Breno Kümmel - Sendo ele quem ele era
A mesma protagonista, Monique, conecta todos os contos ou capítulos do mais recente livro de Breno Kümmel que pode, portanto, ser definido também como um romance curto ou novela. Na estratégia do autor, o ponto de vista é expresso pelas vozes narrativas, em primeira ou terceira pessoa, concedidas normalmente aos homens que se relacionaram com Monique, exceto em raros diálogos ou trocas de mensagens nas quais ela participa. Sendo assim, o protagonismo, na verdade, é assumido pelos sete homens que nomeiam cada conto/capítulo e representam o que há de pior no comportamento sexista masculino, evidenciando diferentes aspectos de uma cultura misógina, disfarçada ou ostensiva, contudo sempre presente em nossa sociedade.
A perspectiva sob a narrativa masculina, evidencia que esses personagens são o resultado de uma educação que perpetua um comportamento patriarcal enraizado. Um exemplo disso é o primeiro conto que nos surpreende com um delírio em forma de fluxo de consciência no qual o personagem se martiriza ao encontrar quatro vídeos pornográficos antigos na internet nos quais sua atual namorada contracena com um homem que tem um membro de proporções avantajadas. Durante todo o final de semana, sozinho em casa, ele tenta se convencer de que o passado sexual de sua parceira não pode influir na relação atual, até então perfeita em todos os sentdos, mas o que realmente o incomoda é a obsessão com o tamnho do próprio pênis.
"Óbvio que nunca lhe ocorreu de perguntá-la detalhadamente sobre de seu passado sexual, nem mesmo no início, por não ser da sua conta, por respeito, mas por saber que era melhor não saber, não se achava ciumento mas não fazia sentido ficar armando para si esses tipos de desafio, naturalmente ela não seria virgem aos vinte e nove quando começaram a sair, e ele nem saberia tratar um caso tão atípico, na verdade nunca tinha tido a experiência de transar com uma virgem mas nem sentia que isso lhe fizesse falta, e agora pensou em tudo que ela poderia ter vivido antes de conhecê-lo que ele nem perguntaria nem saberia, provável que tivesse dado de cara agora com o pior, mesmo se existisse um outro vídeo dela com dez ou vinte caras em cima ou por trás se alternando, daqueles vídeos de um apelo que ele sempre achou incompreensível a qualquer público masculino, o pessoal pelado numa fila, faziam fila, como prum atendimento num guichê, talvez um vídeo dela assim não fosse tão danoso pois não lhe caberia perguntar o que vinte caras teriam a oferecer que ele não teria, dezenove, óbvio, mas com aqueles quatro vídeos tampouco caberia fazer essa pergunta, estava lá, o tamanho, tão óbvio quanto e, muito pior." (pp. 17-8)
Todos os protagonistas masculinos têm em comum uma certa mediocridade que os faz reféns dos seus preconceitos e conduz as suas ações ou falta de ações ao longo da trama. Sendo assim, presenciamos uma sequência de experiências na vida de Monique marcadas pelo comportamento machista de ex-namorados e até mesmo do pai ausente. Breno Kümmel não cai na armadilha de apenas demonizar o mau comportamento dos homens, mas desperta no leitor um sentimento de incerteza e até mesmo empatia por esses personagens que no final são tão vítimas quanto as mulheres, no mundo virtual ou presencial, de uma tradição de piadas sexistas, pornografia, passando pela violência, até a pura objetificação do corpo feminino.
"Mais um capítulo dessa história idiota que é a minha vida. Esse é foda. Pelo que vi de relance no interior do apartamento do velho, e pela disposição das portas no corredor, a cama dela é do lado da minha. O cômodo é pequeno, não vai ter outra configuração que caiba o armário, com o banheiro no lado oposto. O apartamento é o espelho do meu, tudo invertido, que nem a vida dela é o invertido da minha. / Eu que sou uma anta nunca tinha pensado nisso nos primeiros dias, óbvio. Não pensei até que aconteceu. Ela transando. O velho que morava aqui antes não transava, só esperava morrer, uma vida normal de velho até o dia que morreu. Uma mulher como aquela, não tinha como. Se bem que talvez eu tenha pensado que ela transaria no apartamento do namorado, que devia ser bem melhor do que esse ovo. Se fosse esperta já estava botando pressão no cara para mudar pro apartamento dele. A partir daí é só pagar qualquer conta dele que o judiciário já aceita que estavam casados, vai lá e separa e pede pensão, toda mulher sempre carrega um caminho a mais entre as pernas." (pp. 105-6)
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