Rosana Vinguenbah - Relatos insignificantes de vidas anônimas

Literatura brasileira contemporânea
Rosana Vinguenbah - Relatos insignificantes de vidas anônimas - Editora Caos & Letras - 88 Páginas
Projeto Gráfico: Cristiano Silva - Arte de Capa: Eduardo Sabino - Lançamento: 2021.

Rosana Vinguenbah se afasta do cenário dos grandes centros urbanos, tão comum na literatura brasileira contemporânea, para criar narrativas nas quais os personagens são confrontados em regiões rurais, não claramente situadas no tempo e no espaço, com eventos de natureza fantástica em meio à rotina do cotidiano em um estilo inspirado pelo realismo mágico. O leitor logo perceberá a ironia do título, já que não há nada de insignificante nos contos, desde a transmutação de seres humanos em pássaros ou árvores até a comunicação com os mortos.

Outra característica marcante no livro é a passagem do tempo, um elemento comum em cada um dos dez contos desta antologia. A referência pode ser direta como em "Herdeira do tempo", narrativa inicial que já coloca o leitor no clima da literatura fantástica ao demonstrar, nessa espécie de parábola, como perdemos o controle do próprio tempo em nossa época. Corina é a protagonista que herdou a responsabilidade de manipular o tempo de seus antepassados, mas tudo está para mudar quando ela percebe que o relógio parou de funcionar repentinamente.

"O tempo não passava com a mesma velocidade naquele lugar. Corina, a mulher mais velha da região, era a herdeira de uma geração que o manipulava. [...] Corina carregava o relógio no bolso do vestido. Nunca se separava dele. Não tinha familiares para ensinar o seu ofício. Não foi abençoada com a maternidade, mas não sentia rancor por isso. Ao contrário, ajudara muitas crianças a vir ao mundo, devagar, obedecendo o tempo, sem pressa. Com seus antepassados, aprendeu muitas coisas que fizeram dela uma mulher respeitada em sua comunidade. De sua avó, recebeu os ensinamentos que a transformaram em protetora do tempo. Sempre ouvia a velha dizer que, no dia em que o tempo deixasse de ser controlado, as pessoas não controlariam as suas próprias vidas. Quando ela se foi, conforme sua vontade, o relógio foi entregue a Corina." - Herdeira do tempo (pp. 15-6)

Já em "O buraco", Juliana é uma menina que encontra satisfação em brincar com suas bonecas entre as lápides e os jazigos do cemitério na pequena cidade onde vive. A preferência pelo local insólito é explicada pela perseguição das outras crianças na escola e também pelas cenas de violência doméstica, na forma das marcas no rosto e no corpo da mãe. A rotina de Juliana é interrompida quando ela escuta uma voz vinda do chão, ao lado de uma sepultura onde brincava, uma voz que a convida a entrar em um buraco, a pequena protagonista aceitará o convite?

"O cemitério vivia entregue aos cipós e parasitas que teimavam em entrelaçar suas raízes pelo concreto rachado das sepulturas. Cidade pequena habitada por gerações atuais de antigas famílias que povoaram a região, poucos idosos ainda resistiam. Ninguém tinha intimidade com os mortos. Ninguém cuidava das sepulturas de seus parentes. Queriam mesmo era viver sem que a morte os incomodasse com os seus vestígios burocráticos. / Só Juliana gostava daquele lugar. Lá ela se sentia amparada pelo silêncio. Poderia conversar com as suas bonecas, com as árvores, com os insetos, sem que fosse censurada. Não gostava da companhia de outras crianças. Elas eram cruéis. Brigavam, corriam desordenadas, se machucavam e julgavam umas às outras. Era assim na escola, nas festas da igreja, nos finais de semana na pracinha. Sempre saía alguém chorando ou gritando pelos pais. Desde a primeira vez que foi empurrada e ficou estirada no chão sob as gargalhadas das outras crianças, Juliana percebeu que era melhor ficar sozinha." - O buraco (pp. 53-4)

No conto "Máquina fotográfica", a protagonista narra em primeira pessoa uma situação comum pela qual nos deparamos algumas vezes ao longo da vida, a necessidade de liberar espaço em casa e desapegar de antigos objetos sem utilidade prática. Uma máquina Kodac Instamatic faz com que ela se lembre da infância na casa da avó e de uma foto em particular que, na época, causou estranheza a toda a família. Não devo adiantar a conclusão do conto para preservar a surpresa dos leitores. Um livro recomendado para todos os apreciadores da literatura fantástica. Acho que ainda ouviremos falar bastante de Rosana Vinguenbah.

"Vários objetos surrados estavam amontoados na caixa. Um jogo de xícaras do casamento de minha mãe, uma boneca de borracha toda descabelada e rabiscada por mim durante a infância, alguns bibelôs de louça desbotados pelo tempo e minha máquina fotográfica Kodak Instamatic, que ganhei de minha madrinha quando completei dez anos. / Peguei a máquina e fiquei observando aquela caixinha de plástico obsoleta que capturava e guardava as imagens dos nossos momentos afetivos. Não pude deixar de pensar que também nos tornamos obsoletos conforme o tempo passa e que, um dia, nossas lembranças farão parte de um amontoado de tranqueiras guardadas em uma caixa de papelão, no quartinho de despejo de alguém." - Máquina fotográfica (pp. 82-3)

Literatura brasileira contemporânea
Sobre a autora: Rosana Vinguenbah nasceu em São Paulo e é radicada em Minas Gerais desde a infância. Bióloga, atua como Funcionária Pública Administrativa. Autora do romance Sopa de Pedras (Penalux, 2018), teve um texto selecionado para a coletânea de contos Retratos de uma Vida em Quarentena (Dublinense/Elefante, 2020), e venceu o Concurso Literário Pintura das Palavras, entre mais de mil textos enviados, com o conto “Baixo Augusta”. Tem contos publicados em revistas e portais literários.

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Relatos insignificantes de vidas anônimas de Rosana Vinguenbah

Comentários

Olá, tudo bem? Gostei muito de conhecer um pouco de sua literatura através dos pequenos textos deixados aqui. Parabéns.
Convite: Venha conhecer o Grupo Novos Autores: https://www.facebook.com/groups/4904615876258947

Venha falar um pouco de sua obra e de sua pessoa. Seja muito bem vinda.
Obrigado por essa resenha tão generosa sobre meu livro, Alexandre. As resenhas são muito importantes para quem escreve.
Alexandre Kovacs disse…
Paulinho,obrigado pelo convite, vou lá conhecer o grupo!
Alexandre Kovacs disse…
Oi Rosana, obrigado pela visita e parabéns pelo livro.

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