Louise Glück - Receitas de inverno da comunidade

Poesia norte-americana contemporânea
Louise Glück - Receitas de inverno da comunidade - Editora Companhia das Letras - 88 Páginas - Tradução de Heloisa Jahn - Capa de Daniel Trench - Lançamento: 2022.

Em 2020 a Academia Sueca surpreendeu, como sempre, ao anunciar a poeta norte-americana Louise Glück como Prêmio Nobel de Literatura "por sua inconfundível voz poética que, com beleza austera, transforma a existência individual em universal". Na época, sem livros traduzidos no Brasil, a autora era praticamente desconhecida por aqui e talvez em boa parte do mundo, apesar das premiações constantes em seu país, por exemplo, em 2016 recebeu a condecoração National Humanities Medal do então presidente dos EUA, Barack Obama.

A tal "beleza austera" está presente também no mais recente lançamento de Louise Glück, primeiro livro após ter sido laureada com o prêmio Nobel. Nesta bem-cuidada edição bilíngue estão reunidos quinze poemas que lidam com a passagem do tempo e a proximidade da morte, ou seja, a nossa fragilidade humana tão difícil de aceitar e de compreender, como no poema Outono: "A vida, disse minha irmã, / é como uma tocha que agora passa / do corpo para a mente. / Que triste, ela continuou, a mente não / estar ali para recebê-la." (p. 53), ou no longo Uma história sem fim"Buscamos amor a vida inteira, / mesmo depois de encontrá-lo." (p. 43).

Os poemas utilizam personagens comuns em diálogos simples e situações do cotidiano (me fazendo lembrar da mestra de todos os poetas, Wisława Szymborska), normalmente evocando lembranças da infância como em História de criança: "[...] Quem pode falar no futuro? Ninguém sabe coisa alguma sobre o futuro, / nem os planetas sabem. / Mas as princesas terão de viver nele." (p. 73). Selecionei abaixo três poemas que lidam com a questão da finitude, cada um a seu modo, uma boa oportunidade de conhecer um pouco da obra de Louise Glück, uma das vozes mais importantes da poesia contemporânea norte-americana.

Pensamentos noturnos

Há muito tempo eu nasci
Já não há ninguém vivo
que se lembre de mim quando bebê.
Eu era um bebê bonzinho? Ou
difícil? A não ser na minha cabeça,
essa questão está agora
silenciada para sempre.
Que será que caracteriza 
um bebê difícil, pensei. Cólica,
dizia minha mãe, o que significava
que eu chorava muito.
Que mal poderia haver
nisso? Que dura era essa coisa de 
estar viva, natural
todos morrerem. E que miúda
devo ter sido, pendurada 
na minha mãe, ganhando suas palmadinhas
de aprovação.
Que lástima que fiquei
verbal, desconectada
dessa memória. O amor da minha mãe!
Não demorou, emergi
No meu eu verdadeiro,
forte mas amarga.
como um despertador.

Night Thoughts

Long ago I was born.
There is no one alive anymore
who remembers me as a baby.
Was I a good baby? A
bad? Except in my head
that debate is now
silenced forever.
What constitutes 
a bad memory, I wondered. Colic,
my mother said, which meant
it cried a lot.
What harm could there be 
in that? How hard it was
to be alive, no wonder
they all died. And how small
I must have been, suspended
in my mother, being patted by her
approvingly.
What a shame I became
verbal, with no connection
to that memory. My mother's love!
All too soon I emerged
my true self.
robust but sour,
like an alarm clock.

Segundo vento

Acho que este é o meu segundo vento,
disse minha irmã. Muito
parecido com o primeiro, mas
isso acabou, me lembro. Ah,
que vento era aquele, tão forte
que as folhas caíam das árvores.
Acho que não,
eu disse. Bom, elas estavam
no chão, minha irmã disse. Lembra
que corríamos pelo parque em Cedarhurst,
pulando sobre as pilhas, destruindo-as?
Vocês nunca pulavam, disse minha mãe.
Eram comportadas; ficavam onde eu mandava.
Não na nossa cabeça,
disse minha irmã. Passei 
os braços em torno dela. Que
irmã mais valente a minha,
eu disse.

Second Wind

I think this is my second wind.
my sister said. Very
like the first, but that
ended, I remember. Oh
what a wind that was so powerful
the leaves fell off the trees.
I don´t think so,
I said. Well, they were
on the ground, my sister said. Remember
running around the park in Cedarhurst,
jumping on the piles, destroying them?
You never jumped, my mother said.
You were good girls; you stayed where I put you.
Not in our heads,
my sister said. I put
my arms around her. What
a brave sister you are,
I said.

Uma frase

Está tudo acabado, digo.
Por que você diz isso? perguntou minha irmã.
É que, eu digo, se não acabou, vai acabar logo,
O que dá no mesmo. E se for assim,
não há razão para começar
uma frase que seja.
Mas não é a mesma coisa, disse minha irmã, isso de acabar logo.
Fica uma pergunta.
É uma pergunta boba, respondi.

A Sentence

Everything has ended, I said.
What makes you say so, my sister asked.
Because, I said, if it has not ended, it will end soon
which comes to the same thing. And if that is the case,
there is no point in beginning
so much as a sentence.
But it is not the same, my sister said, this ending soon.
There is a question left.
It is a foolish question, I answered.

Sobre a autora: Louise Glück é autora de treze livros de poemas e duas coletâneas de ensaios. Foi laureada com o Nobel de literatura, a National Humanities Medal, o Pulitzer e o National Book Award, o Bollingen Prize for Poetry e a Gold Medal for Poetry, da American Academy of Arts and Letters. Atualmente, é professora nas universidades Yale e Stanford e vive em Cambridge, Massachusetts. Dela, a Companhia das Letras publicou Poemas (2006-2014).

Onde encontrar o livro: Clique aqui para comprar Receitas de inverno da comunidade de Loise Glück

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