Enciclopédia negra: Biografias afro-brasileiras

História, atropologia, sociologia
Enciclopédia negra: Biografias afro-brasileiras - Flávio dos Santos Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Moritz Schwarcz - Editora Companhia das Letras - 720 Páginas - Projeto gráfico: Victor Burton - Lançamento: 2021.

Este livro pretende dar visibilidade a uma grande parte da nossa história – normalmente ignorada nos registros oficiais – a partir de 417 verbetes individuais e coletivos sobre 550 personalidades negras, de sexo, gênero e orientação sexual distintos, resgatando as biografias de políticos, artistas, esportistas,  profissionais liberais e pessoas comuns, assim como de revolucionários e líderes religiosos que se tornaram lendas na luta contra a escravidão, desde meados do século XVI até o século XXI, em todas as regiões do Brasil.

Na verdade, a carência de informações nos arquivos historiográficos sobre personagens afro-brasileiros é mais um reflexo do racismo estrutural que persiste em nossa sociedade até hoje, exigindo um esforço monumental dos autores para viabilizar esta Enciclopédia negra e reconstituir o passado com base em fragmentos de documentos coloniais, diários e publicações jornalísticas. Uma extensa referência bibliográfica e índice remissivo fazem parte da obra, contribuindo para pesquisas nas áreas de história, sociologia e antropologia.

"Um grande e constrangedor silêncio habita a maior parte dos arquivos brasileiros e coloniais e, sobretudo, dos nossos manuais e livros didáticos. Neles, enquanto os registros de atos empreendidos pela população branca estão por toda parte, as referências acerca da imensa população escravizada negra que viveu no país, desde meados do século XVI até praticamente o fim do século XIX, são bem escassas. Ainda são muito pouco mencionados os negros e as negras que conheceram o período de pós-abolição, aquele que se seguiu à Lei Áurea, de 13 de maio de 1888, a qual, longe de ter sido um ato isolado e 'redentor', fez parte de um processo coletivo de luta incessante pela liberdade, protagonizado por negros, libertos e seus descendentes. Por fim, se hoje as fontes documentais se multiplicaram, fora da bibliografia especializada são raros os registros das atuações desses grupos, e também do racismo e da violência cotidianos, com seus personagens sendo condenados, ao menos numa história mais oficial, a uma dupla morte: a física e a da memória."

Um reflexo desta invisibilidade documental é a ausência de retratos sobre os biografados, sendo assim, como parte do projeto, os organizadores convidaram trinta e seis artistas negras e negros para criar imagens inspiradas nos verbetes desta enciclopédia e nos personagens, alguns deles francamente desconhecidos do grande público, que foram parcialmente incluídas no livro e na exposição organizada pela Pinacoteca de São Paulo que ficará disponível de 01/05/21 a 08/11/21 exibindo o conjunto completo dos 106 trabalhos.

A imagem na capa do livro, por exemplo, foi criada pela pintora Mônica Ventura e representa Afra Joaquina que "vivia em Salvador e era casada com seu ex-senhor, Sabino Francisco Muniz, de origem africana como ela, o qual, uma vez liberto, pagou pela liberdade da esposa ao mesmo tempo que se tornou proprietário de outros escravos. Sabino morreu entre 1870 e 1872, deixando todos os seus bens para a mulher e a liberdade para duas escravizadas de nome Severina e Maria do Carmo, contanto que permanecessem ao lado de Afra até a morte desta. As relações de Afra com essas cativas não foram, porém, amistosas, tendo levado até a um processo cível. O exemplo de Afra mostra como era complexo o mundo que a escravidão concebeu."

Imagens: 1. Afra Joaquina (séc. XIX) por Mônica Ventura, 2. Rainha Marta dos Quilombolas de Iguaçu por Mariana Rodrigues (sec. XIX), 3. Ana de Jesus (séc. XVIII) por Jackeline Romio, 4. Zumbi (1655-95) por Arjan Martins.

"Não se trata, aqui, de inventar heróis ou enumerar vítimas, muito menos de construir narrativas subalternas ou subalternizadas. Partindo da fundamental contribuição historiográfica, antropológica, literária e sociológica dos últimos quarenta anos, tentamos reler contextos, processos sociais, horizontes de expectativas, envolvendo vários personagens, auscultando dessa forma vidas e trajetórias repletas de propósitos e de planejamentos. Incompletos para aqueles que viveram no mesmo período e, sobretudo, para nós, que tentamos encontrá-los tantos séculos depois, esses protagonistas ergueram mosaicos de experiências, movimentos históricos profundos, ainda bem pouco conhecidos entre nós."

Uma obra indispensável para conhecermos melhor as origens do nosso país, respondendo de uma vez à clássica pergunta de Darcy Ribeiro: "Por que o Brasil ainda não deu certo?" e, quem sabe, começar a construir um futuro mais justo e igualitário para todos a partir deste conhecimento.

Sobre os autores:

FLÁVIO DOS SANTOS GOMES é historiador e professor da UFRJ. Dentre outros livros, escreveu A hidra e os pântanos (2006), O alufá Rufino (2011, em coautoria com João José Reis e Marcus J. M. de Carvalho) e organizou, juntamente com Lilia Moritz Schwarcz, o Dicionário da escravidão e liberdade (2018). 

JAIME LAURIANO é artista visual. Com diversas exposições individuais no Brasil e no exterior, concebeu uma obra especial para a sobrecapa do Dicionário da escravidão e Liberdade (2018), organizado por Lilia M. Schwarcz e Flávio dos Santos Gomes. 

LILIA MORITZ SCHWARCZ é professora titular no Departamento de Antropologia da USP e Global Scholar na Universidade de Princeton. É autora de, entre outros livros, O espetáculo das raças (1993), As barbas do imperador (1998, prêmio Jabuti de Livro do Ano), Brasil: Uma biografia (com Heloisa Murgel Starling, 2015) e Lima Barreto: Triste visionário (2017, prêmio Jabuti de Biografia).

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