André Tessaro Pelinser - O céu das pequenas criaturas

Poesia brasileira contemporânea
André Tessaro Pelinser - O céu das pequenas criaturas - Editora Urutau - 92 Páginas
Diagramação e Capa: Victor H. Azevedo - Lançamento: 2021.

O livro de estreia de André Tessaro Pelinser surpreende ao apresentar uma poesia engajada que reflete sobre temas políticos e sociais contemporâneos, mas sem descuidar do lirismo. A catástrofe da pandemia está presente em alguns poemas como políticas públicas: "É preciso e urgente / padronizar a matemática dos corpos / quantificar os sistemas de infecção / organizar a logística dos necrotérios / garantir matéria-prima às funerárias / madeira e carne em ritmo acelerado [...]" (p. 48) ou provas do crime: "as digitais do assassino / dependem de seus cúmplices, / cada morte é um ato de fé coletivo / assinado em papel timbrado / com carimbo ministerial" (p. 54).

Certas questões humanas também inspiram o poeta, como a angústia existencial decorrente da passagem do tempo em contagem: "contra o silêncio do mundo / segue exato / cadenciado / nauseabundo / o som duro e inapelável do marcador do apocalipse / ali dependurado / imperturbável / na parede da cozinha / como se fosse / mero relógio de família" (p. 11) ou no lindo o tempo voa: "[...] depois de olhar para o relógio pela quinta vez / nesta manhã ensolarada e monótona e silenciosa / você conclui que nada se move / que o tempo é um lago sob o sol [...]" (p. 13).

A injustiça social, que tentamos ignorar, está presente em incômodos: "[...] o pobre não quer nada / mal sabe o que dizer / mas atrapalha a planilha que é uma beleza / na mera tarefa de existir" (p. 66). E então percebemos que o homem, em seus delírios de grandeza, é semelhante ao pequeno inseto que caminha sem direção sobre a planta da sala, como no poema que empresta o título ao livro e nos questionamos sobre a finalidade da nossa existência em engenharia de projéteis: "porque nem toda a cultura do mundo / é capaz de nos salvar da civilização" (p. 71)

o céu das pequenas criaturas

sobre a planta da sala
à luz de verão
um inseto caminha
caminha sem direção
encontra o fim
no fim da folha
retrocede e ascende
escala o caule
em busca do auge
galga a pétala
suave e branca
alta nuvem no céu
das pequenas criaturas
e novamente caminha
caminha sem direção
cercado de abismos
até onde alcança a visão

a inocência do casal

esgotou-se o amor em plena sexta-feira
sabe lá se vítima da rotina semanal
esvaiu-se não por entre os dedos
que isso seria poético demais
mas pelo ralo do banheiro
durante uma ducha fria
de resistência queimada
porque afinal não há poesia alguma
em deixar morrer o amor

certo é que se foi, murchou e sumiu
justo antes do final de semana
quando haveria cinemas a distraí-lo
restaurantes para engordá-lo
e motéis para garantir uma noite mal dormida
às vésperas da segunda-feira

vai ver definhou de cansaço
acostumado ao cartão-ponto
ao quadro de horários
ao almoço fixo

assim sem explicação expirou
em plena sexta-feira o amor

engenharia de projéteis

há quem diga que não
mas todo o conhecimento humano
pode ser armazenado
na cápsula de um projétil
elaborado com precisão
para ressoar num gueto de varsóvia
ao compasso de mozart ao piano
ou numa favela do rio de janeiro
ao ritmo da roda de samba
porque nem toda a cultura do mundo
é capaz de nos salvar da civilização

respiração relutante

o menino parado sob o semáforo
respira com relutância
como se carinhosamente afagasse
o ar ofegante que lhe escala a traqueia aos trancos
ele parece evitar se comprometer com a vida
associada à respiração constante
afinal ela nem sempre merece
ser vivida a pulmões plenos
pensa ele sem pensar
entre um intervalo e outro
quando o fôlego lhe falta e as mãos tornam-se inúteis 
sem serventia no trânsito que flui
flui verde e rápido e não olha e não para
porque o mundo este sim exala e respira
monóxido de carbono ejetado com a fúria
dos que vivem e comem e bebem
como se não houvesse amanhã
e talvez não haja
o menino sabe e por isso reluta em respirar
condenado à labuta de viver

Poesia brasileira contemporânea
Sobre o autorNasceu no Rio Grande do Sul em 1986. É graduado e mestre em Letras pela UCS e doutor em Estudos Literários pela UFMG. Atua na área de Estudos Literários, com ênfase em Literatura Brasileira, Literatura Comparada, História da Literatura, Regionalismo. Líder do Núcleo de Estudos em Narrativa Ficcional Brasileira (UFRN / CNPq). Vive no Rio Grande do Norte, onde é professor de literatura brasileira na UFRN. 

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar O céu das pequenas criaturas de André Tessaro Pelinser

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