Sinara Foss - Plural de fêmeas

Literatura brasileira contemporânea
Sinara Foss - Plural de fêmeas - Editora Bestiário - 94 Páginas - Projeto gráfico: e-design - Fotografia de capa: Joe Nicolay - Lançamento: 2021.

É fácil perceber que a inspiração de Sinara Foss em seu mais recente lançamento, Plural de fêmeas, está no noticiário dos grandes centros urbanos brasileiros, nas ocorrências de homicídios passionais e na prática recorrente de misoginia. Todos os dezenove contos do livro são protagonizados por mulheres na fictícia cidade de Vinha d’Alho, algum lugar no interior do Rio Grande do Sul e, em cada narrativa, encontramos situações extremas de desespero e violência que provocam ações inesperadas das personagens em confronto com as regras impostas por uma sociedade patriarcal que as oprime.

Em um estilo muito próximo do clima fantástico e de terror da argentina Samanta Schweblin, as protagonistas sofrem traições e agressões em um cotidiano do qual não conseguem escapar. A autora dividiu esta antologia em quatro seções temáticas: "Vingança, um prato temperado"; "Zelo de mãe"; "Na busca de um sentido para tudo" e "Torturas silenciadas".

A primeira parte, "Vingança, um prato temperado", é composta por histórias de crimes passionais que, normalmente são praticados por homens, caracterizando a prática de feminicídio em nossas cidades, nem sempre contemplada nas estatísticas oficiais de forma correta, mas aqui as mulheres têm uma chance de reação, ainda que apenas no campo da ficção. É o caso do conto "Se você não for, será pior", com um trecho destacado abaixo.

"Enfia a faca na lateral da cueca e, sem encostar nele o metal frio, corta o tecido fino. Gláucio vira-se de lado e resmunga. Sara tranca a respiração, espera o sono adorná-lo outra vez e olha, com nojo, o órgão desleal. Num gesto rápido pega o membro flácido, puxa-o e, com um golpe certeiro, corta-o pela base. Ao sair, Sara observa o marido contorcer-se de dor com as mãos na genitália mutilada, vê a parede e a cômoda respingadas de vermelho. Sorri enquanto o horror o domina. Num caminhar sonâmbulo, mas rápido, Sara chega na cozinha, e, ainda com a faca empunhada em uma das mãos, observa o sangue do tubérculo morto escorrer pela outra mão. Larga o membro na pia de mármore sobre a tábua de cortar carne e pica-o em vários pedaços. Joga tudo na lixeira enquanto escuta os gritos incrédulos e desesperados que vêm do quarto." - Trecho de "Se você não for, será pior" (pp. 17-8)

Em "Zelo de mãe", os contos mostram como a violência contra a mulher torna-se ainda mais cruel quando existem filhos envolvidos. Muitas vezes abandonadas pelos maridos, elas ficam com a responsabilidada do sustento e educação das crianças. Destaque para"Pôr do sol" (ler trecho abaixo) e o ótimo "Sempre juntas", com um final surpreendente, que explica o desaparecimento de uma menina e as suspeitas da polícia e dos vizinhos sobre a mãe.

"À tardinha, Matilda, como tem feito nos últimos quinze anos, empurra a cadeira de rodas de Raul para o pátio dos fundos, onde o muro baixo lhe permite observar o horizonte. O filho adora. Espera o momento quando o sol se esconde atrás do morro e agita-se, soltando grunhidos fortes e berros desafinados. Estica o braço como se pudesse impedir o sol de ser engolido pelo horizonte. Atira-se para o alto e só o cinto de segurança é capaz de mantê-lo na cadeira que, mesmo travada, anda para frente e para trás, cada vez com mais força. A mãe corre e segura. Seus olhos ardem, as lágrimas vertem felizes com uma dor entrecortada. O espetáculo diário do sol é a única alegria que ela e o filho conseguem ter. O marido um dia acordou Matilda, nem lembrava quando, e disse que estava em seu limite. Ia embora. Ela, que há muito alcançara o próprio limite, nada respondeu. A cruz que era dos dois, ela carregaria sozinha." - Trecho de "Pôr do sol" (p. 35)

Já em "Na busca de um sentido para tudo",  a morte vem terminar relacionamentos de muitos anos e o clima dos contos está mais focado no terror, contudo sempre surpreendendo o leitor com muita originalidade. Destaque para "Desabafo" e "Vida no Sótão"A última parte, "Torturas silenciadas" apresenta um conto inspirado na recente pandemia e os efeitos na vida de pessoas simples que já precisavam lidar com tantos problemas, ler o trecho abaixo de "Promessa para toda a vida". No último conto do livro, "Aos pedaços", um thriller psicológico de tirar o fôlego.

"Agustina ofereceu a casa para Cristiana e a família passarem a quarentena imposta pelo governo. A empregada não podia aceitar, o marido Luís jamais admitiria. Cristiana concentrou-se em suas tarefas com o peito naufragado no medo. Precisava deixar a casa em ordem para Agustina. Não sabia quanto tempo ficaria fora. Desligou a geladeira, tirou geleia, queijo, pote com feijão cozido, ovos, a bandeja de legumes, a garrafa de vinho tinto e seco pela metade, e depositou tudo sobre a bancada da cozinha. Enquanto o gelo acumulado derretia em um recipiente colocado para não inundar o chão, limpou os banheiros com produtos com cheiro de jardim, e o pensamento no futuro. Imaginou seu marido Luís, na pequena casa em que moravam, sentado no sofá com as pernas em uma cadeira, o copo cheio na mão, implicando com ela e os meninos." - Trecho de "Promessa para toda a vida" (p. 68)

Sobre a autora: Sinara Foss nasceu no interior do RS em 1969. Mestra em Literaturas de Língua Inglesa pela UFRGS, trabalha como tradutora e professora de inglês. É vegetariana e ativista da causa animal.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Plural de fêmeas de Sinara Foss

Comentários

Muito bom , parte do texto que foi escrito. Uma pena, a escritora ter posições desvendadas, pois isso direciona a sua imaginação.

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