palavra / fruto urgente do enunciado / ainda que por mim gerada // desconheço-lhe a maternidade / me vejo cria da palavra." Para concluir em Partituras (p. 80) com uma verdade que todos conhecemos: "o universo cabe num poema".
PARTITURAS
nuvens e catedrais
rasuram sinfonias
horror e glória
despem o mundo
interior e o cósmico
imune ao tema,
o universo
cabe num poema.
Regina Celi nasceu em João Pessoa, em 1963. É Doutora em Letras pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professora da Universidade Federal da Paraíba (UFPB), pesquisadora 1D do CNPq, editora da Revista Prolíngua, coordenadora da sub-sede da Cátedra UNESCO em Leitura e Escritura e do Ateliê de Textos Acadêmicos (ATA), líder do Grupo de Estudos em Letramentos, Interação e Trabalho (GELIT) e membro do grupo Análise da linguagem, trabalho e suas relações (ALTER) da Universidade de São Paulo (USP). Tem vários livros publicados, além de capítulos e artigos, no entanto, todas as publicações, até agora, são de natureza acadêmica, em Linguística Aplicada. Este é seu primeiro livro de poemas, mas já publicou no blog Zonadapalavra, no suplemento literário Correio das Artes e nas revistas digitais Mallarmagens, Germina, Literatura e Fechadura e Gueto.
Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Versos no Camarim de Regina Celi
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