Haruki Murakami - Caçando Carneiros

Literatura japonesa
Haruki Murakami - Caçando Carneiros - Editora Objetiva, Selo Alfaguara - 336 páginas - tradução direta do japonês por Leiko Gotoda.

Somente Haruki Murakami seria capaz de imaginar e desenvolver uma trama tão absurda e inverossímil quanto a deste romance que envolve, entre outras situações, a estranha paixão do protagonista pelas orelhas perfeitas de uma mulher com um aguçado sexto sentido, a busca por um carneiro mágico capaz de proporcionar poderes especiais ao chefe de uma organização secreta e até mesmo a possibilidade de conhecer um número de telefone com acesso direto a Deus. Como sempre, os personagens de Murakami são confrontados com um universo fantástico e paralelo que é subitamente apresentado em meio ao rígido cotidiano das grandes metrópoles japonesas. O livro tem a ação ambientada no final dos anos setenta na cidade de Tóquio e também na distante região gelada de Hokkaido, norte do Japão, local isolado e inóspito, tradicional pela criação de carneiros, implantada em 1918 para o abastecimento de lã para os uniformes do exército japonês.

O romance é narrado em primeira pessoa por um protagonista curiosamente sem nome, assim como todos os outros personagens, inclusive o gato de estimação que ganha o apelido de sardinha (sempre existe um gato nos romances de Murakami). O personagem-narrador é completamente desinteressado em levar uma vida enquadrada nas convenções e princípios tradicionais da sociedade japonesa, ou seja: estudo, trabalho e família. Ele é um jovem publicitário de trinta anos, solitário e já acostumado a algumas perdas, entre as quais um casamento interrompido precocemente e sem filhos, quando é procurado pelo secretário de uma poderosa organização clandestina que quer saber mais detalhes sobre uma foto publicada por sua agência, onde inocentes carneiros aparecem pastando em um prado cercado por montanhas nevadas. A foto havia sido enviada juntamente com a carta de um antigo amigo, também sem nome e apelidado de Rato, que partiu em uma viagem sem volta há alguns anos.

A partir deste ponto inicia-se, por exigência e ameaças desta organização, a busca pelo protagonista de um carneiro específico que teria transmitido poderes especiais ao chefe da organização ao entrar em seu corpo, que funcionou como um hospedeiro desde muitos anos atrás (bastante estranho, não é mesmo). A insólita procura pelo carneiro, com base nas poucas pistas disponíveis, acaba conseguindo algum sucesso principalmente por meio das cartas enviadas pelo amigo desaparecido. Durante esta trajetória a investigação funcionará também como uma viagem de auto conhecimento e contará com a ajuda dos poderes sensitivos de sua nova namorada de belas orelhas.
"Ela tinha vinte e um anos, atraente corpo esguio e um par de orelhas das mais perfeitas, fascinantes. Era revisora freelance numa pequena editora, modelo fotográfico de orelhas e garota de programa num elegante clube, do tipo composto apenas por gente fina, bem conhecida. Qual das três ocupações era a principal eu não sabia. Nem ela. No entanto, se me perguntassem qual delas revelava seu verdadeiro perfil, eu diria que ela se apresentava com maior naturalidade no papel de modelo de orelhas. Assim pensava eu, e ela concordava. Mas o campo de trabalho de uma modelo de orelhas era restrito, baixo o status profissional e pequena a compensação financeira. Para o homem da agência de publicidade, para o fotógrafo, para o maquiador artístico e para o repórter da revista, ela era apenas a 'dona das orelhas'. As orelhas eram dissecadas, e corpo e espírito, descartados silenciosamente." (pág. 34)
Terceiro romance de Murakami, lançado originalmente em 1982, "Caçando Carneiros" tem um irresistível charme de literatura policial noir (Raymond Chandler é uma de suas influências) e foi um dos motivos do sucesso imediato entre os leitores ocidentais, além disso o livro é considerado pelo próprio autor como um marco do verdadeiro início do seu estilo (ler esta entrevista dele à Paris Review). Na minha opinião é um dos romances em que ele mais avança no fantástico e no terreno simbólico dos sonhos como podemos constatar no trecho abaixo em que é apresentado o curioso homem-carneiro (mais nonsense do que isto impossível, até mesmo para Murakami).
"O homem-carneiro vestia uma pele de carneiro que o cobria da cabeça aos pés. A vestimenta ajustava-se perfeitamente ao físico atarracado. A pele na região dos braços e das pernas tinha sido costurada posteriormente. O capuz que lhe envolvia a cabeça também era uma fantasia, mas os chifres espiralados que saíam do alto do crânio eram reais. Duas orelhas achatadas, obviamente estruturadas com arame, projetavam-se em sentido horizontal dos lados do capuz. A máscara que lhe envolvia a metade superior do rosto, assim como as luvas e as meias, eram feitas do mesmo couro preto. Um zíper ia desde o pescoço até as entrepernas, para facilitar o trabalho de vestir e despir." (pág. 276)

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