Andréa del Fuego - A pediatra

Literatura brasileira contemporânea
Andréa del Fuego - A pediatra - Editora Companhia das Letras - 160 Páginas - Capa: Elisa von Randow - Lançamento: 2021.

O mais recente lançamento de Andréa del Fuego é um romance daquele tipo que se lê de um só fôlego, uma vez iniciado não se consegue parar. A protagonista, Dra. Cecília Tomé Vilela, verdadeiro achado literário, é uma pediatra que detesta crianças e tem um nível de empatia praticamente nulo com relação às mães, além de uma coleção de preconceitos que nivela o seu comportamento a um diagnóstico de psicopatia. Ainda assim, confesso que me apaixonei por ela e você também não vai resistir ao insuperável charme do mal, que somente os melhores vilões conseguem emanar.

Cecíla mantém um consultório e trabalha também como neonatologista, ou seja, atua nos cuidados específicos aos bebês recém-nascidos. Ela é radicalmente contra as técnicas de parto humanizado assistido por doulas, mas vê a sua posição ameaçada quando começa a ser preterida pela sua parceira obstetra cesarista em função de um pediatra especializado em uma linha mais humanista. O livro desperta o debate sobre as vantagens e desvantagens do parto humanizado em relação à cesariana e aponta as vantagens e desvantagens de ambos os métodos, assim como o risco que sempre existe em qualquer parto.

"Marido infeliz mina até um jequitibá. Eu jogava na cara dele a rigidez das minhas articulações, uma fibromialgia se instalava por sua culpa. Ele estava havia meses de folga da construtora da família, os tratamentos para depressão surtiam efeito no início. No começo eu me animava, quando ele voltava ao lodo, eu me alongava na rua, do consultório ia para o supermercado comprar congelado e planta, chegava com ele já dopado no quarto. Meu limite se tornava limiar a cada novo comprimido, adiava o confronto, eu tinha preguiça de dar o primeiro tiro da separação enquanto minha rigidez ganhava a companhia da enxaqueca, da náusea e do formigamento."

Sempre pensando apenas em seus objetivos e no próprio bem-estar, ela encaminha as crianças com doenças crônicas para médicos especialistas, mantendo apenas os casos "autolimitados e corriqueiros", enquanto avia as mesmas receitas, mudando apenas o nome do paciente. A vida sexual de Cecilia é mantida a todo vapor com base em uma relação tórrida com Celso, um homem casado e a excitação provocada pelas fantasias com Robson, segurança de uma pizzaria e amante de Deise, sua empregada que está grávida.

"Ninguém notava que eu tinha pouca vocação e paciência para ser médica, a boa formação garantia que eu não fosse processada, fazia bem-feito o feijão com arroz, procedimetos que qualquer pediatra faz escondiam minha inaptidão. Meu caso é comum, estudei medicina desapaixonada, com o pai no leme. Não é diferente de quem cuida de vacas porque de sua janela era o que havia, festejando o fato de que não era mais preciso caçar, apenas manter o gado. Meu pai era endocrinologista pediátrico e a área de diabetes infantil crescia, proprietário de um andar num edifício comercial, eu podia atender numa das salas. Aceitei a facilidade, segui na pediatria com o apoio paterno, mas não me especializaria num caso único, não queria ver sempre a mesma  doença, nem mãe de filho com doença crônica. [...]"

A rotina da sórdida pediatra sofre uma grande transformação quando ela descobre um sentimento inédito despertado pelo filho de Celso, uma criança que ela ajudou a nascer. Contudo, este sentimento, muito próximo do que imaginamos como amor, é vivenciado por ela de uma forma muito peculiar, como não poderia deixar de ser. Assusta um pouco imaginar que possam haver pediatras e profissionais da área de saúde como Cecília, mas não há como ficar imune à sedução que ela provoca, uma personagem que representa muito bem a nossa época.

"A mãe não viu o filho nem vivo nem morto, estava ainda sedada quando a secretária me telefonou. Já estão tomando as providências, dr. Paulo só pediu para te avisar. Minha secretária sempre se impressionava com óbito e me olhava como se eu pudesse ressuscitar alguém, a medicina é milagrosa para quem não a pratica. Não é falta de vínculo da minha parte, não tenho vínculo mesmo, mas cansei de ver colegas empáticos praticarem medicina de barbearia e, por outro lado, médicos pragmáticos e de pouco riso salvarem vidas apenas imitando o que aprenderam. Detesto crianças e não sou eu quem as trata, mas a medicina que estudei."

Sobre a autora: Andréa del Fuego nasceu em São Paulo, em 1975. Escritora e mestre em Filosofia pela USP, publicou os volumes de contos Minto enquanto posso (O Nome da Rosa, 2004), Nego tudo (Fina Flor, 2005), Engano seu (O Nome da Rosa, 2007) e As miniaturas (Companhia das Letras, 2013), além de diversos livros juvenis e infantis. Seu primeiro romance, Os malaquias (Língua Geral, 2010), ganhou o Prêmio Saramago de literatura.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar A pediatra de Andréa del Fuego

Comentários

Gostei da resenha. Se tiver oportunidade vou ler, é um livro atraente, parece que como sua protagonista.

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Alexandre Kovacs disse…
Oi Kelly, grato pela visita e comentário. Vale a pena conhecer a pediatra!

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